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Jovem do ES mantida em cárcere pelo tio por 10 anos fala pela 1ª vez

Jovem do ES mantida em cárcere pelo tio por 10 anos fala pela 1ª vez

Em primeira entrevista à imprensa após o ocorrido quando ela tinha 15 anos, a jovem, hoje com 25 anos, falou dos momentos difíceis e do alívio com a prisão do tio

Publicado em 18 de outubro de 2024 às 14:24

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A notícia da prisão do tio que manteve a sobrinha em cárcere privado por cerca de 10 anos aliviou a família da vítima, que foi sequestrada quando tinha 15 anos. Mesmo tendo se libertado do cativeiro, no Sul da Bahia, e voltado para a casa dos pais em Rio Bananal, no Norte do Espírito Santo, há cerca de um mês, em 20 de setembro, a jovem, hoje com 25 anos, permaneceu com medo do homem aparecer novamente, pois o indivíduo de 43 anos permanecia fazendo ameaças. Ele se entregou à Polícia Civil em Linhares na última segunda-feira (14).

O caso teve grande repercussão em todo o país e, pela primeira vez, a vítima aceitou gravar uma entrevista, na manhã desta sexta-feira (18), agora com o coração um pouco mais calmo. A jovem tem passado por acompanhamento psicológico e revelou que ainda deve realizar uma avaliação psiquiátrica, para se recuperar da saúde mental fragilizada. Até o momento, não foi necessário começar nenhuma medicação.

No entorno da casa da família, para dar sensação de segurança, foram colocadas grades nas portas e nas janelas. Isso porque todos tinham dificuldades para dormir e, ainda, para realizar os afazeres diários era solicitada a escolta policial.

Ao repórter André Afonso, da TV Gazeta Norte, a jovem falou sobre algumas lembranças dos momentos difíceis, de como lidou com os abusos psicológicos cometidos pelo tio, como foi o período do resgate e os primeiros dias de volta com a família. Ela falou ainda também sobre o plano de voltar à escola, concluir o ensino médio e tentar levar a vida como deveria, normalmente.

Após se apresentar às autoridades policiais, voluntariamente e com a presença de um advogado, o homem foi interrogado e negou todas as acusações. Ainda apresentou fotografias e extratos bancários como tentativa de provar sua versão. Questionada sobre o depoimento do tio, a vítima afirmou que ficou revoltada.

Como foi receber a notícia de que seu tio foi preso?

  • Eu estava com meu pai quando soube que ele foi preso. Fico aliviada porque podemos ficar sossegados. Não tem como ele vir até aqui agora que está preso. Antes, eu tinha muito medo dele conseguir fazer mal para a minha família. Ele sempre ameaçou todo mundo. Ele dizia que, se eu pedisse ajuda para alguém, ele pegaria a pessoa e depois seria eu. Agora eu posso terminar meus estudos, sair um pouco, ver as pessoas. Muita gente queria me ver, mas eu tinha medo quando ele estava solto. Quem vem mais é a família. Recebi também visitas de amigos. De agora em diante, eu também posso vê-los.

Como você se manteve firme quando estava em cárcere?

  • Eu me sustentava na fé em Deus, se eu estou de pé hoje é graças a Ele. Passei por muita coisa, coisa que muitos não conseguem imaginar. Eu confio Nele, sei que vou melhorar.

Alguém sabia sobre o sequestro e pelo que você passava em cárcere?

  • Não sei se sabiam, mas dava para perceber que havia algo de errado. Dava para ver que eu não estava bem. Algumas pessoas me olharam quando eu vim para cá e disseram que eu aparentava estar doente. Eu tinha semblante de quem estava doente.

O que seu tio falava sobre sua família?

  • Ele inventava mentiras, dizia que o meu pai só considerava o meu irmão como filho e que a minha mãe iria quebrar as minhas pernas. Inventava. Como eu estava fragilizada, acabei acreditando.

Como você teve coragem de denunciá-lo?

  • Eu sempre tive vontade de pedir ajuda, mas o medo me deixava apavorada. Ele me ameaçava o tempo todo. Quando ganhei um celular, consegui. Pedi ajuda e minha prima falou com meu pai. Em menos de um mês, eu consegui ser resgatada.

Você sabia sobre a operação de resgate?

  • Eu não sabia que a polícia ia chegar. Eu já tinha pedido ajuda para uma prima minha. Conversamos, mas não me falaram que dia iria ocorrer o resgate.

O que você sentiu quando ele negou tudo à polícia?

  • Eu fiquei revoltada (quando ele disse que era mentira). Eu fazia de tudo para sobreviver naquele lugar. Passei muito tempo mal, isso feriu o meu psicológico e vou precisar fazer acompanhamento para tentar levar uma vida normal.

Como foi o retorno para casa?

  • Desde que voltei a Rio Bananal não vinha conseguindo dormir e só saía de casa acompanhada da polícia. Vi meus parentes no dia que cheguei. Passamos uns dias fora após as ameaças. Depois que colocaram grades, a gente voltou aqui. Tive acompanhamento com psicóloga, tenho uma avaliação para fazer com uma psiquiatra. Fiz uma bateria de exames e está tudo bem comigo, graças a Deus. Estou tendo todo apoio da saúde e da Polícia Civil.

Quais são seus sonhos agora?

  • Eu por enquanto penso em terminar os meus estudos. Eu ainda não tenho nenhum sonho de profissão. Vou pensar nisso no futuro. Meu sonho é terminar, porque eu parei. Eu vou conseguir. Ele não me deixava, porque é um lugar onde eu poderia conseguir ajuda.

Qual recado você deixa às mulheres que sofrem violência?

  • Que tenham coragem. Você é a única pessoa que pode se tirar de uma vida ruim. Nada é culpa sua. A pessoa que está te machucando faz isso, vai ferindo o seu psicológico, para que você pense que tenha culpa e seja a pessoa errada. Eu perdi a esperança, em vários momentos eu achei que iria morrer. Eu não sabia que o meu pai estava me procurando. Eu não sabia. Procure alguém de confiança. Não é todo mundo que vai te ajudar, sentir a sua dor.

Por fim, o que você espera da Justiça agora?

  • Eu peço justiça por tudo que aconteceu comigo. Foram quase 10 anos de sofrimento. Quero que ele pague pelo mal que me causou.

Relembre o caso

Conforme o inquérito policial, o tio - irmão distante do pai da vítima - veio de Minas Gerais para trabalhar no município onde a família mora, no fim de 2014, e foi acolhido na casa. Pouco tempo depois, ele abusou da sobrinha - na época com 15 anos - e em dois meses, em 2015, a obrigou a fugir com ele. Desde então, ela não teve mais contato com os pais.

Durante todo esse tempo, a jovem vivia sob ameaça do tio, trancada em casa e impedida de estudar e receber visitas. Não podia sair sem companhia e era agredida e violentada com frequência. Ela sofreu estupros e em um dos casos chegou a engravidar, mas o bebê morreu pouco tempo após nascer. O tio a fez acreditar que a família dela havia a rejeitado e ela nunca soube, enquanto estava com ele, que os pais se dedicaram muito para tentar reencontrá-la. Segundo o pai da vítima, ele gastou todo o dinheiro que tinha para isso.

A vítima foi localizada em uma ação da Polícia Civil, em parceria com o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) no município baiano de Jucuruçu. O tio não foi localizado e fugiu naquele momento. 

O que diz a defesa do homem

Segundo o delegado Fabrício Lucindo, titular da Delegacia Regional de Linhares, o homem foi preso com mandado de prisão temporária, que vale por 30 dias. “Nós tínhamos dois mandados contra ele. O de prisão temporária e o de busca e apreensão no imóvel onde morava. Durante os trabalhos de tentativa de prisão e busca e apreensão foram apreendidas armas e objetos. Agora, cumprido o mandado de prisão, a Justiça pode ou não manter a prisão dele”, disse.

Os advogados de defesa do tio foram procurados pela reportagem da TV Gazeta Norte e informaram que "a denúncia de cárcere privado foi fabricada pela vítima, e que os dois viviam como um casal". 

*Com informações do repórter André Afonso, da TV Gazeta Norte

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