Uma descoberta fez com que médicos do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, percebessem que o agravamento de infecção pelo novo coronavírus pode estar relacionada à formação de microcoágulos nos vasos sanguíneos. À frente do estudo, pioneiro no Brasil, está uma médica brasileira, a pneumologista Elnara Negri, que iniciou junto a alguns colegas de forma experimental o uso de anticoagulante para o tratamento de pacientes infectados com a Covid-19.
Em entrevista para A Gazeta, Elnara gravou um vídeo explicando como e quando tudo começou. "Foi no dia 23 de março quando vimos a primeira senhora com coronavírus. Ela teve uma queda abrupta na oxigenação. Isso nos levou a pensar que estava acontecendo um fenômeno trombócito, provavelmente por obstrução vascular", explicou. A primeira paciente apresentava trombose no dedo e, a partir daí, começaram o tratamento com anticoagulantes. Foi quando perceberam uma recuperação rápida e melhor oxigenação pulmonar.
Daquele dia até 24 de abril, Elnara e sua equipe trataram 27 pacientes. Destes, 25 apresentaram bons resultados e tiveram alta e apenas dois continuam internados. "Todos já tiveram alta e foram para casa ou estão caminhando para isso. Isso animou muito a gente, começamos a fazer intervenção clínica que já é feita na UTI e deu resultado. Continuamos com isso. Devo muito aos colegas da UTI que foram parceiros nessa história", agradeceu a pneumologista.
No vídeo, Elnara tira algumas dúvidas sobre o estudo, e deixa claro que o uso do coagulante (heparina) não deve ser ministrado sem prescrição médica de forma alguma, e que há contraindicações. "É contraindicado em pacientes com risco de sangramento. Lesões tumorais com potencial sangrante, com lesões cerebrais, AVC recente, algum tumor... Cirurgia recente, ainda em cicatrização. Esses não podem usar", completou.
O anticoagulante também não leva a cura da doença, apenas auxilia no tratamento para os pacientes com casos avançados. "A cura vai passar com um antiviral potente. Estamos tratando as consequências da doença. Isso é para os pacientes que têm a doença mais complicada com a formação dos micro-trombos, com oxigenação baixa. Isso não é a cura, é um tratamento das complicações que o vírus traz quando entra no organismo. O bom mesmo vai ser quando tiver a vacina", disse a pesquisadora.
Elnara explica que o estudo do uso de anticoagulantes para pacientes com caso avançado de coronavírus é pioneiro no Brasil, mas que alguns colegas médicos de Nova Iorque, nos Estados Unidos, receberam uma aula sobre o assunto e estão fazendo um protocolo idêntico, com as mesmas doses. "Estamos pedindo para nos citar, mas somos pioneiros", garantiu Elnara.
O trabalho foi enviado para uma revista, que retornou o contato com algumas perguntas. Enquanto não foi publicado, o estudo foi disponibilizado em um site de ciência, regulamentado, como um trabalho ainda não publicado oficialmente, mas disponível para o estudo da comunidade científica.
A médica explica que a heparina não é cara e tem no SUS. "Dez seringas devem custar uns R$ 200. É um tratamento que tem no SUS e no particular, abrange grande número de pessoas. Mas não é para todo mundo, não é para tomar por conta própria. Existem anticoagulantes de uso oral. Esses não servem. Não protege. O que protege é a heparina e os seus derivados. Tratamos apenas os pacientes que estão com casos de hipercoagulabilidade. Se uma pessoa toma anticoagulante por conta própria, pode morrer sangrando", finalizou.
Elnara reforçou dizendo que o remédio não deve ser utilizado de forma alguma por automedicação, sem a orientação e prescrição de um médico. "O uso da heparina não tem nenhuma relação com a prevenção. De 10 a 15% dos pacientes com o coronavírus vão evoluir para a hipercoagulabilidade. "Outros coronavírus que já passaram pelo mundo também causam hipercoagulabilidade. Nesse vírus, o problema é matemático. Todos vão pegar. A maioria vai ter quadro leve. 15% vai ter caso mais grave. Por isso o isolamento foi importante. Essa pandemia me enganou muito, pensei que seria parecida com a H1N1", completou a pneumologista.
A reportagem de A Gazeta questionou o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) na última segunda-feira (27) sobre o uso de anticoagulantes no tratamento de pacientes com casos avançados de coronavírus. De acordo com o Dr. Celso Murad, presidente da entidade, o uso de anticoagulantes já foi estudado em outras viroses, como a H1N1.
"Existem determinados tipos de agentes infecciosos, principalmente vírus, que têm tendencia de provocar uma coisa que chamamos de tromboembolismo. Os vírus que tem atração grande pelo sistema respiratório fazem isso no pulmão. Isso tem efeito danoso nas células pulmonares. Isso aparece em outros vírus também, H1N1 também", disse.
Questionado se os médicos do Espírito Santo têm indicação para o uso do medicamento, ele rebateu. "Na realidade, todo esse tratamento que está sendo feito é experimental, penso que cada médico decide. Não podemos monitorar. É liberado para fazer a prescrição, o tratamento. Fazer um esquema com cloroquina, azitromicina e anticoagulante também tem dado resultados positivos", pontuou Murad.
A reportagem de A Gazeta também acionou a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) do Espírito Santo, solicitando uma entrevista com o secretário de Estado de Saúde, Nésio Fernandes, ou com o subsecretário de Vigilância em Saúde, Luiz Carlos Reblin. A assessoria não respondeu ou sinalizou retorno.
* Esta matéria contou com a colaboração da jornalista Isabella Arruda
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