> >
Motorista sem CNH atropela menina, não socorre e é solto. Veja o que diz a lei

Motorista sem CNH atropela menina, não socorre e é solto. Veja o que diz a lei

O caso aconteceu no interior de Domingos Martins, na tarde de sábado (22). O condutor do veículo vai responder pelo crime em liberdade

Publicado em 25 de janeiro de 2022 às 21:51

Ícone - Tempo de Leitura 6min de leitura
A menina de 4 anos foi atropelada na zona rural de Domingos Martins
A menina de 4 anos foi atropelada na zona rural de Domingos Martins. (Câmeras de videomonitoramento)
Motorista sem CNH atropela menina, não socorre e é solto

Um motorista sem habilitação atropela uma criança de 4 anos, não a socorre e no mesmo dia é solto após pagar uma fiança de R$ 5 mil. O caso, que aconteceu no interior de Domingos Martins, no último sábado (22), tem gerado polêmica, mas especialistas em Direito explicam que as medidas adotadas no caso estão previstas em lei.

Segundo a Polícia Civil, logo após ser preso, o motorista foi levado para a Delegacia Regional de Venda Nova do Imigrante e autuado em flagrante por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, dirigir sem habilitação e ainda omissão de socorro. Crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Em decisão assinada pela juíza Leticia Maia Saude do último domingo (23), é informado que o condutor Arlindo Fermau foi preso em flagrante “pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 303 do CTB. A magistrada considerou "que a fiança foi arbitrada em patamar razoável", "obedecendo aos valores previstos no Código de Processo Penal". Assim, o motorista continuará "em liberdade para defender-se do crime cometido que se acha incurso".

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O ATROPELAMENTO

Davi Meztecher, advogado criminalista e professor de Processo Penal, destaca que o motorista do veículo foi autuado em crime de menor potencial ofensivo.

“Foi lesão corporal culposa na condução de veículo, o que resulta em uma pena de 6 meses a 2 anos”, explica.

O senador Fabiano Contarato, que já foi titular da Delegacia de Delitos de Trânsito, avalia que o delegado de plantão no momento da ocorrência adotou as medidas possíveis com as informações que tinha disponível. Em função disto, autuou o condutor com base no artigo 303 do CTB.

“Em penas menores de 4 anos, o delegado tem autonomia para fixar fiança de um até 100 salários mínimos, e pode levar em consideração o poder econômico do afiançado”, pondera.

Mas esta situação pode mudar no decorrer do inquérito, que está sendo conduzido pela Delegacia de Domingos Martins, destaca o senador. “A prisão em flagrante é só um momento, pode ter mudanças neste indiciamento”, pondera Contarato.

Uma das possibilidades, informa, é considerar o chamado dolo eventual. Nesta situação entende-se que o motorista assumiu o risco de produzir o resultado (atropelamento), um crime previsto no Código Penal e não no CTB. Pode ser levada em consideração a potencialidade ofensiva do veículo - seu peso em relação à criança -, excesso de velocidade, a localidade onde ocorreu o acidente, a falta de habilitação, o socorro que não foi prestado.

“Nesse caso, seria um homicídio na forma tentada, previsto no artigo 121 do CPP, caput, com pena de 6 a 20 anos e teria que enfrentar o Tribunal do Júri”, explica o senador.

Outra alternativa que pode ser levantada durante as investigações é a de lesão corporal gravíssima, prevista no artigo 129, parágrafo 2º do Código Penal, com pena de reclusão de 4 a 12 anos.

Um ponto que pode impactar o rumo da investigação é o estado de saúde da criança de 4 anos, observa o criminalista Davi Meztecher. “Se tem risco de morte, pode ser enquadrado em lesão corporal grave. E durante o inquérito podem ser consideradas novas provas e depoimentos, o delegado pode ter outra percepção do caso, e o promotor também pode fazer alterações”, explica.

TODOS TÊM DIREITO DE RESPONDER A UM PROCESSO EM LIBERDADE

Tanto o professor Meztecher quanto Contarato destacam que todos os brasileiros têm direito de responder a um processo em liberdade.

“A sociedade acha injusto, acredita que a pessoa tem que ficar presa e confunde a prisão com sentença condenatória, com a prisão cautelar. Permanecer preso até o final do julgamento não é permitido na legislação brasileira”, pondera Contarato.

A exceção, segundo ele, seria nos crimes inafiançáveis:

No caso do atropelamento, observa Meztecher, uma nova prisão só poderá ocorrer se for constatado que o condutor do veículo pode voltar a praticar conduta criminosa, como atrapalhar as investigações ou processo penal, houver risco de fuga, dentre outras exigências feitas para a concessão da fiança. “São casos em que, pelo descumprimento das regras, pode ser decretada a prisão preventiva”, explica.

O OUTRO LADO

Em conversa com a reportagem da TV Gazeta, por telefone, o agricultor Arlindo Fermau, que foi o motorista que provocou o acidente, alegou que não conseguiu ver a menina, porque ela teria saído do meio de árvores. Ele, porém, falou que fugiu por medo de ser linchado.

"Não deu para ver direito, porque ela saiu ali do meio do pé de árvore. Eu fiquei com medo porque o pessoal, hoje em dia, você sabe, né? Podia bater em mim ainda", disse.

Arlindo afirmou que, no momento do acidente, estava levando uma acompanhante para a esposa dele, que está internada em Santa Maria de Jetibá. Ele negou que estivesse em alta velocidade e afirmou que quer conversar com a família da menina.

"Isso é a câmera que mostrou, porque, do jeito que está marcado ali, a menina não sobrava nada, né. Eu gostaria de conversar com ela e explicar o que aconteceu. Alguma coisa a gente pode ajudar", completou.

RELEMBRE O CASO

Uma criança de 4 anos foi atropelada em uma área conhecida como Tijuco Preto, zona rural de Domingos Martins, município da região Serrana do Espírito Santo, na tarde de sábado (22). O motorista, identificado como Arlindo Fermau, foi detido em Santa Maria de Jetibá e levado para a Delegacia Regional de Venda Nova do Imigrante. O veículo foi guinchado e o teste do bafômetro apontou que o condutor não havia ingerido bebida alcoólica. A menina foi socorrida e transferida para o Hospital Infantil de Vitória.

A cena foi registrada por câmeras de segurança de uma fazenda. Nas imagens, é possível ver que a menina sai de uma via lateral, quando o veículo passa em alta velocidade e a atinge. O momento em que a menina foi atropelada foi cortado, em respeito à vítima e à família. Assista:

CRIANÇA ESTÁ INTUBADA 

O tio da menina conversou com a repórter Juirana Nobres, da TV Gazeta, nesta segunda-feira (24) e disse que a sobrinha recebeu os primeiros-socorros em Domingos Martins, e foi transferida no mesmo dia para o Hospital Infantil de Vitória, onde permanece intubada.

"Minha esposa estava embaixo do varal lavando roupa, aí ela escutou uma freada de carro forte. Ela assustou e gritou os meninos: 'onde está a pequena?'. Ela já estava jogada no chão e o carro passou direto", relatou. 

Ele contou ainda que socorreu a sobrinha o mais rápido possível e os primos pequenos dela ficaram abalados. Parou um monte de pessoal, logo, né, falando: 'tem que levar, não pode esperar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência)', por isso que eu levei."

Segundo o tio, foi feito um ultrassom na cabeça da menina no hospital e o exame mostrou um inchaço no cérebro. A mãe da menina contou que a criança está melhorando.

Errata Atualização
26 de janeiro de 2022 às 11:10

O texto foi atualizado com o nome do motorista, o valor da fiança arbitrada pela polícia e a fala do condutor sobre o caso.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais