De olho na imunização no Espírito Santo, o Tribunal de Contas (TCES) identificou onze irregularidades (veja lista no final desta reportagem) nos registros de vacinação contra a Covid-19. O órgão, em uma nova etapa do processo de fiscalização sobre a imunização, encontrou uma série de inconsistências: em 62% das segundas doses aplicadas no Estado, os registros indicam que o prazo de aplicação ultrapassou o máximo estabelecido na bula do imunizante. Também há registros de pessoas vacinadas com idade inferior à faixa etária do grupo prioritário.
Nesta etapa da fiscalização, a equipe do TCES analisou dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) sobre os registros de doses de vacina aplicadas até o dia 8 de junho deste ano, considerando que, no Estado, a vacinação se iniciou no dia 18 de janeiro. O objetivo era verificar o desempenho do processo de vacinação, para entender se os registros estavam completos e respeitando as normas do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19.
Os dados colhidos identificam as pessoas vacinadas, suas informações pessoais, a vacina e a dose aplicadas, o local e a data onde a aplicação ocorreu e muitas outras informações que servem como indicadores do processo de imunização. Considerando a quantidade de doses da vacina analisadas no relatório, e o respectivo custo pelo qual foi vendida por cada fabricante, o volume de recursos fiscalizado neste relatório é de aproximadamente R$ 65 milhões, segundo o TCES.
Diante dos resultados obtidos, o tribunal aprovou nesta terça-feira (13), por unanimidade, o envio de quatro recomendações à Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) e oito recomendações às secretarias municipais de Saúde dos 78 municípios capixabas para a adoção de medidas. Além disso, foi aprovada a autorização para encaminhamento ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) de cópias dos registros nominais identificados na fiscalização.
De acordo com informações do TCES, o Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde (Caops) do MPES receberá os dados sobre os registros de vacinados com menos de 60 anos que foram vacinados como idosos, ou como residentes de Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), e nomes de vacinados com registros repetidos.
Também segundo o tribunal, as irregularidades encontradas podem ter sido causadas por erros nos registros de vacinação, assim como aplicações indevidas, por culpa do cidadão ou do profissional responsável. O TCES recomendou que as prefeituras apurem as irregularidades, tentem regularizar a vacinação dos cidadãos que podem ter sido imunizados incorretamente e promovam uma busca ativa, com prioridade às pessoas que não receberam a 2ª dose.
Diante das inconsistências, o TCES recomendou à Sesa que sejam reforçadas a capacitação dos responsáveis nos municípios pelo registro da vacinação e as campanhas de orientação para a população sobre os prazos para recebimento da 2ª dose da vacina, bem como que a pasta emita orientação aos municípios para que evitem estabelecer prazo para a segunda dose no limite máximo indicado na bula.
Além disso, foi solicitado que a secretaria articule junto ao Conass uma solicitação ao Ministério da Saúde para que que seja aprimorada a funcionalidade de alteração de registros de vacinação salvos com erro, com o objetivo de corrigi-los, impedindo também a inserção de registros duplicados.
Aos municípios o Tribunal sugeriu que regularizem a vacinação dos cidadãos que possam ter sido prejudicados na imunização por terem recebido apenas uma dose da vacina, pela aplicação de doses de vacinas de fabricantes diferentes, pelo registro incorreto da vacina aplicada, ou pela aplicação de doses de vacinas vencidas; além de que seja feito o acompanhamento dos cidadãos que possam ter sido prejudicados e que seja criada força-tarefa para revisar os registros com problemas e realizar a correção deles.
Em nota, o Ministério Público informou que ainda não recebeu oficialmente o relatório do TCES referente à fiscalização da vacinação contra a Covid-19. Informou também que os promotores de Justiça têm cobrado, fiscalizado e acompanhado a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19. Confira na íntegra:
"Em paralelo, o Ministério Público Estadual analisa e apura os casos suspeitos de irregularidades na vacinação, dentre os quais, os chamados “fura-filas”, apresentação de laudos/declarações/documentos falsos, bem como os casos envolvendo vacinadores que fraudam a aplicação das doses e pessoas que estão se vacinando com mais de 2 doses.
Se constatadas fraudes à ordem de prioridades ou quaisquer outras irregularidades, serão adotadas medidas civis, incluindo ações por improbidade administrativa, e criminais, para buscar a punição dos responsáveis pelas violações. Até o momento, o MPES recebeu 391 denúncias de irregularidades, sendo: 232 da Região Metropolitana; 87 do Sul do Estado; e 72 da Região Norte/Central.
O MPES conta com o apoio da sociedade para que também denuncie casos de irregularidades, utilizando os meios disponíveis, até de forma anônima: telefone 127; e-mail: [email protected]; app: MPES Cidadão; ou ainda nas Promotorias de Justiça das cidades capixabas".
Também demandada sobre o assunto, a Sesa esclareceu que os apontamentos de dados estão em análise no relatório da Secont e que o resultado será divulgado em breve.
Em 62% das 2ª doses aplicadas, os registros indicam que o prazo de aplicação ultrapassou o máximo estabelecido na bula do imunizante. Isso ocorreu em 278.367 casos, entre as aplicações de 2ª dose, tanto com a Coronavac, quanto com a AstraZeneca. Houve municípios que o atraso foi superior a 75%. No caso da Coronavac, o prazo máximo estabelecido para a segunda dose foi ultrapassado, em média, em 13 dias. Para cerca de 300 cidadãos, esse atraso chegou a ser de mais de 2 meses. No caso da AstraZeneca, o prazo foi ultrapassado, em média, em 6 dias. Para cerca de 300 indivíduos, esse atraso chegou a ser de mais de 1 mês.
Cerca de 8,7% das pessoas vacinadas com a 1ª dose, ou seja, 100.607 pessoas, não receberam a 2ª dose do imunizante, mesmo com o prazo máximo entre as doses já ultrapassado. A proporção de doses pendentes não é uniforme entre os municípios. Em alguns casos, gira em torno de 3%, como Divino de São Lourenço, Iconha e Vitória. Em outros, essa proporção é maior, estando em torno de 30%, como em Colatina, Conceição do Castelo e Mimoso do Sul.
Há 8.400 registros de aplicação de 1ª dose para pessoas vacinadas como idosas tendo menos de 60 anos. Há pessoas de todas as idades, entre 18 e 59 anos. Além desses, observou-se que outras 16.453 pessoas foram vacinadas em grupos prioritários de faixas etárias das quais não tinham idade para pertencer. Nos dados enviados pela Sesa, existem 186 pessoas com idade menor de 18 anos. Em 33 casos essas supostas crianças ou adolescentes receberam também a 2ª dose. Conforme a área técnica, uma causa possível para a situação encontrada é o erro no registro. Outra é a burla à fila de prioridade da vacinação, tanto por ação intencional quanto por falta de atenção do cidadão e/ou falta de conferência do seu documento por parte do vacinador.
Há quatro vezes mais vacinados como pessoas de 60 anos ou mais institucionalizadas em relação ao número de residentes em casas de repouso no Espírito Santo. A população de pessoas com 60 anos ou mais residentes em Instituições de Longa Permanência de Idosos (ILPI) é de 2.095 cidadãos. Este grupo foi um dos primeiros a ser vacinado, em janeiro. A partir dos dados enviados pela Sesa, constatou-se 10.154 registros de pessoas que teriam recebido pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19 como sendo dessa categoria. Há registros até mesmo de 525 pessoas com menos de 60 anos classificadas como como residentes de casas de repouso.
De todos os registros de 2ª dose de vacinas no Espírito Santo, que foram 451.644 aplicadas, 2,36% são registros sem 1ª dose correspondente. A situação ocorreu em todos os municípios capixabas. Em 17 cidades, a taxa de registros é maior do que a taxa estadual. De acordo com a área técnica, a principal causa provável para a situação encontrada é o erro no registro da vacinação.
Há 1.384 registros em que a 2ª dose da vacina aplicada foi de uma fabricante diferente da 1ª dose. A maior prevalência foi de 1ª dose da AstraZeneca e 2ª dose da Coronavac. Conforme a bula das vacinas Coronavac, AstraZeneca e Pfizer, devem ser aplicadas duas doses do mesmo imunizante para garantir a eficácia observada nos testes clínicos.
Há 573 registros em que a 2ª dose foi aplicada em prazo inferior ao estabelecido na bula do imunizante. Para a vacina da Coronavac, o prazo é de 14 dias, para a AstraZeneca é de 28 dias, e para a Pfizer é de 21 dias. O problema foi identificado principalmente na aplicação da Coronavac.
Há, segundo o TCES, 1.239 registros de aplicação de 2ª dose da vacina em data igual ou anterior à data de aplicação da 1ª dose. Isso representa 0,27% do total de 451.644 registros de 2ª dose. Todos os municípios apresentaram taxas inferiores a 2% em relação a essa situação, exceto Divino São Lourenço, com 2,2%.
Há 8.532 registros de vacinação em que se repete o mesmo identificador do vacinado e dose aplicada (1ª ou 2ª). Com o registro dessa forma, uma mesma pessoa poderia tomar mais de uma vez a 1ª ou a 2ª dose do imunizante. Foram identificados registros repetidos em todos os municípios capixabas. Houve registros duplicados, triplicados e até septuplicados.
Há registro de aplicação de 70 doses da vacina da Janssen no Espírito Santo antes de sua aprovação para uso no Brasil, ou seja, antes de 27 de abril de 2021. Os registros tiveram data de aplicação entre os dias 02 a 24 de março de 2021, em Colatina.
Há 159 registros de aplicação de doses de vacinas de lotes com validade vencida. A validade da vacina da AstraZeneca é de 6 meses a partir da data de fabricação, e a bula da fabricante dispõe que não se deve utilizar o imunizante com o prazo de validade vencido. A partir da divulgação da informação de possível aplicação de doses vencidas, em nível nacional, pelo jornal Folha de São Paulo, diversas entidades vieram a público esclarecer os fatos, contestar a informação ou apresentar possíveis causas para o problema. As prefeituras onde supostamente o problema teria ocorrido negaram que doses tenham sido aplicadas fora da validade. Além disso, afirmaram que houve erros no registro da vacinação e que a correção dos registros seria providenciada.
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