Elas não resistem às mãozinhas gorduchas, ao cheirinho típico do bebês ou até ao chute na barriga. Seus filhos nasceram ou estão prestes a vir ao mundo em meio a pandemia decretada pela OMS (Organização Mundia de Saúde), que na próxima segunda completa dois meses. As mães da quarentena vivenciam as agruras e as alegrias da maternidade sem o apoio dos parentes e amigos, sem visitas, sem poder mostrar as transformações de seus filhos.
Mas nem mesmo o cenário de isolamento social, as tentativas de adaptar a nova realidade, enquanto tentam entender como vai ser a vida após o novo coronavírus, tiram delas a esperança de um futuro melhor, com mais segurança, saúde, educação, mais justo, solidário e com mais oportunidades.
Sete delas nos contaram o que sonham para seus filhos. Embora com realidades financeiras, bairros, idades e profissões diferentes, elas têm em comum o desejo de que seus bebês se transformem em adultos batalhadores, com objetivos, que não desistam de seus sonhos, que ajudem e estejam presentes na vida do outro, e que sejam felizes. Confira abaixo os relatos destas mães:
No dia 11 de abril, um mês após a decretação da pandemia, a tatuadora Kessy Borges, de 41 anos, ganhou seu maior presente: a pequena Martina, sua primeira filha. Fruto de uma gravidez muito aguardada e que foi atravessada por uma pandemia, levando muita preocupação para a sua família. A bebê ainda não conhece os tios e os avós, que só tiveram a oportunidade de acenar para ela da varanda do prédio, momento marcado por muita emoção e lágrimas.
Minha gestação foi muito tranquila. Eu me preparei para as mudanças que ela traria para o meu corpo e mente. Mas aos sete meses fui surpreendida com as notícias sobre o novo coronavírus, trazendo dúvidas se seria possível fazer o parto humanizado e tudo o que havia preparado. Nem tudo o que planejei foi permitido, mas a minha filha veio ao mundo com saúde. Minha mãe, Adenir Borges, 62 anos, a Nega Borges, já estava isolada comigo em casa um mês antes do parto e tem me ajudado. Os desafios são diários. Mas não tenho o apoio e a presença das minhas irmãs, dos meus amigos. Sinto falta das visitas, da alegria de compartilhar as transformações da minha filha. Minhas irmãs e irmão vieram para uma visita. Ficaram do lado de fora do prédio, E só a viram de longe, da varanda. Foi uma choradeira e só de falar já me emociono. Meu sogro sonhava com a neta e agora não pode conhecê-la. Mas tenho esperanças no futuro. Como o Papa Francisco disse, as crianças que nascem neste período trazem esperança. Estamos vivendo um período de reflexão, de aprendizado e vamos sair fortalecidos. Espero que minha filha nunca deixe de buscar a verdade interior, o caminho do amor, da positividade. Quero que ela cuide do corpo, do coração e da mente. Se fizer isto, tudo mais será possível.
A pequena Yfis Vitória é uma verdadeira surpresa. Sua mãe, Juscileia Matheus de Messias, de 42 anos, só descobriu a gravidez, de alto risco, aos cinco meses de gestação. No último dia 2 ela veio ao mundo para mudar a rotina dos irmãos gêmeos de 23 anos, e trazer esperança para a família de Itararé, em Vitória, que enfrenta as agruras da pandemia com uma dificuldade a mais: todos estão desempregados.
Com gêmeos de 23 anos eu não esperava ficar grávida novamente. Mas precisei fazer um tratamento e a medicação interferiu no anticoncepcional. Ela chegou de surpresa, mas é a alegria da casa. Foi uma gestação difícil, de alto risco, com vários problemas de saúde, mas ainda assim Yfis Vitória nasceu no último dia 2, com saúde. É a nossa bonequinha. Sou muito grata a comunidade, aos amigos que nos ajudaram com roupas, fraldas, banheira para a bebê. Em plena pandemia meu filho, que trabalhava com entregas, foi dispensado. Agora estamos todos desempregados. A gente vai levando a vida, sem desanimar. Por enquanto conseguimos pagar as contas deste mês, mas as próximas e o aluguel, ainda não sabemos. Mas espero que o mundo melhore após esta pandemia, com mais oportunidades para todos, mais empregos. Ela ainda é pequena, veio em um momento difícil para criar um filho, mas desejo que ela seja uma guerreira, que batalhe por seus objetivos, tenha força para enfrentar as adversidades, que tenha fé e esperança, e nunca desista de seus sonhos.
Na semana em que o isolamento começou a ser posto em prática no Espírito Santo, nasceu a filha da jornalista Liandra Zanette. A pandemia do novo coronavírus mudou por completo todo o planejamento que havia feito para o seu parto. Não poderia contar com os amigos e a família, que descobririam com eles, na hora do parto, o sexo do bebê. O nome foi escolhido lá no hospital, Alice. Em meio ao caos, ela nos deu um sentido para viver, resume a mãe.
O final da minha gestação foi marcado por dois sentimentos: primeiro a frustração por não ter como executar tudo o que havia planejado para este momento tão especial, que seria partilhado com as pessoas mais importantes, nossos familiares, e que não estariam e nem poderiam estar com ela depois que nascesse. O segundo sentimento era o medo de sair de casa, de ir para um ambiente hospitalar, sem saber o que poderia acontecer. Situações simples e corriqueiras haviam se transformado em um verdadeiro problema. No dia 26 de março ela chegou saudável e tivemos a oportunidade, só eu e meu marido, de ficarmos com ela, juntos, fortalecendo a nossa família. Em casa, nossas mães nos aguardavam. Tinham passado por um período de quarentena para vivenciarem conosco os primeiros dias da neta. Foi emocionante o encontro delas com a Alice. Os demais familiares só a viram de longe, sem poder pegar, abraçar. Eles a acompanham por um grupo de whatsapp que criamos com nossos familiares. O primeiro mesversário de Alice foi apenas com a nossa pequena família, sem os parentes. Não há visitas. É muito difícil esta distância. Mas ela trouxe um novo sentido para o nosso amor. Em meio ao caos, ela nos deu um sentido para viver. E neste mundo que está descobrindo a importância de se humanizar, da solidariedade, da empatia, desejo que ela cresça valorizando estes sentimentos. E que ela possa viver em um momento diferente, onde haja amor, respeito e menos julgamento.
O bebê de Tuania Oliveira de Souza, de 37 anos, deve chegar no início do próximo mês. Mãe de outros cinco filhos e de dois netos, ela vivencia as dificuldades de uma gestação marcada por muito sofrimento. No final de março o seu filho mais velho, de 23 anos, foi assassinado. Morreu por uma conta de água, desabafa, em lágrimas. Sem dinheiro para comprar o enxoval, ela vive de doações de cestas básicas. Aguarda a chegada de Arthur alimentando a esperança de que as mudanças tornem um mundo o local mais justo. Sem tanta dor, desabafa.
Eu trabalhava na casa de uma família, mas fui tendo vários problemas de saúde e acabei demitida. Estou vivendo do auxílio do governo e da ajuda das cestas básicas. Tem sido uma gravidez difícil. Não consigo superar a dor de perder meu filho mais velho (lágrimas) Falava com ele todos os dias. Hoje, quando vejo meu neto de 3 anos e a netinha de 8 meses, filhos dele, meu coração fica apertado de saudades. Tinha 23 anos e morreu por uma briga boba, por uma conta de luz. O assassino fugiu. Ainda não consegui comprar nada para o bebê, as lojas estão fechadas. Mas ganhei algumas roupinhas. Tenho medo de ir a um hospital, por causa da pandemia. Por outro lado, cuidei tanto da saúde do meu filho mais velho e ele acabou morto. Vivemos em um mundo que precisa mudar. As pessoas precisam mudar, aprender a amar, a não tirar a vida do outro, a não fazer outros sofrerem. Espero que meu bebê, Arthur, possa estudar, ser alguém na vida, ser feliz.
A doula e nem a irmã pode ajudar no parto de Karin Brandão Bruce. Restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Raul chegou no dia 31 de março, quando os casos da doença começavam a se alastrar pelo Estado. As preocupações finalizaram uma gravidez tranquila, que a permitiu realizar o sonho de ter um parto humanizado. Mas apesar de todas as dificuldades, a mãe torce por um mundo mais humano para seu filho.
O primeiro impacto foi chegarmos ao hospital de máscaras, assustados, com medo do que poderia acontecer. Minha irmã tinha feito até um curso para, com a doula, participar do parto, mas isto não foi permitido. Mas consegui fazer o parto humanizado e o nosso Raul chegou saudável e tranquilo. Nossa família não pode participar deste momento e só viram nosso filho de longe, com máscaras. Uma visita doída, chorosa, emocionante. Cuidar de um bebê não é fácil, mas a pandemia tornou tudo mais difícil. Temos ficando em casa e minha sogra faz comida e deixa em nossa porta. A minha sorte tem sido esta rede de apoio de familiares e o meu marido estar em casa, em home office. Não estou muito otimista, mas temos que ter esperança na humanidade, de que ela tenha mais empatia. É o que espero para meu filho, que ele tenha a capacidade de se colocar no lugar do outro, que tenha compaixão, que seja uma pessoa boa.
Com o apoio da mãe, a psicóloga Lucení Bezerra, vem cuidando do seu mais novo pimpolho, Alexandre. Ele nasceu no dia 5 de abril e já é o xodó do irmão Heitor, de 3 anos. A mãe relata que a pandemia traz insegurança e uma solidão materna maior, uma vez que no momento de compartilhar emoções, não há ninguém. Ela tinha programado de levar o filho mais velho ao hospital para conhecer o irmãozinho, para ter um momento especial dos pais com os filhos. Mas nada disto pode acontecer.
Planejava um parto normal, mas não houve dilatação e foi feita uma cesárea. Já estávamos em isolamento e fiquei muito preocupado com meu esposo, que é médico, D não poder estar lá, de não podermos receber visitas. Mas tudo deu certo e Alexandre veio saudável. Mas a pandemia traz uma insegurança e uma solidão materna maior, uma vez que no momento de compartilhar emoções, não há ninguém. Tínhamos programado de levar o nosso filho mais velho ao hospital para conhecer o irmãozinho, para ter um momento especial dos pais com os filhos. Mas nada disto pode acontecer. Minha mãe, Rita Bezerra, mora comigo, mas vai comemorar o seu dia sem poder ver os outros filhos. Meu marido usa máscara para pegar nosso filho. Tem mantido o menor contato possível para evitar contaminação. O que entristece é a falta de empatia das pessoas, o desrespeito com o isolamento social. Ignoram o quanto isto pode prejudicar outras pessoas. Mas espero que meus filhos cresçam e cultivem a compreensão, o respeito e o amor entre eles e com as outras pessoas.
Grazielly Rezende Rolim, 22 anos, aguarda a chegada de seu bebê para o início de agosto. Aos seis meses de gestação, ajuda a família a carregar brita e areia que vão ser utilizadas na montagem da estrutura que permitirá a ampliação de sua casa. A pequena Íris será a irmãzinha de Heitor, de 4 anos, companheiro da mãe em todas as ocasiões. Não tenho com quem deixá-lo ,mas enfrento dificuldades até para fazer compra. Por causa da pandemia, não deixam crianças entrarem nem no supermercado, relata a moradora de Resistência, na Grande São Pedro, em Vitória.
Estou com quase seis meses de gestação e preocupada com este novo vírus. A gente não sabe o que pode acontecer. E se for contaminada, o que acontece com o bebê? Como ele será afetado? Ninguém tem a resposta e é assustador. Mas estou bem, ajudando a carregar brita e areia para construir a estrutura da casa. Depois vamos bater a laje. (Conta em meio a risos) Com um filho de 4 anos, não tenho como ficar muito isolada. Meu marido trabalha e quem resolve tudo sou eu. E com a pandemia as dificuldades são maiores. Não tem creche e não tenho com quem deixá-lo, mas enfrento dificuldades até para fazer compra. Por causa da pandemia, não deixam crianças entrarem nem no supermercado, por exemplo. É difícil. Mas estou feliz que vai nascer uma menina, Íris. Não sabemos como será o futuro, mas quero que ela estude, que seja firme e lute por um mundo melhor.
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