Silvia Lafaiete ainda lembra do desespero de sua mãe e dos filhos na disputa por água em Colatina, em 2015, quando a lama de rejeitos de minério atingiu a cidade e afetou o abastecimento público. “Chorei muito vendo na televisão a minha mãe pegar água distribuída pelo Exército”, relata. Naquele momento, ela, que é moradora de uma comunidade no litoral de São Mateus, Norte do Estado, não sabia que, meses depois, a tragédia alcançaria a sua casa. Junto com os vizinhos, viu os peixes, fonte de sobrevivência deles, aparecerem mortos, boiando nas águas do mar e dos rios.
São Mateus está entre as seis cidades do Litoral Norte capixaba, um percurso de quase 250 quilômetros, que podem ficar sem reparação pelos danos ambientais causados pelo rompimento de uma barragem de rejeitos de minério em Minas Gerais, que atingiu o Rio Doce. O fato acontece após decisão da Justiça Federal suspender a inclusão da região entre as áreas afetadas e solicitar a realização de uma nova perícia para confirmar se a área foi alvo do dano ambiental, econômico e social. A decisão afeta as seguintes cidades, segundo informações do governo estadual:
Ao todo, onze cidades no Espírito Santo estavam na rota da lama de rejeitos. Além das cidades já citadas, outras afetadas ficam ao longo da calha do rio ou foram alvo da mancha de inundação. São elas:
Considerado o maior e mais grave desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores do mundo, o rompimento da barragem de Fundão ocorreu há quase oito anos, em 5 de novembro de 2015. Dezenove pessoas morreram. Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), foram despejados mais de 40 milhões de m³ de rejeitos no Rio Doce e afluentes, e foi devastada uma área de cerca de 32 mil km², atingindo, direta e indiretamente, 49 municípios situados a partir do local do rompimento, em Mariana (MG), até a foz do Rio Doce, em Linhares (ES), onde alcançou o Oceano Atlântico.
Foram anos de luta, relata Sílvia, para que se reconhecesse que dezenas de comunidades no litoral de São Mateus e de outros municípios sofreram com as consequências do desastre ambiental.
A confirmação de que o litoral foi afetado ocorreu em decisão também da Justiça Federal, em outubro do ano passado. Foi essa decisão que acabou agora sendo suspensa pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, Ricardo Machado Rabelo, na última sexta-feira (27). Ele aceitou o recurso apresentado pela Samarco e suas mantenedoras, a Vale e a BHP Billinton, e pela Fundação Renova.
Silvia conta que, antes do desastre, a pesca era farta. “Hoje, até as nossas festas do camarão e a do caranguejo já não atraem mais tantos turistas. E depois de anos de prejuízo, de tanta luta para sermos incluídos na reparação, vem uma outra decisão e nos exclui novamente. Mas não vamos desistir da luta”, desabafa.
Junto com outras lideranças e moradores das comunidades, ela segue nesta sexta-feira (3) para Brasília, onde participam de uma manifestação nacional promovida pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que acontece entre os dias 5 e 7 deste mês.
A decisão foi tomada a pouco mais de um mês da assinatura do acordo de reparação de danos, conhecido como Tratado de Mariana, e que conta com a participação de representantes dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, de diversos órgãos e da cúpula do governo federal. A assinatura do documento está prevista para o dia 5 de dezembro, data definida pela própria Justiça Federal.
O governo do Espírito Santo, por intermédio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), decidiu apresentar um recurso à 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), instância na qual o processo tramita.
A promotora de Justiça Elaine Costa de Lima, coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce – MPES, reforça o posicionamento em defesa dos atingidos no Estado e de que já há provas existentes no processo.
"As instituições do Espírito Santo estão alinhadas e adotaremos as medidas judiciais conjuntamente para reverter essa decisão, reforçando o nosso compromisso com as pessoas atingidas e o nosso anseio por uma justa reparação aos imensos danos sofridos pelo Estado do Espírito Santo. Existem diversos estudos e, inclusive, uma perícia judicial sobre a segurança do pescado, que comprovam o impacto sofrido no litoral capixaba", pontua.
Jasson Amaral espera que, até a data de assinatura do acordo, a decisão seja reformada pelo colegiado do TRF6. "É a nossa expectativa e acreditamos que haja tempo hábil para que isso aconteça. O Espírito Santo não cogita assinar um acordo que não repare os danos e prejuízos que a sociedade enfrenta", assinala.
O subsecretário da Casa Civil do governo do Espírito Santo, Ricardo Iannotti, coordenador executivo do Comitê Pró-Rio Doce e que há anos coordena as negociações para a reparação dos danos pelo Espírito Santo, destaca que há inúmeras provas e laudos que comprovam o impacto ambiental no litoral do Estado. Ele ressalta que um dos maiores exemplos é a proibição da pesca, determinada pela própria Justiça, em decorrência da contaminação.
“No final de um acordo que visa reparação dos danos causados pelo maior desastre ambiental do país, vemos com muita preocupação uma decisão que nega o impacto ambiental no Espírito Santo, já reconhecido até por entidades internacionais. Com laudos, inclusive do Ministério da Saúde, comprovando a contaminação do pescado por metais pesados, cuja pesca foi proibida pela Justiça. Nos causa muito desconforto esta decisão”, observa.
Ianotti ressalta que a determinação desconsidera várias perícias já realizadas, assim como a decisão do Comitê Interfederativo (CIF) e atende a uma sugestão das empresas de realização de uma nova perícia.
“Ao negar a poluição no território capixaba e na Foz do Doce, a medida impacta o Litoral Norte, deixando de pagar aos atingidos, o povo ribeirinho de dezenas de municípios capixabas, comunidades indígenas e quilombolas, os que vivem da agricultura de subsistência. Dos pequenos aos grandes produtores rurais, além de toda a cadeia produtiva da pesca, que há anos sofre com os reflexos dessa contaminação, todos estão desamparados, sem auxílio, aguardando por indenização, para retomar suas vidas.”
Outro ponto importante, destaca, é que o desastre ambiental afetou ainda um patrimônio do Estado. "A moqueca capixaba é um patrimônio gastronômico e cultural do Espírito Santo e um de seus principais ingredientes está contaminado. Essa decisão foi danosa, cara e prejudicial ao Estado, que não teve nenhuma culpa nesse desastre. E, passados 8 anos, ainda não se tem nenhuma reparação, e com os transtornos sociais multiplicados a cada dia com a não resolutividade do reconhecimento dos impactos", aponta Ianotti.
Nos próximos dias 8, 9 e 10 acontece, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a última reunião técnica antes da assinatura do acordo de Mariana. Será a ocasião em que serão definidos os valores de indenização e reparação. Em agosto do ano passado, as tentativas de fecharem um acordo, estimados em R$ 112 bilhões — incluindo os recursos que já haviam sido investidos — fracassaram. Nos bastidores, a informação é de os novos valores podem superar o total em pelo menos mais R$ 30 bilhões.
Demandada, a BHP Billiton, informou que não se manifesta sobre o assunto.
Por nota, a Fundação Renova informou que "não tomou ciência da decisão mencionada". Acrescentou que, "no trâmite da referida ação judicial, analisará o conteúdo para eventuais manifestações".
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