Um estudo desenvolvido por uma pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para analisar as formas sutis de racismo e seus impactos no desenvolvimento profissional de pessoas negras identificou uma série de microagressões, durante o trabalho, vivenciadas rotineiramente por essa parcela da população.
A pesquisa “Racismo e suas ‘sutilezas’: uma análise integrada dos impactos e influências no desenvolvimento profissional e de carreira de pessoas negras brasileiras” — desenvolvida durante o curso de mestrado pela psicóloga e pesquisadora Juliana Nunes, com incentivo da Fundação de Apoio à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes) e orientação de Alexsandro de Andrade — aponta que o racismo se manifesta de formas diversas, nem sempre em um contexto abertamente violento.
“Quando se fala de racismo, a gente costuma ver, de forma rotineira, pessoas sendo chamadas de ‘preto’, ‘macaco’. Mas as microagressões são aquelas mais sutis, como dizer: ‘Você é uma negra tão inteligente’, ‘Você tem um cabelo tão bonito, não é para cima’. São coisas mascaradas, assim como acontece quando uma pessoa negra tenta se manifestar e tem seu ponto de vista quase que automaticamente ignorado. Quando você vai numa loja e não é bem atendido. Ou quando a pessoa negra vai procurar uma vaga de emprego, mas já começa a ser desconsiderada de imediato.”
A pesquisadora destaca que muitos casos passam despercebidos por uma parcela da população, justamente porque essas microagressões são sutis. Ainda assim, acabam contribuindo para a perpetuação de desigualdades sociais.
A pesquisadora considera que o estudo ainda é limitado, uma vez que, apesar dos esforços para obter uma amostra diversa, as respostas que embasaram a pesquisa foram enviadas, principalmente, por moradores da Região Sudeste e com maior nível de escolaridade, o que impede a afirmação de representatividade em termos de diversidade socioeconômica no país.
“Ainda assim, é importante destacar que o estudo tem uma abordagem quantitativa, com uma amostra de pessoas grande, e a gente consegue fazer outras associações. Quando a gente fala de uma pessoa só, isso é deixado de lado. Mas aqui são várias pessoas dizendo, relatando o que está acontecendo com elas.”
O plano é ampliar o estudo, fazendo investigações mais abrangentes e, em um segundo momento, realizar algum tipo de intervenção para auxiliar essas vítimas de microagressões.
Nas ruas de Vitória, uma breve pesquisa reforça o estudo de Juliana. Pessoas negras de variadas profissões relatam situações cotidianas em que vivenciaram episódios de racismo.
“Uma vez [em horário de trabalho], fui entrar em um lugar e pediram minha identificação. Acho que foi pela minha cor, pelo meu jeito. Senti um preconceito. Acabei não entrando. Foi um sentimento ruim porque, geralmente, nós, negros, somos muito discriminados”, conta a faxineira Rosilene Felicio.
“A gente sente, porque a cor da gente diz muita coisa. Acho que cresci com esse tipo de racismo. Há uns anos, a gente só via o Pelé e uma jornalista preta passando na televisão. Então, sentia que meus filhos não teriam oportunidades”, complementa Rosilene, fazendo referência à jornalista Glória Maria, falecida em 2023.
A situação de ser barrado durante uma atividade de trabalho também foi relatada por outro entrevistado, que preferiu não se identificar.
“Eu estava trabalhando e a pessoa não me deixou entrar na casa dela por conta da minha cor. Fiquei constrangido. A gente sai cedo para trabalhar e, quando isso acontece, acaba ficando triste, até pensando em desistir da profissão e ‘caçar’ outra coisa para fazer”, desabafa o profissional, que atua no ramo de construção civil.
A dançarina Andreza dos Santos conta que sofreu microagressões racistas quando trabalhava em ambientes corporativos. Ela afirma que, além de apelidos pejorativos, por conta da cor de sua pele, era tachada como um objeto sexual.
Além das posturas preconceituosas mascaradas com as microagressões, há também relatos de quem viveu momentos de racismo escancarado. Há 33 anos trabalhando como vendedor de cocadas no Centro de Vitória, o empreendedor Antônio Nascimento, conhecido como "Baiano da Cocada" relata agressões constantes em seu próprio negócio, onde ouviu falas racistas e chegou a ser barrado de eventos nos quais pretendia trabalhar.
“Já vi gente chegar em mim e falar: ‘Não compro cocada na sua mão, porque você é preto’. Não tive resposta para dar e deixei para lá. Já deixei de trabalhar em alguns eventos nos quais botaram gente clara e eu não consegui entrar”, cita.
Apesar das situações constrangedoras, o trabalhador conta que não desanima e reforça o orgulho de sua cor. “Pode falar o que for de mim. Sou negro mesmo e pronto. Acabou. O mesmo sangue que corre na veia do negro, corre na veia do branco”, aponta Antônio.
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