Seis pessoas, incluindo quatro policiais militares, se tornaram réus em ação penal por suspeita de integrar e manter uma milícia, grupo paramilitar criado com a finalidade de prática de crimes na Grande Vitória. A denúncia apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) foi aceita na tarde desta segunda-feira (11) pela Justiça estadual.
A decisão é da juíza da Primeira Vara Criminal de Vitória, Lívia Regina Savergnini Bissoli Lage. Em seu texto, ela informa:
“A forma de execução do crime demonstra que os acusados contam com personalidade desprovida de sensibilidade moral, sem um mínimo de compaixão humana, não valorizando, destarte, o semelhante de forma a ser possível a convivência social, uma vez que os fatos, além de terem ocorrido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e por meio passível de resultar perigo comum, foi praticado em atividade típica de milícia privada, sendo necessária a custódia cautelar para preservação da ordem pública e da instrução processual.”
Destaca ainda que os fatos são mais graves por envolverem a participação de militares: “E tanto se torna mais grave quando se verifica que três dos acusados são agentes da lei, os quais ocupam cargo público na Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, sendo pagos com limitados recursos públicos para combater o crime e não para praticá-lo”.
Foram identificados como membros da milícia que atuava na Grande Vitória e agora são réus em ação penal:
Dos seis denunciados pelo MPES, cinco foram presos na Operação “La Liga”, realizada no mês de maio. Na decisão judicial, as prisões foram convertidas para preventivas. O único a permanecer em liberdade é o soldado Josemar Fonseca Lima, o Baiano.
“A decretação da prisão preventiva dos acusados se mostra necessária a fim de garantir a lisura da colheita de provas em andamento, isso porque, além de 3 deles integrarem as forças de segurança pública deste Estado, é imperioso ressaltar que o grupo composto por eles (denominado “liga extraordinária”) realiza eventos de grande proporção em condomínios de alto padrão na cidade de Vila Velha, contando com a presença de convidados que compõem a cúpula das forças de segurança”, é dito na decisão.
A juíza também destaca que a manutenção da prisão deles é importante para evitar possível coação a testemunhas. “Importante registrar, ainda, que a instrução processual contraditória cognoscitiva, a qual sequer se iniciou, contará com a oitiva de testemunhas, sendo notório o temor delas de prestarem seus depoimentos em crimes dessa natureza, motivos pelos quais, diante das peculiaridades do caso concreto, necessária a aplicação da medida drástica da segregação cautelar para assegurar a lisura dos testigos”.
A juíza também aceitou o pedido do MPES e determinou que a Corregedoria da PM suspenda o exercício da função de policial militar do soldado Josemar.
“Oficie-se à Corregedoria da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo para que adote as providências cabíveis, a fim de dar cumprimento à suspensão do exercício da função do Policial Militar JOSEMAR, comunicando-se a este Juízo”, é dito na sentença.
Imagens do videomonitoramento flagraram o soldado em um carro, com placa fria, durante umas das incursões do grupo, segundo a investigação do MPES. A ele, segundo a decisão judicial, foi imputado o crime de associação criminosa: “Na medida em que comprovada sua presença em incursões realizadas pelo grupo denunciado através de automóveis que utilizavam a mesma 'placa fria' do Honda Civic que transportou os executores de Felypy no dia do crime”.
Na casa de Josemar também foi apreendido material suspeito. “Em cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de Josemar, foram encontrados 5 rádio-comunicadores que não fazem parte da carga da PM, correspondendo ao modelo utilizado pelos demais denunciados, conforme registrado em fotografia existente no aparelho celular de Walace. Como se não bastasse, o denunciado integra grupo de WhatsApp criado por Ronniery 3 dias após o crime, denominado 'Estado Maior', com a finalidade de trocar informações implícitas acerca da necessidade de agendar encontros e conversas informais com membros da Polícia Civil desta Capital.”
A Josemar foram impostas medidas cautelares diversas da prisão: proibição de contato com as testemunhas e familiares da vítima; proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia autorização da Justiça; suspensão do exercício de função pública de Policial Militar.
No dia da prisão de Walace Luiz dos Santos Souza, em sua casa foi apreendida uma pistola, marca Taurus. Foi determinada a suspensão do registro dela e, ainda, determinado que a Polícia Federal seja informada de que o réu responde a processo penal. “A fim de aferir, no âmbito de sua competência, a eventual perda da idoneidade deste acusado”.
Segundo a denúncia do MPES, entregue à Justiça estadual na quinta-feira (7), os denunciados “integravam e mantinham organização paramilitar, milícia particular, grupo armado com finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal”.
A investigação criminal foi conduzida e a denúncia assinada pela 14ª Promotoria Criminal de Vitória e por membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPES.
No documento encaminhado à Justiça estadual, a que A Gazeta teve acesso, eles informam que o grupo realizava “incursões ilícitas” pelas ruas da Grande Vitória “com o propósito de cometer crimes e ilegalidades”.
Um dos crimes praticados pelo grupo aconteceu no dia 21 de fevereiro, na praça do bairro Itararé, em Vitória. No local, Felypy Antônio Alves Chaves, o Cambalaxo, foi assassinado ao lado da arquibancada do campo de futebol, por volta das 2h, com vários disparos de arma de fogo.
Na ocasião, a Polícia Civil informou que ele tinha sido atingido por pelo menos 15 tiros. No dia seguinte, foram encontradas cápsulas de calibre 9 mm e 380 no local do crime.
No dia, um carro com quatro ocupantes e uma moto, com dois ocupantes, chegaram a uma rua próximo à Unidade de Saúde de Itararé. Segundo o MPES, Walace pilotava a moto e com ele, na garupa, estava Glaydson. A moto foi utilizada pelos dois para bloquear o tráfego - sendo colocada, inclusive, em um cavalete -, e ali a dupla permaneceu para garantir a interdição da via.
“O bloqueio da rua garantiu e impediu qualquer contratempo capaz de atrapalhar a execução do homicídio planejado por eles e, assim, assegurou a prática do crime”, é informado na denúncia.
As imagens de videomonitoramento obtidas pela investigação mostram que Walace, durante o tempo em que permaneceu bloqueando a rua, empunhava uma arma de fogo.
Os outros membros do grupo estavam em um carro, um Honda Civic. Na época, o veículo pertencia ao cabo Ronniery Vieira Peruggia, que alterou sua placa, utilizando uma fria. Ele era o condutor no dia do crime. Com ele estavam outras três pessoas: o cabo José Moreno, o cabo Welquerson e um terceiro não identificado.
Nas imagens do videomonitoramento obtidas pela investigação é possível ver que os quatro saem do veículo e seguem para a quadra, local do homicídio. No caminho, abordam duas pessoas que, em seguida, são liberadas. Na sequência, tiros são disparados na quadra e foram registrados por uma câmera de videomonitoramento. Logo depois, seis pessoas deixam o local.
É relatado na denúncia que o crime foi praticado por recurso que dificultou a defesa da vítima, utilizando recursos como aproximação tática típica das forças policiais, como contenção e planejamento.
“Surpreendida pela ação criminosa engenhosamente arquitetada por grupo operacional tecnicamente especializado em abordagem e confronto, os quais agindo em superioridade numérica, com armamentos de grande poderio, em clara divisão de tarefas, posicionados estrategicamente com fim de bloquear todos os possíveis pontos de fuga da vítima, dificultando sobremaneira as chances de esboçar qualquer reação”.
O texto da denúncia destaca ainda: “O crime foi praticado por meio passível de resultar perigo comum, dada a quantidade de disparos realizados em local em que havia inúmeras pessoas, além de ter sido praticado em atividade típica de milícia privada”.
Outro ponto revelado na investigação foi o de que, na ida para o local do crime, seguia na moto guiada por Walace, o cabo José Moreno Valle da Silva, que utilizava um colete balístico da Polícia Militar embaixo de uma camisa. Ele ficou visível nas imagens do monitoramento.
Por nota, a Polícia Militar, por meio da Corregedoria da Corporação, informou que “está aguardando acesso oficial às conclusões das investigações conduzidas pelo Ministério Público, a fim de identificar o procedimento administrativo mais adequado ao caso concreto”.
O advogado Carlos Antonio Tavares, que faz a defesa do cabo Ronniery Vieira Peruggia, informou que não há fato concreto que justifique a prisão temporária do seu cliente. “Na medida cautelar acusam meu cliente de participar de grupo de extermínio e ofertam denúncia, como citada na matéria, de participação em milícia privada. A gente não sabe qual vai ser a próxima classificação que o MPES vai dar com relação ao caso”, assinala.
Informa ainda que não foi respeitado o que foi determinado pela Justiça estadual na apreensão realizada na casa do seu cliente. “Houve apreensão de celular e documentos e a defesa não foi informada sobre a extração dos dados, conforme determinado na cautelar, que deveria ser feita na presença do réu ou de seu advogado”, informa, assinalando que não pode dar mais detalhes sobre o caso porque a investigação tramita em sigilo.
Caio Guerra Gurgel, que faz a defesa de Walace Luiz dos Santos Souza, informa que seu cliente permanece detido e que ele nega a participação em milícia ou grupo paramilitar. “Ele é um estudante de Direito, não é policial”, relata.
Informou ainda que não poderia informar mais detalhes para não atrapalhar a linha defensiva.
A defesa do cabo Welquerson Cunha de Moraes está a cargo de Sandra Maria Teixeira Nobre Grassi. Ela destaca que ele não participou e nem participa de nenhum grupo de extermínio ou paramilitar e, ainda, que chama a atenção neste processo o fato de o MPES mudar a sua alegação em relação aos denunciados. “Inicialmente, sem prova, alegou ser grupo de extermínio e agora traz outra tese. Meu cliente é um excelente profissional, com vários elogios à sua pessoa pelo trabalho desenvolvido junto à Polícia Militar”, destaca.
Destaca ainda que houve a prorrogação da prisão temporária. “A meu ver, para aprofundamento das investigações, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou que a prisão não pode se dar para aprofundamento das investigações sob pena de ferimento aos direitos constitucionais”, pondera.
A defesa dos demais denunciados não foi localizada para se manifestar.
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