A juíza da Vara da Infância e Juventude de Vila Velha, Patrícia Neves, concedeu entrevista ao Bom Dia ES, da TV Gazeta, nesta quarta-feira (12) e comentou o caso envolvendo uma menina de 10 anos, que descobriu que está grávida de três meses. Segundo a magistrada, os crescentes registros e o número de casos subnotificados em todo o país preocupam as autoridades.
O caso da menina foi registrado no último fim de semana, em São Mateus, no Norte do Estado, e é investigado pela Polícia Civil. Segundo informações da polícia, a criança disse que era vítima de estupro desde os 6 anos e o principal suspeito de cometer o crime é o próprio tio. A menina está em um abrigo, sendo acompanhada pelo Conselho Tutelar da cidade.
De acordo com a magistrada, houve um crescimento no número de crianças que ficam grávidas após abusos. A gravidez juvenil, que é a de adolescentes, vem diminuindo no país, mas o que nos assusta é que a de crianças, a infantil vem aumentando, destacou, sem citar de quanto foi esse aumento.
Com anos de experiência no atendimento de situações envolvendo crianças vítimas de violência sexual, a juíza relembrou fatos parecidos que marcaram sua carreira. O primeiro caso que eu vi foi há 29 anos na minha primeira Comarca, que foi uma coisa surpreendente para mim. Uma criança de 9 para 10 anos, grávida. A partir daí, lamentavelmente, nunca deixei de ver, então eu conheço muitos casos, lembrou.
Ao comentar sobre a situação da criança de São Mateus, a juíza ressaltou que muitos casos acabam não ganhando tanta repercussão. Eles não tomam a proporção, porque em São Mateus, por exemplo, é uma cidade menor que na Grande Vitória, então assumiu uma proporção, mas esses casos, se vocês fizerem alguma entrevista com o pessoal dos postos de saúde, da ponta da saúde, vocês vão se surpreender, revelou.
Durante a conversa, a magistrada destacou que muitos dos casos de estupro contra menores ocorrem no âmbito familiar. No entanto, em alguns contextos, a família não tem conhecimento do crime. Nós temos duas situações: uma em que a família realmente não sabe ou entra em um processo de negação, porque vai ter que fazer a escolha entre um ente da família, porque esse tipo de violência como foi noticiada essa e as outras, ele é mais comum por familiares. Existe a situação que não sabe e quando sabem entram em choque e existe uma situação ainda que é das pessoas se sentirem proprietárias do corpo do outro, o filho é propriedade", ressalta.
Patrícia ressaltou que é preciso mudar a mentalidade da população, para que mais crimes sejam denunciados e os autores punidos. O que nós precisamos é mudar, primeiro a mentalidade. Existe uma subnotificação muito grande, as pessoas têm medo de denunciar ou as pessoas acham que aquilo ali é uma brincadeira que está sendo feita com a criança, porque normalmente isso começa com o ato libidinoso, já não começa com o estupro, então é o está tocando a criança indevidamente.
Para ela, o alerta não é para criar pânico e sim para que as famílias saibam identificar situações de abusos sexuais.
Como aconteceu em São Mateus, em que a vítima foi encaminhada para um abrigo, a magistrada ressaltou que primeira medida a ser tomada é afastar o agressor do convívio da vítima.
A gente tem o artigo 130 do Estatuto que trata do afastamento do agressor do lar. Mas você tem a situação que se a mãe foi omissa ou se a mãe foi conivente ou as pessoas que convivem com a criança, essa criança vai acabar sendo vitimizada duas vezes. Ela sofreu a violência e ela vai ter que ir para uma instituição de acolhimento até que se encontre alguém da família. Mas o natural é que a gente afaste o agressor do lar e isso vai sendo acompanhado, comentou.
Ainda de acordo com a juíza, o avanço da legislação garantiu a implantação de uma rede de apoio e atendimento para as vítimas. Existe a lei 13.431 que foi a famosa que criou o depoimento especial, mas, na verdade, ela criou a rede de atendimento a crianças que são vítimas ou testemunhas de violência. Existem irmãos de 5 ou 6 anos que são testemunhas da violência contra uma irmãzinha ou irmãozinho de 10 anos. É um grande ciclo de violência e, aí, a rede municipal, ela tem atendido com todas as dificuldades orçamentárias, com dificuldade de pessoal, eles têm atendido muito bem as demandas que chegam, destacou.
A juíza Patrícia Neves reforçou que a pena para este tipo de crime é alta e pode variar de acordo com cada caso. É um crime com uma pena muito alta. O estupro de vulnerável é uma das penas mais altas do Código. A pena inicial, aí não importa se dizem que consentiu a vítima, não existe consentimento antes dos 14 anos de idade, a pena é de 8 a 15 anos. Já inicia com o regime fechado, não há possibilidade de nenhum tipo de progressão em um crime desses. Se houver lesão, houver morte, a pena vai aumentando de 12 a 20, de 15 a 30, então você tem um aumento grande, explicou.
Patrícia reforçou que, apesar da defesa dos agressores alegarem o consentimento da criança, nada justifica os abusos. Eu já vi criança de 11 anos na segunda gravidez e isso é considerado estupro. Eles podem até tentar legalmente como defesa dizer que a criança consentiu. Uma criança consente em brincar, brincar de pique, consente em sair para brincar, ela não tem ainda o discernimento na personalidade ou formação para dizer que ela consentiu com uma vida sexual ativa, lembrou.
Ela ainda reforça que a Justiça é firme e busca punir os agressores. Eles tentam essa defesa só que a legislação brasileira, ela é muito dura com relação a isso. Abaixo dos 14 anos completos, é estupro de vulnerável, presume-se a violência, não há que possibilidade de se discutir se houve consentimento ou não, mas são muitos casos, só não são noticiados, reforçou.
Para que casos de abusos sexuais contra crianças possam ser investigados a população precisa denunciar. Segundo a juíza, o disque 100 é o caminho mais seguro e rápido para informar as autoridades sobre essas situações. O telefone funciona 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.
Além disso, a magistrada reforçou que campanhas educativas ajudam a identificar situações de violência. Existem hoje muitas campanhas que a gente posta nas redes sociais, normalmente, se aborda isso de uma forma lúdica, tudo tem o seu tempo para ser ensinado ao ser humano. Hoje existem brincadeiras, existem vídeos com desenhos animados que se alguém me tocar, e eu não me sentir bem, conversar com a mamãe, conversar com a professora, comentou.
A juíza destacou também que no período de pandemia a falta do convívio da criança com o ambiente escolar preocupa. Em um período desses de pandemia, é um período que nos preocupa muito, porque a escola é o foco primeiro de denúncias, porque os professores têm um vínculo de confiança com seus alunos e eles percebem a mudança de comportamento ou os alunos falam para eles o que está acontecendo, porque há um vínculo muito grande de confiança. Geralmente, não falam para o pai e para a mãe, porque geralmente o agressor está dentro de casa e, aí, é o professor que inicia todo aquele protocolo da questão de violência, ressaltou.
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