A aprovação do projeto de lei que derrubou o chamado “rol taxativo” para a cobertura de planos de saúde pode aumentar os preços dos serviços, provocar a fuga dos beneficiários e uma possível sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS).
A avaliação é da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas o entendimento foi acompanhado pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Pelo texto do PL 2.033/22, aprovado no Senado no último dia 29, os planos de saúde poderão ser obrigados a financiar tratamentos de saúde que não estiverem na lista mantida pela ANS.
A medida significa que pode ficar mais fácil para o usuário do plano ter a cobertura de procedimentos fora da lista. A inclusão, no entanto, deve obedecer a algumas regras. O projeto seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um tratamento fora da lista deverá ser aceito desde que cumpra uma das seguintes condições:
Por nota, a agência manifestou preocupação em relação à definição das coberturas obrigatórias para os planos de saúde.
O órgão menciona que a lei 9.961/2000 atribuiu à ANS a competência de elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde. A agência reitera que, no processo de inclusão de um procedimento no rol, o exame técnico da reguladora é condição indispensável para ampliar ou restringir o uso de uma determinada tecnologia.
Nesse processo, a ANS destaca que utiliza a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para analisar as informações sobre evidências científicas relativas à eficácia, efetividade, acurácia e segurança da tecnologia, avaliação econômica e de impacto orçamentário, disponibilidade de rede prestadora, além da aprovação pelos conselhos profissionais quanto ao uso da tecnologia.
“As novas tecnologias a serem incorporadas ao rol passam ainda por amplo debate com a sociedade, por meio da participação social dirigida e ampliada, por meio de reuniões técnicas, consultas públicas e audiências públicas, de forma a permitir que a tomada de decisão para incorporação ou não da tecnologia ao rol se dê de maneira robusta, imparcial, transparente e sistemática.”
A agência garante que o processo de revisão não será alterado e que as incorporações podem acontecer a qualquer momento. "O processo de revisão, que levava dois anos para ser concluído, hoje tem prazo de análise de, no máximo, 9 meses", informa.
O superintendente médico da Abramge, Cassio Ide Alves, disse que a associação ficou preocupada com a segurança social após a aprovação do projeto porque, segundo ele, há um risco de que alguns serviços sejam disponibilizados sem a devida validação.
"Cresce uma grande preocupação quanto à segurança clínica e social, porque existe a possibilidade de que algumas tecnologias - que são as terapias, os medicamentos, procedimentos e exames - tenham que ser disponibilizadas sem qualquer validação por um estudo de avaliação, que é altamente recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)", analisa.
Em relação aos custos, a ANS destaca "que num sistema mutualista como é o setor de planos de saúde, todos os custos de consultas, cirurgias, internações e demais atendimentos são repartidos entre os beneficiários e, dessa forma, é possível diluir as despesas, tornando-as viáveis para o consumidor".
A agência pontua que passa a existir incerteza em relação ao impacto econômico que a mudança legislativa pode causar. Segundo a ANS, a realização de procedimentos não previstos "trará como risco uma elevação dos reajustes a patamares superiores à capacidade de pagamento de beneficiários, mesmo em reajustes controlados pela ANS, como no caso dos planos individuais, podendo gerar a exclusão de um grupo de beneficiários do sistema de saúde suplementar".
A avaliação da ANS é corroborada pelo representante da Abramge. Segundo Cassio, a aprovação cria insegurança e uma dificuldade das operadoras calcularem a estimativa de risco, já que não há certeza do que exatamente será coberto pelos planos.
"A ANS já divulgou estudos mostrando que ela acredita que vai ter um impacto, uma sobrecarga no SUS, e que algumas pessoas poderão perder os planos de saúde. Não sou economista, mas levando em consideração o bom senso, se você vai cobrir um monte de coisa que não estava prevista fica difícil estabelecer um preço. Acredito que prejudica demais o cálculo atuarial e a possibilidade de se compor um preço justo", avalia.
Questionada nesta quarta-feira (31) sobre o impacto no SUS, a ANS respondeu, por nota, que "não há como mensurar, mas entende que os consumidores que não tiverem como manter seus planos de saúde buscarão o SUS para realizar seus atendimentos".
A reportagem entrou em contato com a Unimed, Samp, São Bernardo e Medsênior para saber quais medidas as empresas vão adotar após a aprovação do projeto de lei.
Por nota, a MedSênior informou que acompanha o trâmite do projeto de lei sobre o rol taxativo. “A empresa reitera seu objetivo de oferecer envelhecimento saudável, focando em projetos de prevenção e promoção de saúde, sempre cumprindo as leis e trabalhando para contribuir nas discussões e no dia a dia de um setor tão importante”.
O “rol taxativo” vem de uma interpretação da lei que rege os planos de saúde (Lei 9.656, de 1998). Ela determina que a cobertura dos planos deve ser estabelecida pela ANS, que mantém o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (Reps).
Em junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os planos só estariam obrigados a financiar tratamentos listados no Reps. A decisão provocou a mobilização de associações de pacientes usuários de planos de saúde, cujos tratamentos seriam interrompidos em razão da adoção do rol taxativo.
O projeto de lei, apresentado em reação à decisão do STJ, determina que o Reps será apenas a “referência básica” para a cobertura dos planos de saúde.
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