Repórter / anunes@redegazeta.com.br
Repórter / jbarbosa@redegazeta.com.br
Publicado em 17 de janeiro de 2025 às 19:53
As chuvas constantes, comuns no verão, são motivo de preocupação para moradores de vários pontos do Espírito Santo, particularmente aqueles que já sofreram com os danos de um temporal. E não poderia ser diferente para quem vive no Morro do Macaco, na região do bairro Tabuazeiro, em Vitória. O local, que há 40 anos registrou deslizamentos de pedras que arrastaram casas e mataram dezenas de pessoas, ainda tem moradores que pressentem os riscos quando avistam nuvens carregadas no céu.
Segundo a Prefeitura de Vitória, dez famílias do Morro do Macaco, que estavam em área classificada como alto risco, foram realocadas com o auxílio de programas sociais. Nos próximos dias, seus imóveis serão demolidos, e o local será incorporado ao Parque da Fonte Grande para que não seja mais ocupado de forma irregular.
> Veja ao final da matéria episódios do documentário sobre os 40 anos da tragédia no Morro do Macaco
O Morro do Macaco ainda conta com pontos de risco divididos em três níveis: médio, alto e muito alto. As informações foram identificadas pela reportagem por meio do sistema Mapenco, do Executivo municipal, que mapeia os locais vulneráveis a deslizamento de rochas. Por meio de imagens de drones, A Gazeta também encontrou rochas soltas em uma parte do morro.
Em nota enviada em dezembro ao jornal, a prefeitura afirmava que "no momento, não há nenhuma área de risco alto ou muito alto no Morro do Macaco, pois três obras de contenção foram executadas pela atual gestão. Acerca das pedras em questão, as mesmas são avaliadas e monitoradas constantemente pela Defesa Civil Municipal."
Após novo questionamento da reportagem, que enviou imagens do Mapenco e as fotos feitas por drone, o Executivo municipal confirmou que os locais de risco alto ou muito alto ainda existem, mas que se encontram desabitados. Relatório elaborado pela Defesa Civil da Capital detalha os locais de vulnerabilidade, conforme consta no mapa abaixo.
“Hoje, não há risco iminente, mas a dinâmica pode mudar e, por segurança, se necessário, podemos realocar famílias, como já fizemos anteriormente. Agora nós planejamos a demolição de imóveis que foram desocupados e que estavam em áreas de risco alto. Além disso, vamos ampliar a área do Parque da Fonte Grande para evitar novas ocupações irregulares”, esclarece o secretário municipal de Obras, Gustavo Perin.
Segundo Gustavo, em alguns pontos do morro, o risco pôde ser diminuído com intervenções de engenharia, como as realizadas nas obras de contenção e na instalação de uma tela metálica (na área vermelha e de risco muito alto do mapa) que evita o rolamento de pedras na direção de casas. Em outros pontos, porém, tais intervenções não são possíveis devido à geografia do local.
Gustavo Perin
Secretário de Obras de VitóriaPor meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento e Habitação de Vitória (Sedec) afirmou que, de 2021 até o momento, 12 famílias foram identificadas em situação de perigo e removidas de áreas classificadas como de alto risco pela Defesa Civil. Essas famílias foram inseridas no Benefício Transitório (BT), medida que, segundo a administração municipal, garante a segurança enquanto aguardam uma solução habitacional definitiva.
"Além disso, no mesmo período, foram efetuados os pagamentos de dois Bônus Moradia, um benefício definitivo que reforça o compromisso da administração com a proteção dessas famílias e a busca por alternativas habitacionais seguras e dignas", afirma a nota da Sedec.
Durante a produção do documentário que conta a história da tragédia do Morro do Macaco, a equipe de A Gazeta visitou o local e ouviu os moradores. Apesar das intervenções realizadas no local, o medo ainda é sentimento constante entre moradores que seguem habitando outras áreas da região.
"Hoje eu ainda tenho cisma dessas pedras que se encontram lá em cima. [Aqui no morro] temos medo", é o que diz o pedreiro aposentado José Gomes da Silva, antigo morador do bairro e um dos responsáveis pelo resgate das vítimas na madrugada da tragédia, em 15 de janeiro de 1985.
O vizinho Genildo Barcelos complementa afirmando que "o medo de quem mora na região permanece, já que, quando o fato acontece uma vez, as pessoas ficam sem saber se [a região] é segura ou não."
O medo não fica só entre os mais antigos. Moradores mais novos e que não foram impactados diretamente pelo deslizamento da pedra em 1985 também compartilham a sensação de insegurança, como a confeiteira Ruthleia Soares, que, na época da tragédia, tinha apenas oito anos.
Ruthleia Soares
Confeiteira, moradora do Morro do MacacoMas há razão para os moradores terem medo? Júlia Effgen, doutora em Geografia e vinculada ao Laboratório de Monitoramento e Modelagem de Sistemas Ambientais (Lamosa) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), tem pesquisas na área de deslizamentos em Vitória e observa que, após um episódio de movimentação de terra como o registrado no Morro do Macaco, não se pode falar em eliminação total de risco.
"Não existe eliminar. O que se pode fazer é diminuir, mitigar, contornar uma situação. Mas, enquanto houver ocupação, o risco existe. Num mundo ideal, não haveria ocupação das encostas", pontua.
Júlia reconhece que a retirada da população dessas áreas é um processo complexo, tanto do ponto de vista de falta de espaços para novas moradias quanto social. Deslocar moradores, ressalta a pesquisadora, implica também em afastá-los daquilo que conhecem, como a escola que as crianças frequentam juntas, a igreja, a praça, isto é, o que identificam como comunidade. É uma ruptura que, muitas vezes, os próprios moradores não estão dispostos a se submeter, apesar dos riscos das áreas em que estão instalados precariamente.
A pesquisadora observa que, nas regiões de Vitória em que a vegetação foi preservada, como áreas do Parque da Fonte Grande, não há ocupação. E criar espaços de proteção ambiental é um caminho, em sua opinião, para evitar a construção de moradias em encostas, bem como absorver melhor o impacto das chuvas.
"A floresta preservada tem um papel importante de quebrar o impacto das gotas de chuva, que perdem a velocidade para infiltrar com calma na terra", frisa.
Agora, para minimizar os riscos daqueles que já vivem nessas condições, a pesquisadora defende uma série de iniciativas, sobretudo uma comunicação mais assertiva do poder público para a comunidade. A população, segundo ela, precisa estar orientada sobre o que observar para identificar risco potencial — árvores e postes inclinados, rachaduras nos imóveis, por exemplo — e como proceder para fugir dessas áreas, em caso de necessidade.
A Secretaria de Obras (Semob) da Capital informa que disponibiliza geólogos e engenheiros que visitam regularmente as áreas identificadas como de risco na cidade e propõem medidas a serem executadas conforme o grau de risco: alto ou muito alto.
A administração municipal acrescenta que há um contrato em vigor que prevê a execução de até 139 obras de contenção de encostas em 57 bairros, com investimentos da ordem de R$ 60,4 milhões. "Este contrato zera o déficit de intervenções necessárias para minimizar o risco geológico em Vitória, apontados por laudos geológico-geotécnicos emitidos pela Defesa Civil Municipal, que capacita voluntários para prevenir desastres de forma constante", aponta.
Para além do Morro do Macaco, a gestão ainda anunciou a assinatura de um contrato para a realização de mais quinze obras em sete bairros da Capital em áreas de risco de deslizamento. São eles: Forte São João, Consolação, Gurigica, Grande Vitória, Bonfim, Conquista e Jesus de Nazareth. A intenção, segundo o Executivo da Capital, é evitar que tragédias similares se repitam ao redor da cidade.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta