A poucos dias de completar oito anos do maior desastre ambiental do país, o Espírito Santo foi surpreendido com uma decisão da Justiça Federal que suspende a inclusão do litoral capixaba nas áreas atingidas pelos rejeitos de mineração lançados no Rio Doce após o rompimento de uma barragem da Samarco, em Minas Gerais. E determina a realização de uma nova perícia para confirmar se a região foi alvo de dano ambiental, econômico e social. A medida afeta cidades entre Serra a Conceição da Barra.
A decisão foi tomada a pouco mais de um mês da assinatura do acordo de reparação de danos, conhecido como Tratado de Mariana, e que conta com a participação de representantes dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, de diversos órgãos e da cúpula do governo federal. A assinatura do tratado está prevista para o dia 5 de dezembro, data definida pela própria Justiça Federal.
A medida surpreendeu o governo do Espírito Santo que, por intermédio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), decidiu apresentar um recurso à 4ª turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), instância na qual o processo tramita.
Na tarde desta terça-feira (31), ele se reuniu com representantes do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e defensorias públicas do Espírito Santo e da União para discutir as alternativas que podem ser adotadas em relação à decisão.
A promotora de Justiça Elaine Costa de Lima, coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce - MPES, reforça o posicionamento em defesa dos atingidos no Estado.
"As instituições do Espírito Santo estão alinhadas e adotaremos as medidas judiciais conjuntamente para reverter essa decisão, reforçando o nosso compromisso com as pessoas atingidas e o nosso anseio por uma justa reparação aos imensos danos sofridos pelo Estado do Espírito Santo. Existem diversos estudos e, inclusive, uma perícia judicial sobre a segurança do pescado, que comprovam o impacto sofrido no litoral capixaba", pontua.
Jasson Amaral espera que, até a data de assinatura do acordo, a decisão seja reformada pelo colegiado do TRF6. "É a nossa expectativa e acreditamos que haja tempo hábil para que isto aconteça. O Espírito Santo não cogita assinar um acordo que não repare os danos e prejuízos que a sociedade enfrenta", assinala.
Considerado o maior e mais grave desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores do mundo, o rompimento da barragem de Fundão, em 5 novembro de 2015, matou 19 pessoas há quase oito anos. Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), foram ainda despejados mais de 40 milhões de m³ de rejeitos no Rio Doce e afluentes, devastada área de cerca de 32 mil km², atingindo, direta e indiretamente, 49 municípios situados a partir do local do rompimento, em Mariana (MG), até a foz do Rio Doce, em Linhares (ES), onde alcançou o Oceano Atlântico.
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, Ricardo Machado Rabelo, assinou a decisão na última sexta-feira (27). Ele aceitou o recurso apresentado pela Samarco e suas mantenedoras, a Vale e a BHP Billinton, e pela Fundação Renova. Suspendeu a decisão anterior e determinou que seja realizada uma nova prova de perícia da região.
“Defiro o pedido de antecipação da tutela recursal e suspendo a decisão agravada, ficando determinado que seja realizada a prova pericial requerida pelas agravantes”, determinou o magistrado.
O subsecretário da Casa Civil do governo do Espírito Santo, Ricardo Iannotti, que há anos coordena as negociações para a reparação dos danos pelo Espírito Santo, vê com preocupação a decisão que nega o impacto ambiental no litoral do Estado. Ele ressalta que um dos maiores exemplos desse impacto é a proibição da pesca, determinada pela própria Justiça, em decorrência da contaminação.
“No final de um acordo que visa reparação dos danos causados pelo maior desastre ambiental do país, vemos com muita preocupação uma decisão que nega o impacto ambiental no Espírito Santo, já reconhecido até por entidades internacionais. Com laudos, inclusive do Ministério da Saúde, comprovando a contaminação do pescado por metais pesados, cuja pesca foi proibida pela Justiça. Nos causa muito desconforto esta decisão”, observa.
Ianotti ressalta que a decisão desconsidera várias perícias já realizadas, assim como a decisão do Comitê Interfederativo (CIF) e atende a uma sugestão das empresas de realização de uma nova perícia.
“Ao negar a poluição no território capixaba e na Foz do Doce, a medida impacta o litoral norte, deixando de pagar aos atingidos, o povo ribeirinho de dezenas de municípios capixabas, comunidades indígenas e quilombolas, os que vivem da agricultura de subsistência, dos pequenos aos grandes produtores rurais, além de toda a cadeia produtiva da pesca, que há anos sofre com os reflexos dessa contaminação, estão desamparados, sem auxílio, aguardando por indenização, para retomar suas vidas”, destaca.
Outro ponto importante, destaca, é que o desastre ambiental afetou ainda um patrimônio do Estado. "A moqueca capixaba é um patrimônio gastronômico e cultural do Espírito Santo e um de seus principais ingredientes está contaminado. Esta decisão foi danosa, cara e prejudicial ao Estado, que não teve nenhuma culpa neste desastre. E, passados 8 anos, ainda não se tem nenhuma reparação, e com os transtornos sociais multiplicados a cada dia com a não resolutividade do reconhecimento dos impactos", aponta Ianotti.
Com a decisão judicial, Ianotti avalia que há desconforto em efetivar ações como a assinatura do acordo, podendo levar o Estado a adotar diversas medidas que reconheçam o Espírito Santo como área atingida.
“Assinar um acordo que prejudique o Estado, mais do que já foi prejudicado, isso o governo não vai fazer”, garante.
Em outubro do ano passado, a Justiça Federal confirmou a inclusão de áreas de cinco municípios do litoral capixaba entre as regiões que foram impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão. A decisão foi de Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar, juiz federal substituto da 4ª Vara Cível e Agrária de Belo Horizonte.
Desde março de 2017 essas localidades já tinham sido reconhecidas como atingidas pela lama de rejeitos de mineração da Samarco, em deliberação do Comitê Interfederativo (CIF) — colegiado incumbido de acompanhar as atividades de recuperação, compensação e reparação dos danos ambientais —, e que vinham sendo desrespeitadas pela Renova e suas mantenedoras, segundo a determinação judicial.
Com aquela decisão, foram confirmadas como tendo áreas atingidas no litoral as seguintes cidades: Aracruz (novas comunidades), Serra, Fundão, São Mateus e Conceição da Barra.
Outros municípios já tinham obtido o reconhecimento de danos ambientais. Elas estão localizadas ao longo da calha do Rio Doce. São eles: Baixo Guandu, Colatina, Marilândia e Linhares.
Há ainda processos que pedem a inclusão de outras cidades que também enfrentam danos decorrentes do rompimento da barragem. São elas: Sooretama, por danos causados por barragem construída em Rio Pequeno para evitar a contaminação da Lagoa Juparanã; Anchieta, por prejuízos causados pelo fechamento das usinas da Samarco na cidade; e Vitória, pelos impactos aos camaroeiros.
A decisão foi em um processo movido pela Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova, que solicitaram a exclusão do litoral capixaba das áreas afetadas. Mas a Justiça Federal decidiu por reconhecer os danos, que já haviam sido declarados na Deliberação 58 do CIF, de março de 2017.
No mesmo processo, o governo do Estado do Espírito Santo, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais informaram que as empresas estavam descumprindo o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), decisões judiciais de reconhecimento de áreas do Espírito Santo como impactadas, dados de monitoramento, análise do laudo pericial sobre qualidade do pescado, avaliação dos impactos e valoração dos danos.
Foi contra esta decisão que as empresas recorreram e conseguiram uma nova decisão do desembargador federal.
Demandada, a BHP Billiton informou que não se manifesta sobre o assunto.
Por nota, a Fundação Renova informou que "não tomou ciência da decisão mencionada". Acrescentou que "no trâmite da referida ação judicial, analisará o conteúdo para eventuais manifestações".
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