Nas últimas semanas um assunto tem chamado atenção quando se trata do novo coronavírus: a imunidade de rebanho, que ocorre quando o número de pessoas imunes ao vírus atinge uma taxa alta e faz com que ele não encontre pessoas suscetíveis à infecção. Para os especialistas, porém, o assunto ainda envolve muitas especulações e perguntas sem respostas, não sendo possível afirmar se alguma região possa conseguir alcançar esse tipo de resistência ao vírus.
O infectologista Paulo Pinto explica que quando há um número grande de pessoas infectadas torna-se mais difícil do vírus ser passado para frente. Embora haja estudos que apontem que para a imunidade de rebanho seja necessário que 60% a 70% da população esteja infectada, ele afirma que a ciência ainda não tem um dado concreto para essa porcentagem.
"Além disso, precisamos considerar que em Madri, na Espanha - onde houve muitos casos e a situação foi desesperadora, eles chegaram a cerca de 13% da população infectada. Em Nova York, foi 15%. Nenhuma chegou a 60% ou 70%, que é a estimativa para que a imunidade de rebanho aconteça. A gente não sabe, mas pode ser que esse número não aumente porque pode haver uma imunidade cruzada, de outros tipos de coronavírus que já tivemos antes da Covid-19, como a SARS, em 2002, e a MERS, em 2012. Ninguém sabe se elas deram alguma proteção ao novo coronavírus, então o mais prudente é continuar tentando abaixar a curva", explica.
O médico completou que o risco de tentar buscar a imunidade de rebanho é muito alto, podendo comprometer a saúde pública e elevar os números de mortos se as pessoas se exporem mais. Além disso, ele afirma que seria "imprudente", nesse momento, afirmar que o Espírito Santo pode chegar a esse tipo de imunidade.
No meio de tantas incertezas, um comportamento da Covid-19 tem chamado a atenção de especialistas: por algum motivo as cidades não passam de 20% no número de infectados, havendo um declínio natural no número de casos. Os motivos para isso, porém, ainda estão sendo investigados.
"Temos a hipótese de que, na teoria, para atingir a imunidade de rebanho é preciso 60% de pessoas infectadas. Mas com a Covid-19 está acontecendo algo diferente do que a gente esperava, as porcentagens não passam de 20% e não sabemos o porquê. Novamente, há hipóteses: pode ser por imunidade cruzada ou até por vacinas como BCG. Há estudos no Brasil, com biomarcadores e profissionais da saúde revacinando a BCG, porque há pesquisas chinesas e inglesas que apontam uma possível imunidade pela vacina. Mas nada ainda é uma certeza. É difícil falar sobre isso poque os estudos ainda não possuem resultados concretos", afirmou a epidemiologista Ethel Maciel.
Outras hipóteses estudadas incluem também grupos sanguíneos que serão mais propícios à infecção, segundo a epidemiologista. Ela completou que há um estudo de portugueses e ingleses que mostram que quando a Espanha chegou a 12% da população infectada, os números de casos começaram a diminuir. Os motivos porém, ninguém descobriu. Agora, a expectativa é que pesquisas possam responder essas dúvidas nos próximos dias.
Por esses motivos, Maciel afirma que não é possível dizer se o Espírito Santo chegará na imunidade de rebanho. Ela também salienta para o risco de mortes, já que mesmo o Estado chegando ao efeito platô em algumas regiões, o número de mortes "ainda é preocupante".
Um grupo sueco, liderado pelo matemático Pieter Trapman, levantou a discussão de que é preciso considerar que as populações são heterogêneas, com pessoas mais ou menos propensas a contrair o vírus, da mesma forma que possuem mais ou menos chances de morrer caso o contraiam. Por isso, avaliam como a heterogeneidade da população afeta a imunidade de rebanho.
No Brasil, a maior pesquisa feita com testes de anticorpos - realizada por pesquisadores da Universidade de Pelotas, indicou que 3,8% da população foi exposta ao coronavírus. Em regiões mais afetadas, como o Rio de Janeiro, o dado chegou a 10% - número ainda distante do previsto para a imunidade de rebanho.
Quem concorda que a quantidade de pessoas suscetíveis à infecção pode determinar uma possível imunidade de rebanho é o médico infectologista da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Raphael Lubiana Zanotti. Ele explicou que para ter uma doença disseminando-se em uma comunidade é necessário que naquela região haja pessoas suscetíveis o suficiente.
"Vamos a um exemplo prático de uma doença que já foi problema: a meningite. A partir do momento em que ninguém tinha pegado, quando não havia ninguém com imunidade e chega na população alguém com meningite, todas as pessoas ao redor são suscetíveis. Então ela tem múltiplas oportunidades de transmissão nos encontros com outras pessoas. Quando você vacina 80% dessa população, por exemplo, a quantidade de população que essa pessoa com meningite encontra, vai ser o mesmo tanto que ela encontraria antes, a diferença é que 80% não são suscetíveis. Então a chance de passar a doença para outros é muito menor", explicou.
Uma segunda variável importante para a disseminação, de acordo com o médico, é a própria capacidade do organismo ter de se disseminar. Na meningite, por exemplo, para passar de uma pessoa para outra geralmente é necessário um contato muito próximo e direto de uma pessoa com a outra. Já quando trata-se de uma doença de circulação respiratória, como o coronavírus, a transmissão é muito mais fácil, por uma característica própria do vírus. Porém, a porcentagem exata para atingir a imunidade de rebanho ainda não é garantida.
"Para dizer se a imunidade de rebanho precisa de um percentual para acontecer, é necessário entender qual o organismo que a gente está falando, por causa da capacidade de transmissão. Por isso, esse número não é fixo. Quando a gente fala de 60%, 70%, 80% da população que precisa estar imunizada para ocorrer essa imunidade, é uma estimativa a partir da capacidade de transmissão da doença e é um consenso de que a maioria da população precisa estar imunizada para se falar em imunidade de rebanho, então é um número maior do que 50%", conta.
Dentro da realidade do Espírito Santo, porém, ele afirma que a porcentagem ainda está muito distante de chegar ao menos a 50%. Já que o o inquérito sorológico aponta que cerca de 10% de pessoas já tiveram contato com a doença, enquanto há ainda uma redução de casos confirmados e aparente diminuição na velocidade da transmissão.
O diretor para doenças infecciosas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Marcos Espinal, apontou na última terça-feira (14), que não há evidências de que o Brasil ou alguma área do país tenha atingido a imunidade de rebanho contra a Covid-19. Indagado sobre Manaus, outra cidade muito atingida pelo vírus, ele afirmou que um estudo que aponta que apenas 14% dos moradores da capital do Amazonas têm anticorpos contra o novo coronavírus.
O diretor também alerta que adotar essa proteção coletiva para combater a transmissão da doença é uma estratégia equivocada. "Não recomendamos. O custo - de vidas humanas, econômico e de saúde - é muito alto". Outra justificativa para não adoção dessa medida é a falta de conclusões sobre o tempo que dura a imunidade contra a Covid-19. Espinal apontou um estudo que diz que essa imunidade dura apenas três meses.
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