Depois de ser internada para realizar o aborto no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), em Vitória, e ter o procedimento negado pela equipe, a menina de 10 anos, vítima de estupro, embarcou na manhã deste domingo (16) para Recife, em Pernambuco. A gestação é resultado de constantes abusos que, segundo a criança informou à polícia, eram praticados pelo seu tio desde quando ela tinha 6 anos.
Moradora de São Mateus, no Norte do Estado, a criança viajou acompanhada de um familiar e de uma assistente social, com a ordem para interromper a gravidez do juiz Antônio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude do município.
Mesmo com a autorização judicial, a equipe médica do Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivis), no Hucam, se recusou a realizar o procedimento neste sábado (15). Num ofício, os médicos justificaram sua recusa informando que "a idade gestacional não está amparada pela legislação vigente" que permite o aborto no país. De acordo com o documento obtido por A Gazeta, a menina está com 22 semanas e quatro dias de gestação.
Na decisão do juiz, porém, ele trata da idade gestacional e se baseia na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em 2005 pelo Ministério da Saúde, para autorizar a interrupção da gestação. Segundo o magistrado, o documento "assegura que até mesmo gestações mais avançadas podem ser interrompidas, do ponto de vista jurídico, aduzindo o texto que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal".
Fontes ligadas ao caso informaram que a criança foi transferida para Pernambuco porque, naquele Estado, há "protocolo instituído para devida avaliação e cumprimento da decisão judicial, uma vez que o Hucam não tem protocolo para interromper gestação com mais de 22 semanas".
Na sua decisão, o juiz Antônio Moreira determinou que "seja realizada a imediata análise médica quanto ao procedimento de melhor viabilidade para a preservação da vida da criança, seja pelo aborto, seja pela interrupção da gestação por meio do parto imediato".
A autorização judicial foi concedida após um pedido do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES). O promotor Fagner Cristian Andrade Rodrigues defendeu o aborto como um direito da criança, inclusive para que ela possa se recuperar dos danos psicológicos causados pelo estupro.
"A idade gestacional da protegida encontra-se no limite metodológico dos diferentes tipos e riscos de abortamento enquanto ato médico. Esse fato é relevante e precisa ser verificado pelos profissionais que irão realizar o procedimento, porém, segundo a literatura, não é impeditivo para a interrupção da gravidez, exceto se, no caso concreto, constituir risco de vida para a mãe. Entretanto, é de se considerar que se o risco para a vida da mãe é óbice para a interrupção no estado em que se encontra, o que se dirá ao fim de nove meses de gestação? Apesar dos riscos relacionados ao aborto aumentarem com a idade gestacional, o risco de morte entre abortos acima de 21 semanas de gravidez é bastante incomum, ou seja, o aborto, mesmo nas idades gestacionais mais avançadas, é marcadamente mais seguro do que o parto."
Ao tratar sobre a interrupção da gravidez, o juiz Antônio Moreira ainda destacou o desejo da criança de não manter a gestação, concluindo que "a vontade da criança é soberana, ainda que se trate de incapaz".
A condição da menina ganhou repercussão, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou informações ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) sobre as providências adotadas pelo Judiciário na condução do caso. Em um prazo de até 30 dias, a Corregedoria do Judiciário capixaba deverá prestar os esclarecimentos requisitados.
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