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Grupos de moradores de Guarapari não querem condomínio de luxo na Guaibura

Grupos de moradores de Guarapari não querem condomínio de luxo na Guaibura

Comunidade é contra empreendimento que está sendo projetado para uma península na região; movimento aponta ameaças ao meio ambiente

Publicado em 25 de agosto de 2023 às 08:52

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
Espécies Ameaçadas em Guaibura: sabia sobre jacquinia
Espécies ameaçadas em Guaibura: Sabiá-da-praia pousa sobre vegetação da região. (Willian Vailant)

Moradores da região da Enseada Azul, em Guarapari, são contra a construção de um condomínio de luxo que foi anunciado para a área da península de Guaibura, que fica entre a praia de Guaibura e a de Peracanga, uma das regiões mais famosas do município.

Para a Associação de Moradores da Enseada Azul (Ameazul), representantes da liderança comunitária da Guaibura e a ONG ambiental Gaya Religare, o empreendimento com unidades a partir de R$ 2,6 milhões anunciado na semana passada será construído em uma área com animais e espécies da flora ameaçadas de extinção, além de ter região de manguezal.

Diante da ameaça à natureza apontada pelos moradores, a comunidade está se mobilizando para tentar evitar que o empreendimento seja construído no local. Uma audiência pública já foi realizada no final do ano passado para discutir a licença para o empreendimento e agora em agosto, mês de anúncio do empreendimento, a comunidade voltou a se unir e fez uma série de cartas-denúncia para diversos órgãos de controle em defesa do patrimônio cultural natural Morro da Guaibura.

A comunidade procurou órgãos como Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema), Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semag), Instituto de Defesa Agropecuária Florestal (Idaf), Ministério Público Estadual (MPES) e Ministério Público Federal (MPF-ES), com pedidos protocolados neste mês de agosto.

Um dos últimos movimentos contra o empreendimento foi feito nesta quinta (24), quando a Amezul protocolou na Prefeitura de Guarapari um requerimento de cassação da licença municipal prévia emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Segundo a comunidade, a motivação para o pedido é a comprovação documental do não cumprimento de condicionantes ambientais determinadas na Licença Prévia referenciada.

Por sua vez, o empreendimento Manami afirma que o o projeto está em total regularidade com as exigências do poder público municipal, estadual e federal, com os laudos e licenciamentos devidamente aprovados (confira nota completa no fim da reportagem).

Comunidade tradicional

Thais de Almeida é liderança comunitária de Guaibura e questiona a criação da edificação na região, considerada território da Vila Guaibura, onde habita uma população tradicional caiçara de remanescência indígena, que preserva a área e mantém um usufruto coletivo há gerações.

“O morro é onde pescamos, coletamos mariscos, frutas, conchas e sementes para produção de artesanatos. O Estudo de Impacto de Vizinhança apresentado pelo empreendimento junto à prefeitura não considera a nossa existência, os nossos hábitos, a nossa cultura, o nosso modo de viver e omite a existência do nosso mangue. Mascara, inclusive, o tipo de vegetação que existe ali”, denuncia.

Thais conta que Guaibura só se chama assim porque foi ocupada de forma pacífica pelos guaiburenses, povo que está nas terras desde a década de 1930.

“Se nós não moramos lá em cima é porque sabemos que lá não é lugar de morar. O morro é nosso e é sagrado, é nossa conexão com Deus e com a natureza. Estamos há quase 100 anos fixos num lugar que nem Anchieta entrou, e não será esse condomínio que o fará. É uma afronta à cultura e à população local, que repudia a implantação de qualquer construção no Morro de Guaibura, pois afeta diretamente nosso aspecto cultural e modo de vida”, destaca.

Impactos para o bairro

Sérvulo Clermont, presidente da Ameazul, destacou que a licença prévia cedida pela prefeitura de Guarapari se baseia em uma laudo do Idaf que está suspenso, por solicitação da associação. Diante disso, contestam o anúncio das vendas do empreendimento.

Ele conta que o Plano Diretor Municipal (PDM), que antes protegia a área, foi alterado em 2016 e a transformou em zona de uso turístico. E teme que um empreendimento como o condomínio possa levar o bairro a ter ainda mais desafios.

“O bairro já sofre com falta de rede de esgoto. Falta fiscalização no verão, falta praça com espaço para crianças, cães, esportes. No verão ninguém respeita a lei contra perturbação à ordem, ambulantes descredenciados andam livremente nas praias, falta educação. Estamos investindo muito na linha de educar através de sinalização e mantendo os acesso às praias com nossos próprios recursos. O trabalho de reflorestamento da restinga também está a desejar, problemas com erosão na praia já nos preocupa também”, detalha Sérvulo. 

Aspas de citação

Um dos maiores desafios do bairro é ter a rede de esgoto ligada em todo bairro, controlar a especulação imobiliária em harmonia com o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida que buscamos

Sérvulo Clermont
presidente da Amezul
Aspas de citação

A comunidade cita, ainda, que a área chegou a ter tombamento do Conselho Estadual de Cultura garantindo que o morro é um patrimônio cultural e paisagístico. Questionada sobre o assunto, a Secretaria Estadual de Cultura (Secult) afirma que a região está na área de abrangência da Resolução CEC nº 03/1991 - Tombamento da Mata Atlântica e seus Ecossistemas Associados no Estado do Espírito Santo. O órgão informa, porém, que não analisou a demanda porque “é preciso chegar a proposta para aprovação do CEC, o que ainda não aconteceu."

A ONG Gaya Religare organizou a série de cartas-denúncia enviadas aos órgãos contestando o empreendimento. Willian Vailant, documentarista e integrante da ONG, conta que foram identificadas várias espécies ameaçadas de extinção, que teriam sido ignoradas pelo estudo realizado pelo empreendimento, bem como teria sido ocultada a presença de manguezal na área.

"O estudo identifica macega no lugar de restinga e não considera a função da restinga estabilizadora do mangue. Toda a restinga em volta do morro controla o abastecimento hídrico e a troca de sais que acontece nas raízes do mangue", detalha. 

Willian falou ainda que o relatório não prevê o impacto do sombreamento. Segundo ele, o estudo apontou que os prédios vão fazer sombra na restinga e que inclusive teria um edifício em cima do manguezal e outro em cima da restinga.

O que moradores questionam 

Presença de espécies ameaçadas de extinção:

  • Jacuguaçu
  • Sabiá-da-praia
  • Pimenteira-da-praia

Presença de restinga e manguezal:

  • A comunidade identificou um manguezal raro, que cresce em cima do costão rochoso e depende o ano inteiro do manancial de água doce do morro para se desenvolver.
  • No local se refugiam e se reproduzem, como aves migratórias, a espécie ameaçada Cardisoma guanhumi (guaiamum) e o polvo Octopus insularis.

Espécies Ameaçadas em Guaibura: sabia sobre jacquinia(Willian Vailant)

Autorizações

Mesmo diante de questionamentos da comunidade, o empreendimento conta com licença prévia ambiental da Prefeitura de Guarapari. A administração municipal foi questionada se unidades já podem ser vendidas com esse documento, mas não soube responder. 

"A Secretaria de Meio Ambiente e Agricultura (Semag) informa que o empreendimento recebeu a licença prévia ambiental e está em fase das condicionantes da licença. Após cumprir as condicionantes da licença, o empreendimento receberá a licença de instalação, caso ele consiga cumprir todas as condicionantes, que dependem de estudo de outros órgãos fiscalizadores de meio ambiente", afirmou a prefeitura, que acrescentou que o empreendimento não tem direito de edificar/intervir no terreno sem o licenciamento amplo e completo.

Para o empreendimento ter andamento, precisa ainda de autorização de supressão vegetal pelo Idaf, documento que ainda não foi emitido. Segundo o órgão, a concessão para supressão florestal será analisada apenas se for concluído o licenciamento pelo município, portanto o projeto, por enquanto, não tem aprovação do órgão. 

O Idaf chegou a emitir, no passado, um laudo de vistoria florestal, mas o documento foi suspenso neste ano.  Segundo o instituto, a suspensão ocorreu após o empreendedor não apresentar a licença de instalação do empreendimento. "Este laudo não subsidiou a licença prévia, que é de responsabilidade do município", informa o Idaf.

O condomínio

Manami Ocean Living
Empreendimento será erguido na Península de Guaibura, na Nova Guarapari, com área total de 45.532 m. (Divulgação)

O condomínio Manami Ocean Living foi lançado pela incorporadora capixaba Invite na semana passada. A estrutura de luxo tem projeto para será erguida em uma área de 19,7 mil m² na península que separa as praias de Guaibura e Peracanga, em Nova Guarapari. Serão seis blocos (de dois andares), com 72 apartamentos entre 137 m² e 210 m². O VGV (valor geral de vendas) é de R$ 200 milhões — o preço das unidades, de três e quatro quartos, varia entre R$ 2,6 milhões e R$ 4 milhões.

O que diz o empreendimento

O empreendimento Manami, na Península de Guaibura, Guarapari, tem entre os seus pilares o desenvolvimento sustentável, com uma construção que integra e preserva a natureza ao seu redor. Esse é um valor essencial e que acreditamos que deve estar presente também no mercado da construção civil.

Assim, o projeto está em total regularidade com as exigências do poder público municipal, estadual e federal, com os laudos e licenciamentos devidamente aprovados e debate público realizado nos fóruns competentes (audiências públicas), o que atesta a segurança, a sustentabilidade e a confiança no projeto.

Importante destacar que 85% da península não estará ocupada por edifícios. Estamos falando de uma área total de 45.532 m², sendo 19.728 m² de área privada (alodial), onde apenas 6.687 m² é de área de projeção das construções - que representa apenas 15% de toda a península. São 72 unidades divididas em blocos de dois pavimentos, em um conceito de construção integrado e com respeito ao meio ambiente.

No espaço há uma área de 3.386 m² de preservação permanente ambiental, que será mantida e totalmente preservada pelo empreendimento antes, durante e após a construção. Espécies locais identificadas no estudo de fauna e flora também serão protegidas, respeitando todas as exigências ambientais.

Após os pareceres da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura de Guarapari, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Prefeitura Municipal de Guarapari emitiu a Licença Municipal Prévia (LMP 004/2021), o alvará de licença para Pequenas Obras (nº 0134/2023) e a Certidão de Aprovação do Projeto (0090/2023), que ocorreu após aprovação do EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) amplamente discutido nas audiências e debates públicos, resultando em inúmeros benefícios à comunidade local e trazendo melhorias para todo o entorno.

Para o início da construção dos blocos estão sendo providenciadas todas as condicionantes apontadas pela Secretaria de Meio Ambiente, quando será emitida a LMI (Licença Municipal de Instalação), após a análise da documentação. Moradores e turistas continuarão tendo livre acesso às praias, Jogo da Baleia, Praia do Buzo e ao costão rochoso, através de passarelas executadas pelo empreendimento. Está prevista ainda a reurbanização da Rua Lucio Rocha de Almeida, que compreende o trecho da entrada do condomínio até a rotatória existente na orla de Guaibura. O diálogo com todos os setores envolvidos está permanentemente aberto.

Moradores de Guarapari não querem condomínio de luxo na Guaibura

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