Após a publicação desta reportagem, o Fantástico, da TV Globo, ouviu os envolvidos no caso e revelou que a autora do vídeo não foi a mãe, mas outra pessoa que não tem qualquer parentesco com a passageira, tampouco com a criança que estava chorando. Apesar da reviravolta, o entendimento de especialistas é o mesmo: cabe indenização por dano moral e há espaço para condenações por difamação e injúria. O título e o texto foram corrigidos.
A postura de uma mulher que queria que uma passageira trocasse de assento com uma criança, cedendo seu lugar perto da janela em um avião, viralizou na rede social, com direito a milhões de visualizações nas redes sociais, apoio à passageira filmada e até "lição de moral". O vídeo foi postado no TikTok. Após a repercussão do caso, a pessoa filmada, identificada como Jennifer Castro, teve a quantidade de seguidores multiplicada na própria conta do Instagram. Mas afinal, além dos "15 minutos de fama", ela pode processar e ganhar uma indenização por ser exposta?
O vídeo começou a viralizar na quarta-feira (4), e foi usado por jornais de todo o país e por influenciadores, que ironizaram a cena. No áudio da gravação, a criança está chorando e a mulher acusa a passageira de não ter empatia. "Ela não quer trocar de lugar. Até perguntei se ela tem alguma síndrome, alguma coisa. A pessoa não tem nada. Tô gravando a sua cara. Você não tem empatia com as pessoas, isso é repugnante. No século XXI, não tem empatia com as crianças", disse a mulher no vídeo.
O programa Fantástico, da TV Globo, divulgou neste domingo (8) falou com todas as partes envolvidas no caso, inclusive Eluciana Cardoso, a autora do vídeo. A mãe da criança, Aline Rizzo, foi muito criticada por pessoas que acreditavam que era dela a autoria da gravação. "Eu não agredi, não xinguei, não filmei. Foi outra passageira", disse durante a entrevista.
Jennifer Castro questiona se está sendo gravada, mas evita discutir com a mulher. Ela encosta a cabeça na janela, coloca o fone de ouvido e fecha os olhos. Apesar de o vídeo ter sido publicado pela própria mãe, as pessoas apoiaram a mulher filmada.
Alguns usuários ainda fizeram questão de dar uma "lição de moral" na autora do vídeo, recomendando que ela explicasse à criança sobre os direitos da passageira já sentada no assento.
Nas redes sociais, a maioria dos usuários apoiou Jennifer Castro. "As pessoas confundem bastante a palavra empatia", disse uma pessoa em comentário à publicação. "O mundo não vai girar em torno de nós", escreveu outra pessoa.
A reportagem de A Gazeta procurou especialistas em direito do consumidor e direito criminal para entender a gravidade do ato: gravar, constranger e publicar o vídeo. Nas redes sociais, surgiram alguns questionamentos. Por exemplo: houve crime? A passageira pode processar a mulher? Onde e como buscar ajuda em casos como este?
Na avaliação da advogada e professora especialista em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) Fernanda Modolo, a gravação e publicação do vídeo correspondem a uma exposição indevida da imagem da passageira. Em conversa com a reportagem, a advogada ressaltou que não havia autorização ou relação (como amizade) entre as duas pessoas para que a cena fosse registrada.
Conforme explicado pela especialista, a passageira Jennifer Castro tinha o direito de estar naquele assento e não havia, por exemplo, sentado no lugar reservado à criança. Por este motivo e considerando o constrangimento, a recomendação de Fernanda Modolo é que pessoas que passem por situações semelhantes procurem um advogado. O indivíduo escolhido para a defesa deve ajuizar uma ação contra a pessoa suspeita - neste caso, seria a mulher que gravou o vídeo.
Ainda segundo a advogada, alguns pontos costumam ser avaliados antes de uma decisão. Por exemplo:
A Justiça Estadual é a instância responsável por avaliar o caso.
Perguntada sobre a possibilidade de a empresa aérea também ser processada, Fernanda Modolo pontuou que o vídeo não mostra como a cena terminou. Não há informações se a mulher foi retirada do local após o tumulto, por exemplo. De forma geral, a advogada afirma que a empresa é obrigada a garantir a segurança dos passageiros: segurança física e segurança do ambiente.
"Se há uma instabilidade emocional, há uma insegurança. E a empresa tem o direito de retirar a pessoa do voo. Se a mulher está causando transtorno ao coletivo, a empresa deve intervir", disse Fernanda Modolo.
Em nota enviada ao Fantástico, a companhia aérea Gol disse que a tripulação do voo não foi acionada, nem identificou qualquer intercorrência que pudesse trazer riscos à segurança operacional. A companhia ressaltou que trocas de assento são feitas apenas em casos específicos, que envolvam as saídas de emergência ou questões de segurança operacional.
A Gazeta apurou que, além de indenização por dano moral, há possibilidade de prisão. Isso porque, segundo a advogada especialista em direito penal e professora Magali Gláucia, há indícios de difamação e até injúria. Apesar de haver possibilidade, a especialista explica que prisão em regime fechado não é comum em casos assim. Penas alternativas, como multa, costumam ser aplicadas.
Magali Gláucia é enfática ao classificar que houve crime dentro do avião. É preciso considerar, no entanto, o que foi dito à passageira e como o constrangimento aconteceu, inclusive com as cenas que não foram registradas no vídeo.
Magali Gláucia afirma que, em processos como este, há necessidade de contratação de um advogado ou auxílio de um defensor público, porque são considerados crime de ação penal privada. Há o prazo de seis meses para que a passageira procure um advogado e ajuíze uma ação. O período de seis meses é classificado como "decadência" do caso.
Caso a mulher seja condenada, o Código Penal Brasileiro prevê prisão. Se a difamação for comprovada, pode chegar a 1 ano de prisão. No caso de injúria, até seis meses de prisão. "Em casos como este, não acontece prisão. Para haver o pagamento de dano moral, é preciso que o advogado escolhido peça no processo, de forma expressa", afirmou.
A Gazeta perguntou à advogada a impressão sobre a cena, se deve haver ou não condenação da autora do vídeo: "Considerando o vídeo, as provas são robustas para uma condenação", disse em entrevista.
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