Em um dos julgamentos mais longos da história da Justiça capixaba, que durou oito dias, seis pessoas foram condenadas como responsáveis pelo assassinato da médica Milena Gottardi, em setembro de 2017. O júri decidiu na noite desta segunda-feira (30), que o ex-policial civil e ex-marido da médica, Hilário Frasson, foi o principal mandante do crime.
Hilário foi condenado por homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual, as mesmas condenações de Esperidião Frasson, ex-sogro de Milena. Confira quem são os condenados, por quais crimes e saiba quais são as penas de cada um:
- Hilário Frasson (ex-marido de Milena e mandante do crime): soma das penas era de 42 anos, mas foi fixada na pena máxima permitida no Brasil, de 30 anos de reclusão - Condenado por homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual.
- Esperidião Frasson (ex-sogro de Milena e mandante do crime): soma das penas era de 34 anos e oito meses de reclusão, mas foi fixada na pena máxima permitida no Brasil, de 30 anos de reclusão - Condenado por homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual.
- Dionathas Alves Vieira (executor do crime): 18 anos e 8 meses de reclusão - Condenado por homicídio qualificado e fraude processual, com reconhecimento da causa especial de redução de pena por colaboração com a Justiça.
- Valcir da Silva Dias (intermediou a negociação entre mandantes e executor): 26 anos e 10 meses de reclusão - Condenado por homicídio qualificado e fraude processual.
- Hermenegildo Palauro Filho (intermediou a negociação entre mandantes e executor): 26 anos e 10 meses de reclusão - Condenado por homicídio qualificado e fraude processual.
- Bruno Broetto (deu apoio, fornecendo a moto usada no dia do crime): 10 anos e 5 meses de reclusão - Condenado por homicídio simples, com reconhecimento de menor participação no crime.
Todos vão cumprir a pena em regime fechado e não poderão recorrer em liberdade. Os seis condenados, além da prisão, terão que indenizar, juntos, a família de Milena Gottardi em R$ 700 mil. A sentença foi lida pelo juiz Marcos Pereira Sanchez.
No caso de Dionathas, que ouviu a leitura da sentença de pé, o juiz levou em consideração que ele confessou o crime e colaborou com a Justiça apontando os demais envolvidos. Por isso, a decisão também determina que ele seja transferido para a Penitenciária de Segurança Máxima 2, em Viana, para cumprir a pena com segurança.
Já no caso de Hilário, ele também foi condenado a perda do cargo de policial e a perda do poder familiar. Ele ouviu toda a leitura sentença de cabeça em pé e queixo para cima.
O julgamento teve início no último dia 23. O último dia de júri, iniciado às 9h da manhã desta segunda-feira (30), no Fórum Criminal de Vitória, foi concluído quase às 22h com a leitura da sentença. Os jurados se reuniram por cerca de quatro horas para decidir o destino dos réus.
Milena foi baleada na cabeça no estacionamento do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), onde trabalhava, e teve a sua morte declarada no dia seguinte, deixando duas filhas, que na época tinham um ano e dez meses e nove anos.
De acordo com o Ministério Público Estadual (MPES), o motivo do crime foi porque Hilário não aceitava a separação, o que o fez "nutrir um sentimento de ódio contra a médica".
RELEMBRE O CRIME
A médica oncologista pediátrica Milena Gottardi foi baleada no estacionamento do Hospital das Clínicas (Hucam), em Vitória, na noite de 14 de setembro de 2017, em uma suposta tentativa de assalto. Milena foi socorrida em estado gravíssimo e, após passar quase um dia internada, teve a morte cerebral confirmada às 16h50 de 15 de setembro.
As investigações da Polícia Civil descartaram, já nos primeiros dias, o que aparentava ser um assalto seguido de morte da médica (latrocínio). Naquele momento as suspeitas já eram de um homicídio, com participação de familiares.
Ao liberar o corpo de Milena no Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, Hilário teve a arma e o celular apreendidos pela polícia. Ele não foi ao velório e enterro, que aconteceram em Fundão, onde Milena nasceu.
Os dois primeiros suspeitos foram presos, no dia 16 de setembro de 2017: Dionathas Alves Vieira, que confessou ter atirado contra a médica para receber R$ 2 mil; e Bruno Rodrigues Broeto, acusado de roubar a moto usada no crime. O veículo foi apreendido em um sítio, onde foram queimadas as roupas do executor.
Em 21 de setembro de 2017, o sogro de Milena, Esperidião Carlos Frasson, foi preso, suspeito de ser o mandante do crime. Também foi detido o lavrador Valcir da Silva Dias, suspeito de ser o intermediário. Na mesma data, o ex-marido Hilário Frasson foi preso.
O último a ser detido foi Hermenegildo Palauro Filho, o Judinho, em 25 de setembro de 2017, apontado como intermediário. Ele tinha fugido para o interior de Aimorés, em Minas Gerais.
CASO MILENA: PRINCIPAIS MOMENTOS DO JULGAMENTO
Ato por justiça
Na segunda-feira, primeiro dia de julgamento, familiares e amigos se reuniram em frente ao Fórum Criminal de Vitória. Com camisas que lembram da pediatra e cartazes cobrando por justiça, eles ficaram em frente ao local onde os acusados vão entrar.
Mãe de Milena recusou contato com réus
A mãe de Milena Gottardi, Zilca Gottardi, pediu para deixar o salão do júri nas ocasiões em que os réus estivessem presentes. Ainda na segunda-feira (23), ela afirmou que sentiu uma "energia boa" ao olhar para os jurados que participam do julgamento, mas que "não teve coragem" de olhar para as pessoas que são acusadas de planejar a morte de sua filha.
Amiga disse que alertou Milena para o risco de morte
Aline Fraga, amiga de Milena, foi a primeira testemunha do julgamento a ser ouvida na segunda-feira (23). Ela trabalhava com a vítima em duas unidades hospitalares. Grávida de 38 semanas, Aline relatou, em seu depoimento, que chegou a avisar a médica sobre o risco que estava correndo. “Quando ela me relatou que tinha escrito uma carta, e o que nela constava, alertei a Milena de que aquilo era uma ameaça e que ela corria o risco de ser morta”.
Ela relatou ainda que Hilário, em várias ocasiões, foi ao Hucam, que a médica desconfiava que estava sendo seguida e que ele a monitorava até pelo celular. “Ela parou de enviar mensagens, só falava pessoalmente".
Ela tinha todas as senhas dela, disse a segunda depoente
A segunda testemunha a depor no julgamento foi a médica nefrologista Lívia Maria Araújo Maia, amiga de Milena. Ela relatou que a médica morreu no dia em que assinaria o divórcio. "Ela levou o tiro no dia 14 de setembro. E assinaria o divórcio no dia 15, dia em que ela teve a morte declarada".
Lívia relatou ainda que Milena sabia que estava sendo seguida e monitorada pelo telefone e por aplicativos, e se sentia insegura em relação ao comportamento do ex-marido.
"Ele monitorava as conversas de Milena no WhatsApp. Quando ele viu que ela conversou com um advogado, ele disse que ia tomar a guarda das meninas. Foi a primeira vez que Milena viu ele agir com mais agressividade. Milena chorava muito por medo de perder as filhas", contou a testemunha. Lívia afirmou que Hilário tinha todas as senhas de Milena, como códigos de banco, celular e redes sociais.
Depoimento tenso de coordenadora da escola
A terceira testemunha foi Fernanda Coutinho Lopes Raposa, chamada pela acusação. Ela é coordenadora da escola onde as filhas de Milena estudavam. Em um depoimento tenso, cheio de questionamentos dos advogados, a testemunha contou que o ex-marido da médica, no dia do crime, foi mais cedo que o habitual para buscar as meninas no colégio.
Ela relatou que as crianças saíam da escola por volta das 19 horas normalmente, uma vez que a mais velha tinha atividades extracurriculares. No dia 14 de setembro de 2017, data do crime, Hilário apareceu no local às 17 horas, sem que tivesse qualquer sinalização da família informando sobre a saída antecipada. Até aquela data, nunca tinha sido registrada uma tentativa semelhante. Ele ficou esperando no local visivelmente tenso.
Caso Milena Gottardi: réus chegam ao julgamento
Amiga de Milena relatou ter sido assediada por Hilário
No último depoimento do primeiro dia, uma amiga de Milena relatou ter sido assediada por Hilário Frasson. Ela contou que o ex-policial havia tirado fotos suas na rua e colocado em um grupo de aplicativo de mensagem.
Além disso, mandava recados, elogiando a sua aparência. Chorando muito, ela falou ainda que tem medo de Hilário, que já foi ameaçada por ele, e só aceitou prestar depoimento em consideração às filhas de Milena.
Testemunha presenciou crime
A médica que estava com Milena na hora do crime, Maria Isabel Lima dos Santos, falou na terça-feira (24). Ela relatou como foi o momento em que Milena foi assassinada. Ela relatou que eram 19h e elas saiam do trabalho. Maria Isabel perguntou onde Milena tinha deixado o carro estacionado e se ofereceu para ir junto, acompanhando, porque era um local escuro.
"No estacionamento mais amplo, Milena viu o rapaz na ponta, a uma certa distância, em pé, e perguntou: 'não acha estranho aquele rapaz em pé?'. Eu não estranhei, mas disse que se ela achava estranho, nós íamos observar. Fiquei com ela andando, na esquina, andando, e ficamos paradas. Observei o rapaz olhando o celular e aparentemente não tinha nada que demonstrasse medo (ameaça)", relatou.
Maria Isabel disse que ficou cerca de 15 minutos observando e falou para Milena que não tinha perigo, que poderia ser um funcionário do Hucam ou namorado de alguém. As duas foram para o carro, mas segundo a testemunha, em vez de fazer um caminho reto, fizeram uma curva. Milena abriu o porta-malas, colocou a bolsa dentro e, quando fechou, Dionathas chegou por trás.
"Ele falou: é um assalto! Nós viramos para trás e ele falou: passa o celular e a chave do carro". A testemunha disse que não tinha celular, mas Milena esticou a mão e entregou o celular e a chave do carro. "Milena, na hora, ficou olhando para mim, e a sensação era de que ela estava com medo e de que sabia que aconteceria alguma coisa".
Maria Isabel conta que ouviu três disparos e então Dionathas — executor confesso — subiu na moto, acelerou, passou do lado dela e desceu a ladeira para o portão.
"Olhei para o meu pé, ela estava esticada nos meus pés, no início pensei que ela estivesse deitada para se proteger. Eu sacudi o braço dela dizendo: Milena, pode se levantar, mas ela não se mexeu. Comecei a gritar pedindo ajuda, não apareceu ninguém. Fui para a rua e comecei a gritar por socorro na frente do Hucam."
Ligações apontaram elo entre réus, disse investigador
O investigador Igor de Oliveira Carneiro, que participou da apuração do crime, falou das interceptações telefônicas feitas de janeiro a setembro de 2017. Por meio delas a polícia constatou os contatos e vínculos entre os acusados.
O investigador relatou que Hilário Frasson ligou para a médica antes do crime. Ele fez uma ligação para Milena e, na sequência, para o pai, Espiridião Frasson. Em seguida, Espiridião ligou para Valcir da Silva Dias, apontado como intermediador do crime, que já estava no Hucam. Na sequência, Milena foi assassinada. Foi essa interceptação que deu início à investigação e norteou a participação dos réus no crime.
O crime aconteceu no dia 14 de setembro, uma quinta-feira, e Milena teve a morte declarada no dia 15, sexta. A testemunha relatou também que no sábado, dia 16, Hilário fez vários acessos a sites pornográficos e se encontrou com uma garota de programa. "Nos surpreendeu que Hilário faz acesso à pornografia e se encontra com uma garota de programa. Nos passou a ideia de uma falta de sentimento em relação à morte da médica", pontuou o investigador.
Advogada de Milena: médica tinha medo de histórico da família de Hilário
A advogada Ana Paula Protzner Morbeck, que atuava no divórcio de Milena, relatou que quando foi procurada pela médica, Milena chorava muito, com medo de perder a guarda das filhas. “Nós acalmamos Milena e marcamos um horário no dia seguinte".
A advogada relatou que Milena tinha medo de Hilário, que a ameaçava, dizia que ela não teria o divórcio, e que ele se recusava a sair de casa. "Nós falamos que poderíamos conseguir uma decisão judicial com liminar para ela poder sair de casa. Milena concordou". E acrescentou: "Ela disse que faria um documento em cartório para caso acontecesse algo com ela, para que a família ficasse com as filhas".
Ana Paula explicou que o processo de divórcio entre o casal foi marcado por tensão, e que Milena ficou muito triste de saber que teria que dividir a herança do pai com Hilário, que é meeiro de todo o patrimônio dela. Ela achava que a comunhão de bens tinha sido só para comprar o apartamento do casal na Praia do Canto, em Vitória, e não imaginava que isso fosse atingir seu patrimônio. Com a morte de Milena, Hilário passou a ter metade de tudo o que ela tinha e não perde nada nem se for condenado.
A advogada conto que Hilário propôs um acordo e foi marcada uma reunião, em que insistiu para que Milena não se divorciasse. A médica teria respondido que daria tempo para que ele se acostumasse com a ideia, mas não para que a reconquistasse, e disse que o relacionamento estava acabado. "Ele estava muito nervoso, mas a Milena estava calma, como sempre. Saí de lá (reunião) com este acordo para protocolar. A gente pedia por 90 dias para concretizar o divórcio".
No dia 14 de setembro de 2017, véspera da data em que os papéis de separação seriam assinados, a advogada recebeu a notícia de que Milena havia sido baleada. No dia seguinte ao crime, Shintia Gottardi, prima de Milena, entrou em contato com Ana Paula. A advogada explicou que havia um documento deixado pela médica, e, após procura, a carta foi encontrada.
"Marcamos às 7h em meu escritório. Eles (familiares) me pediram para ler, porque não tinham lido ainda, e todo mundo chorou junto. Aquele momento foi de muita emoção, ela dizer que temia pela vida dela, que queria que as filhas ficassem com o irmão... A carta tinha mais informações sobre a relação dos dois do que ela conseguiu verbalizar em meu escritório. Entendi que ela se sentia ameaçada."
A advogada apontou, entretanto, que Milena havia verbalizado anteriormente que sentia medo e que havia um histórico de violência na família de Hilário, e que uma cunhada que queria se divorciar foi morta. "Ela temia que o mesmo acontecesse com ela. Disse que o pai do Hilário e um tio que teriam matado a cunhada. Milena contava que toda vez que fazia algo que ele não concordava, ele regia com agressividade". O mesmo comportamento já estaria sendo adotado com a filha mais velha do casal, que, na época, tinha nove anos.
Hilário criou grupo de WhatsApp para convencer Milena a não deixá-lo, contou prima
A prima de Milena, Shintia Gottardi, contou que um grupo em um aplicativo de mensagens foi criado pelo ex-policial civil Hilário Frasson. O objetivo era reconquistar a médica, que já havia pedido o divórcio. O ex-policial deu ao grupo o nome de “Em nome do amor” e adicionou vários amigos dele e de Milena, além de alguns familiares.
“No grupo ele pediu para os participantes o ajudarem a reconquistar a Milena. Informava que já tinha enviado flores para Milena. Ele também mandava mensagens dizendo que queria a esposa de volta”, contou Shintia, explicando ainda que muitos amigos saíram do grupo e outros falavam para Hilário esquecer Milena e aceitar a separação.
Hilário pesquisou conteúdos pornográficos com os nomes "esposa" e "loirinha"
O delegado Janderson Lube, que presidiu o inquérito que apurou a morte da médica, afirmou, na quarta-feira (25), que chamou sua atenção o fato de que Hilário Frasson acessou conteúdos pornográficos em seu celular no mesmo dia em que foi ao Departamento Médico Legal (DML) reconhecer o corpo de Milena. "A esposa tinha morrido 48 horas antes. Chama a atenção da pesquisa pelos conteúdos, sempre com a palavra 'esposa' e 'loirinha'", relatou o delegado.
Além de buscar por conteúdos pornográficos com as palavras, o delegado relatou que Hilário buscou por outros conteúdos problemáticos. "Chama a atenção nestes acessos um link escrito 'peladinha com o papai', além do conteúdo com 'esposa', no dia 16 e no dia 21, prisão do pai".
Também foi constatado que ele fez contato com uma garota de programa “seis ou sete dias” depois do crime, de acordo com o delegado.
Delegado diz que Hilário odiava Milena e gera discussão
Ao falar sobre o comportamento de Hilário, o delegado afirmou que ele não amava Milena, e sim odiava. "Ele passou por um processo de desvalorização da Milena, ele dizia que a amava, mas passou a desvalorizá-la. Como você ama uma pessoa, ela morre, e você acessa conteúdo pornográfico? Acho que já não nutria sentimentos pela Milena a não ser o ódio".
À declaração, se seguiram discussões jurídicas entre os advogados e os promotores, que interromperam os depoimentos do delegado. O testemunho só foi retomado depois que todos fizeram seus comentários.
Hilário ligou para Milena antes de crime e informou localização da médica aos comparsas
Lube relatou que o ex-policial Hilário Frasson ligou para a ex-esposa minutos antes do crime e, ao encerrar a ligação, telefonou para o pai, Esperidião Frasson, para que ele avisasse ao atirador que Milena estava saindo do hospital. Segundo o delegado, as interceptações telefônicas permitiram entender a dinâmica da rede organizada para matar Milena.
Após ser avisado pelo filho que a nora estava deixando o hospital, Esperidião ligou para Valcir da Silva Dias, apontado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) como intermediário entre os mandantes do crime e o homem responsável por atirar em Milena.
Valcir estava no local do crime, o estacionamento do Hucam, em Vitória, em um carro junto com outro intermediário, Hermenegildo Palauro Filho, conhecido como "Judinho". Lá, eles teriam avisado ao atirador, Dionathas Alves Vieira, que Milena estava de saída do local de trabalho.
O delegado também constatou que o contato de Valcir no celular de Hilário havia sido apagado um dia antes do crime. Foi só por conta disso, segundo ele, que Hilário não ligou direto para o comparsa e, sim, para o pai, a fim de que ele avisasse os demais réus, que estavam no estacionamento do hospital.
Hilário tentou obter ajuda de juízes
O delegado relatou ainda que Hilário enviou alertas a juízes em uma tentativa de obter ajuda dos magistrados. Lube, que presidiu as investigações da morte de Milena, contou que na época em que apurava o crime não tinha dado a devida atenção para estas tentativas de obter ajuda junto aos magistrados. Mas que isto mudou após a realização da Operação Alma Viva, realizada pelo Ministério Público do Espírito Santo, que investiga uma suposta venda de sentenças judiciais.
“Na época dos fatos eu não tinha visto, não tinha me atentado para isto, mas permaneci com os extratos das gravações das interceptações telefônicas realizadas no processo. E a partir da realização da Operação Alma Viva, eu voltei a consultar este material e vi, que realmente, há uma tentativa de Hilário de tentar influenciar, mandando alertas para alguns juízes, como foi o caso de mensagens para os juízes Farina e Julio Cesar”, relata o delegado. Esta situação ocorre em abril de 2017, logo após a Milena Gottardi ter ingressado na Justiça para obter uma liminar que a permitiria sair de casa com as filhas. O delegado não detalhou o nome completo dos juízes cujos nomes aparecem nas gravações.
Existiam dois Hilários, segundo irmão da médica
Em seu depoimento, o irmão da Milena, Douglas Gottardi, afirmou, na quinta-feira (26), que existiam dos Hilários: um fora de casa, que brincava, era expansivo, com todo mundo na rua; e outro dentro de casa, que era mal-humorado e agressivo. Segundo Douglas, Hilário tratava bem os amigos influentes, como delegados e juízes.
Ele relata ainda que, segundo a mãe dele e de Milena, quando Hilário chegava em casa parecia chegar também uma nuvem de tempestade, com as crianças mudando e com ele sendo agressivo com todos.
Relatou ainda que Hilário era um pai cuidadoso com as duas filhas, mas "sempre muito rígido e bruto com a filha mais velha. Qualquer coisa que ela derrubava no chão, ele logo pegava o chinelo para bater. Era sempre muito bruto com as crianças. A forma dele corrigir a filha mais velha era muito excessiva, ao meu ver".
Hilário já teve que fugir do pai, que ameaçava matar a mãe
Douglas Gottardi, irmão de Milena, contou que Hilário disse a ele que quando morava com os pais teve que passar algumas noites "no mato", junto com a mãe para se esconder do pai, Esperidião.
Segundo ele, Hilário dizia que quando o pai chegava bêbado em casa, queria matar a mãe. "Ele dizia que ficava no mato com a mãe até a cachaça do pai passar".
Familiares de Milena foram orientados a se esconder até Hilário ser preso
Douglas Gottardi estava na Espanha quando Milena foi morta e voltou para o Brasil assim que soube do crime. Ele afirmou que após o enterro, um amigo que atuava na Polícia Civil o avisou que Hilário não demoraria a ser preso e o aconselhou que ele fosse para um lugar que ninguém pudesse encontrar.
Ele temia que familiares de Milena pudessem ser mortos. Douglas contou que foi para Santa Teresa, na casa de um militar aposentado, junto com a mãe de Milena e as duas crianças. Lá, eles ficaram durante alguns dias, até que Hilário e Esperidião fosse preso.
Douglas afirma que suposto e-mail enviado por Milena a Hilário é falso
Douglas teve acesso durante o julgamento ao email que teria sido enviado por Milena Gottardi para Hilário no dia em que ela saiu de casa, no dia 5 de abril de 2017. O e-mail foi apresentado pela defesa de Hilário e anexado ao processo poucos dias antes do início do julgamento.
A mensagem foi enviada por volta das 4h da manhã. Segundo Douglas, Milena estava com ele neste dia, dormindo no mesmo cômodo e que em nenhum momento pegou o notebook ou o celular. "A casa estava toda bagunçada com a mudança e sequer tinha internet. Não foi ela que mandou esse email. Como uma pessoa que diz ter nojo da outra, que estava aliviada por ter saído de casa, ia enviar um email dizendo que "ainda te amo". O sobrenome dela no email estava escrito da forma errada. Não foi ela que enviou".
Desembargador depõe como testemunha de defesa de Hilário
Na sexta-feira, o júri começou ouvindo o desembargador aposentado Arnaldo Santos Souza, por videoconferência. Foi a primeira vez que uma testemunha foi ouvida de forma remota no tribunal de júri do Fórum Criminal de Vitória. Quinta e última testemunha de defesa de Hilário Frasson, ele disse que o ex-marido de Milena era tratado como um familiar.
Ele relatou que o ex-marido da vítima era cordial com os colegas do Tribunal e com o próprio desembargador, e que chegou a conhecer Milena e sua filha mais velha em uma confraternização em seu gabinete. “De vez em quando, Milena ia no gabinete com a filhinha. A primeira filha, a mais velha, via ele tendo muito cuidado com ela", afirmou.
Em outro momento disse que em sua percepção “havia amor entre o casal”. Questionado pelos advogados da defesa de Hilário, o desembargador aposentado afirmou não ter conhecimento de que Hilário Frasson tinha porte de arma de fogo desde 2002. A informação de que Hilário gostava de ostentar armas foi apresentado pelas testemunhas de acusação.
Executor confesso, Dionathas detalha dia do crime e contato com réus
Um galho foi usado para sinalizar para o atirador qual era o carro da médica, contou o próprio executor confesso, Dionathas Alves Vieira, durante interrogatório na sexta-feira. Ele declarou que não conhecia a vítima e que os intermediadores relataram como ela era.
O executor afirmou ao Júri que, na noite do crime, o carro da médica foi marcado na vaga em que ela estacionou no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam) por Hermenegildo Palauro Filho, o Judinho, que estava no local com Valcir da Silva Dias.
"Quando larguei do serviço umas 18h (do dia 14 de setembro de 2017), montei na moto e fui para o hospital. Na entrada do hospital, na primeira casa do lado direito, o carro estava estacionado, eu reconheci o carro, eles (Valcir e Judinho) baixaram o vidro, encostei a moto e entrei no carro", afirmou Dionathas aos jurados.
Ele continuou: "Perguntaram se eu estava tranquilo, mas falei que estava com sede, queria água. O Valcir falou que ia comprar. Logo após o Judinho, que estava no carona, entregou a arma que estava em uma meia, disse que a arma estava municiada e que era para eu ficar tranquilo, e foram conversando comigo".
"Eles me orientaram, falaram onde eu tinha que colocar a moto e me falaram que pegariam um galho no mato e iam deixar no lugar onde o carro da médica estava parado. Me falaram como ela era, que era branca, loira e estaria de salto alto e um jaleco branco", disse.
O atirador informou ainda que foi Judinho que saiu do carro e marcou qual era o veículo de Milena. Após isso, segundo ele, não demorou muito para Milena chegar. "Veio duas mulheres, uma estava me olhando. Ela passou, só escutei que o carro ligou o alarme e fez 'plim plim'. Eu desci. Eles tinham me orientando para dizer que era um assalto, pegar o telefone dela, e depois jogar fora. Ela estava focada no porta-malas, não sei se colocando uma bolsa. Anunciei o assalto. Na hora fiquei cego, tirei (a arma) da cintura e logo após foi efetuado o disparo, foi uma ou duas vezes", contou.
Dionathas ainda relatou que o crime foi antecipado a pedido de Hilário, que não suportava mais olhar para Milena, segundo ele. O executor também afirmou que tinha medo de ser morto pelos comparsas em uma queima de arquivo.
Hilário nega participação no crime
O ex-policial civil Hilário Frasson, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Milena Gottardi ao lado do pai, Esperidião Frasson, foi interrogado neste sábado (28) por quase cinco horas no sexto dia do julgamento dos seis réus pelo crime. Ele negou qualquer participação na trama que levou à morte de Milena e afirmou que jamais mandaria matar a ex-companheira.
O ex-marido de Milena afirmou que ligou para a médica no dia do crime para tentar reatar o relacionamento. Isso teria acontecido, segundo ele, na manhã do dia 14 de setembro de 2017, data em que Milena foi baleada na saída do Hospital Universitário (Hucam) no início da noite.
Hilário ainda admitiu que, conforme apontou a investigação Polícia Civil, entrou em contato com uma garota de programa poucos dias após a morte de Milena. Segundo Hilário, isso aconteceu em um momento de fraqueza e que ele estava desnorteado. Ele afirmou, porém, que não concretizou o ato.
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