“Só me lembro do carro se aproximando da moto, da batida não me lembro porque fiquei inconsciente”. O acidente de Berenice Damasceno, de 46 anos, aconteceu em 12 de outubro quando ela estava em uma motocicleta, solicitada por aplicativo. O caso dela não é isolado. Um dos mais recentes no Espírito Santo aconteceu um mês após a batida com Berenice, mas na Serra, e com um final triste. Uma jovem morreu após se acidentar usando o mesmo serviço. Os dois casos representam a ponta de uma grande discussão: a regulamentação do serviço de motociclistas por aplicativos.
Apesar de funcionar há quatro anos no Brasil e ser preferência entre 6 a cada 10 brasileiros, conforme uma pesquisa da Uber, o deslocamento por moto de app não é regulamentado – regido conjunto das medidas legais que regem um setor. Por isso, no caso do acidente da Berenice, o motorista não teria direito a ser afastado pelo INSS caso precisasse. Já ela não teria direito a cobrar da empresa a quem ele presta serviço, já que não há vinculo empregatício e nem regulamentos.
"Quando chamamos a corrida aparece que temos um seguro, mas até hoje não recebi retorno nenhum da empresa", afirmou Berenice em entrevista à TV Gazeta.
Além disso, não há regras para fiscalização, sinalização do automóvel e nem tempo de experiência mínima. Ou seja, é só tirar a CNH aos 18 anos que é possível ser motorista de moto por aplicativo. Essa é uma das preocupações de especialistas.
Agravando a situação, é cada vez mais frequente o registro de ocorrências de trânsito com acidentes ou irregularidade. Em outubro, uma batida acabou em morte para uma passageira na Serra. Em novembro, um piloto fugiu de uma blitz com uma cliente na garupa, em Vitória. Já neste mês de dezembro, um motociclista se acidentou com uma cliente em Vila Velha.
Por conta destas questões, se discute a necessidade de regulamentar o serviço. A intenção é torná-lo mais seguro tanto para quem usa a moto para se locomover quanto a quem presta serviço.
“A Lei Federal n.º 13.640/2018 diz que (o trabalho de motorista por app) é um transporte remunerado privado individual de passageiro que rege motoristas de carro. Vamos supor, eu abro hoje uma empresa de app de transporte particular de moto, nesse caso as prefeituras não tem como regulamentar já que não tem regramento”, explicou o especialista em trânsito, Josimar Amaral.
A discussão já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A busca dos sindicatos de motoristas de aplicativo, seja de carro ou moto, é conseguir um vínculo empregatício. O objetivo é ter acesso a direitos trabalhistas e também a implementação de regras para quem trabalha com corridas.
Porém, apesar da 1ª instância ter sido favorável aos sindicatos, no STF a decisão foi contrária. "Os municípios não sabem nem o que fiscalizar. A decisão do Supremo desmantelou toda a estrutura normativa de curso capacitação", cita Amaral.
Mesmo com os dados, desde 2020, ano da implantação do serviço, o uso da moto como serviço de deslocamento aumentou. Segundo pesquisa feita pelo Instituto DataFolha, em parceria com a Uber, mais de 20 milhões de brasileiros já usaram o serviço. Sendo hábito para 44% dos brasileiros utilizar motocicletas como meio de transporte.
Os dados reforçam o crescimento do setor não só em terras capixabas, mas no Brasil. Segundo o especialista em trânsito, o impacto maior no crescimento se dá pela questão econômica.
Essa era a situação de Berenice, que pegava uma moto no app para poder chegar mais rápido em casa após sair do trabalho aos sábados. “Agora não pego mais, até porque no hospital fiquei sabendo que só na urgência e emergência onde fiquei (Antigo São Lucas) chega de dois a três acidentados por moto por aplicativo diariamente”, explicou.
O impacto na saúde pública é um dos pontos mais discutidos dentro da regulamentação do serviço. Os dados informados à Berenice são reverberados dentro de centros médicos.
No geral, de acordo com o cirurgião vascular Eliud Duarte Junior, é observado uma demanda muito grande vindo de acidentes envolvendo motociclistas. Além disso, os casos estão mais complexos, ao se comparar com dados de cinco anos atrás.
"Segundo o Ministério da Saúde, houve um aumento em 51% de custos absurdos anuais (envolvendo acidentes com motociclistas). Antes a moto era uma condução de um lugar para outro e agora passa ser um momento de trabalho. Nos preocupamos com fratura e traumatismo craniano encefálico. Hoje encontramos pacientes com esmagamento de membro com amputação traumática”, explicou o médico.
Os danos graves implicam em tratamentos com mais tecnologia. Assim, tornando necessário mais investimento financeiro.
“O que observamos é que pela gravidade do trauma, algumas formas de tratamento, a forma aguda e cirúrgica, já não estavam completando. O que (Hospital) São Lucas traz e somos referência internacional, trazemos tecnológicas e terapia cirúrgica como medicina regenerativa com excerto”, explicou.
Todo esse impacto, para os especialistas de trânsito, poderia ser evitado, novamente, pela regulamentação do serviço. Isso porque, a situação dos acidentes, além de uma educação no trânsito, também é tratada com a implantação de medidas legais para motoristas de aplicativo.
Com as regras, teriam regulamentos desde placas de identificação no veículo até obrigação de cursos pelos condutores das motos.
“Para ser mototáxi tem que ter 21 anos, os carros de aluguel, eles fazem cursos para cadastro. Tudo isso tem que ter também para se conseguir mais segurança. Precisa de blitz para fiscalização desse serviço, mas fica vago sem a regulamentação o que punir. Quem descumpriu o que tá na lei, quem vai punir? Fica algo amplo da lei”, disse o advogado de trânsito Fábio Marçal.
De acordo com Marçal, acaba que os motociclistas, atualmente, são punidos somente pelas Leis de Trânsito. Tudo causado pela irregularidade dentro do trabalho de piloto por aplicativo.
Outra discussão frente a regulamentação é a busca pelo Consolidação das Leis do Trabalho, que vem sendo buscado pelo Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Espírito Santo. Com ela, em caso de acidente, os motociclistas não precisariam custear os próprios remédios, idas ao médico e produtos para os machucados quando acontecem quando ocorrem colisões, situações que ocorrem atualmente, segundo o SindiMotos.
“Tem todos os custos com a saúde quando não tem o benefício do INSS, a família também fica sem o amparo. Então tem todas essas problemáticas que o aplicativo traz e que não tem a segurança da CLT. Quando sofrem acidente ficam eh o curso todo para a sociedade”, informou Jaqueline Werneck, assessoria jurídica do Sindimotos-ES
O sindicato também quer definir a quantidade máxima de horas de trabalho para melhorar a qualidade de vida e saúde. Conforme a assessora, há motociclistas que chegam a mais de 12 horas por dia.
“Causando mais risco ainda porque se você trabalha sobre duas rodas, por exemplo, a pessoa cansada com mais de 14 horas de trabalho, acaba causando mais um risco dele ter um cansaço e não prestar tanta atenção no trânsito”, alertou Jaqueline.
As assessorias da Uber e 99, principais operadoras do serviço no Estado, foram demandadas nesta sexta-feira (20). Em resposta, a Uber solicitou que fosse feito contato com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que informou, por nota enviada as 19h07, que o transporte de passageiros por motocicletas intermediado por plataformas é uma atividade legal.
"Conforme a Lei Federal n° 13.640. Pela legislação, o serviço pode ser feito tanto de carro quanto de moto, pois não é especificado o tipo de modal. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição, por se tratar de atividade legítima, exercida de livre iniciativa e autorizada pela Constituição. O serviço de moto intermediado pelas plataformas traz camadas de segurança adicionais às previstas em lei. Para utilizarem o aplicativo, motociclistas e passageiros têm de ser cadastrados nas plataformas, com seus de dados pessoais e documentos", informou a Amobitec. Veja abaixo a nota completa:
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) esclarece que o transporte de passageiros por motocicletas intermediado por plataformas é uma atividade legal conforme a Lei Federal n° 13.640. Pela legislação, o serviço pode ser feito tanto de carro quanto de moto, pois não é especificado o tipo de modal. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição, por se tratar de atividade legítima, exercida de livre iniciativa e autorizada pela Constituição.
A entidade reforça que o serviço prestado pelas empresas não se enquadra na categoria de mototáxi, uma atividade com os parâmetros definidos pelo poder público. As plataformas conectam motociclistas parceiros que realizam uma atividade privada, por meio de seus próprios veículos, a usuários que desejam se movimentar pelas cidades, conforme os Termos de Uso das companhias.
O serviço de moto intermediado pelas plataformas traz camadas de segurança adicionais às previstas em lei. Para utilizarem o aplicativo, motociclistas e passageiros têm de ser cadastrados nas plataformas, com seus de dados pessoais e documentos. No caso dos condutores, é necessário não ter antecedentes criminais e a habilitação exigida para conduzir moto, entre outras exigências. A Amobitec contesta análises infundadas que atribuem aos aplicativos a responsabilidade por eventuais aumentos de acidentes de trânsito por motos.
Deve-se observar que os 800 mil motociclistas cadastrados no Brasil nas três maiores empresas do setor representam apenas 2,3% da frota nacional de 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatram/2024). Diante do baixo percentual de participação dos motociclistas por aplicativos na frota nacional, é equivocado atribuir a este segmento a causalidade pelo eventual aumento de acidentes de trânsito. Vale ressaltar que 53,8% dos motociclistas no Brasil não têm habilitação, totalizando 17,5 milhões de condutores irregulares no país, segundo a Senatran.
No caso das associadas da Amobitec, 100% dos condutores têm obrigatoriamente a CNH e a documentação regular de seus veículos. As empresas associadas contam com um seguro contra acidentes pessoais durante as viagens para os motociclistas parceiros, que são orientados a seguir as leis de trânsito vigentes, além de receberem conteúdos educativos sobre direção segura. Em caso de alguma ocorrência, profissionais devem reportar o ocorrido para as plataformas. As empresas estão em diálogo constante com o Poder Público, de forma transparente e colaborativa, colocando-se à disposição para contribuir com iniciativas que busquem avanços na segurança para os motociclistas dos aplicativos e usuários.
Sobre a relação existente entre plataformas e motoristas parceiros, a Amobitec defende uma regulamentação das novas formas de trabalho intermediadas por plataformas na esfera legislativa, e segue colaborando para a construção de um modelo regulatório que amplie a proteção social dos profissionais e garanta um ecossistema equilibrado para entregadores, motoristas, usuários, restaurantes e estabelecimentos parceiros e apps.
A Amobitec reitera que a relação entre plataformas tecnológicas e profissionais parceiros cadastrados não caracteriza vínculo de emprego e as decisões do Poder Judiciário brasileiro são majoritárias neste sentido, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, cuja 1ª Turma já decidiu de forma unânime que precedentes vinculantes do STF admitem formas alternativas de contratação no mercado de trabalho.
O contingente de pessoas que atuam com os aplicativos é de cerca de 2,2 milhões no Brasil, de acordo com pesquisa realizada pelo Cebrap. São trabalhadores independentes, que na maioria utilizam as plataformas para gerar renda extra. Segundo a pesquisa, 42% dos motoristas e 46% dos entregadores afirmaram ter outro trabalho concomitante à atuação nos aplicativos.
Esses profissionais têm autonomia e flexibilidade. Escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens/entregas e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens/entregas, não existe superior hierárquico nem encarregado de supervisão do serviço, não há obrigação de exclusividade, não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada mínima por parte das plataformas.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta