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MPES quer anular júri envolvendo advogadas suspeitas de simular desmaio

MPES quer anular júri envolvendo advogadas suspeitas de simular desmaio

A nova ação, considerada inédita, foi apresentada à Justiça estadual, onde já tramita uma denúncia contra as duas advogadas por suspeita de simularam desmaio e com isto conseguirem cancelar julgamento de dois réus por homicídio

Publicado em 3 de junho de 2022 às 13:48

Ícone - Tempo de Leitura 9min de leitura

Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ingressou com uma ação para que seja tornado nulo um julgamento realizado em 2019. O motivo é o suposto envolvimento de duas advogadas em uma simulação de desmaio, situação que acabou levando a suspensão da sessão do Tribunal do Júri, antes de sua conclusão. Três meses depois, ao ser realizado outro julgamento, os réus acabaram sendo absolvidos. É esta segunda sentença que o órgão ministerial pede que a Justiça torne nula.

O primeiro julgamento aconteceu em 21 agosto de 2019 e não chegou a ser concluído. O segundo júri aconteceu três meses depois, em 20 de novembro de 2019. No último, os dois réus — clientes de uma das advogadas — julgados por crime de homicídio, foram absolvidos. As advogadas envolvidas no caso são: Patrícia dos Santos Ferreira Cavalcanti e Paula Maroto Gasiglia Schwan.

Plenário do fórum criminal onde acontece o julgamento de Marcos Venicio Moreira Andrade
Plenário do fórum criminal. (Rafael Silva)

Segundo esta nova ação proposta pelo MPES, denominada "Querela Nullitatis Insanabilis" e considerada inédita, com o tempo entre a realização dos dois julgamentos (o que foi anulado e o que absolveu os réus) a advogada principal do caso, Patrícia,  já sabia quais argumentos seriam usados pelo MPES.

"A defesa, por meio de simulação, teve acesso a toda munição retórica do Promotor de Justiça e, ao chegar sua hora de expor sua defesa, fingiu passar mal para que tivesse tempo para se preparar melhor. No segundo júri, sabendo de todo arsenal acusatório, até porque foi o mesmo membro do Ministério Público que atuou, a advogada pôde se precaver e rechaçar os argumentos, construindo uma nova estória e conseguindo uma absolvição", diz o texto da ação.

No documento do MPES são apontados que os seguintes fatos mudaram entre os dois julgamentos:

No documento o MPES aponta que houve fraude. “A trapaça feita pela defesa teve o condão de implantar a fraude com a finalidade de colher a impunidade. Essa chicana, por sua vez, corroborou o desprezo à vida como direito humano e o seu total desrespeito, haja vista que o plenário do júri, mais que lidar com a liberdade, trata da defesa do direito humano à vida”.

É dito ainda que a conduta dos réus no processo violou o direito humano à vida, uma vez que tentaram matar a vítima. "Sua advogada, por sua vez, abusou do direito à ampla defesa e das garantias judiciais, previstas na norma internacional, art. 8, bem como na plenitude de defesa para fraudar o processo, violando as garantias judiciais das vítimas", é dito no texto.

Acrescenta que o objetivo da ação não é uma “condenação cega”. “O que se quer é declaração da nulidade pelo reconhecimento da coisa julgada fraudulenta, a partir do desmaio simulado, submetendo os réus a um novo julgamento. Desta vez, um julgamento de acordo com os ditames da Justiça”.

As duas advogadas envolvidas na suposta fraude do desmaio foram denunciadas pelo MPES. O juiz da Segunda Vara Criminal de Vitória, Luiz Guilherme Risso, aceitou a denúncia no dia 29 de março, e suspendeu ainda o direito ao exercício da advocacia de Patrícia dos Santos Ferreira Cavalcanti e Paula Maroto Gasiglia Schwan.

O QUE DIZ A DEFESA DAS ADVOGADAS

O advogado Homero Mafra, que faz a defesa de Paola Gasiglia, considera a ação do MPES “absurda”, assinalando que ela não possui base conceitual.

“Ela se traduz em uma revisão criminal para a sociedade, o que não é admitido no direito brasileiro. Ela se funda na hipótese da revisão fraudulenta, tem por base a violação dos direitos humanos no julgamento. Mas qual o defeito do segundo julgamento? Nenhum, a não ser a derrota. Foi feito conforme as leis do país. Então, onde está a fraude?”, questiona.

De acordo com Mafra, a ação não afeta diretamente a sua cliente. “É inconformismo com a derrota, o resto é fumaça”, destaca.

O advogado Leonardo Gagno, que faz a defesa da advogada Patrícia Cavalcanti, informa que a sua cliente também não faz parte diretamente desta nova ação do MPES.

"É uma ação estritamente técnica de direito, onde o autor, o MPES, têm o objetivo de anular a sentença que absolveu os réus. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) vai se manifestar. A minha cliente, a doutora Patrícia, não é parte neste processo, porque ele não envolve o nome dela”, explica.

ENTENDA O CASO

Segundo a denúncia apresentada pelo MPES contra as duas advogadas,  os fatos aconteceram no dia 21 de agosto de 2019, quando Patrícia dos Santos Ferreira Cavalcanti, com a ajuda de Paula Maroto Gasiglia Schwan, supostamente simulou estar passando mal. “Inovaram artificiosamente estado de pessoa em processo penal, induzindo desta forma o juiz a erro e conseguindo suspender os atos processuais praticados na sessão”, relata o documento.

A conversa entre Patrícia e Paula foi gravada em interceptação telefônica na operação da Polícia Civil denominada Leviatã II. No diálogo - você pode conferir o áudio na íntegra acima - a seguinte parte consta no texto da denúncia:

Trecho da conversa:

Patrícia: “aqui, eu estou querendo passar mal no meu júri. Cara, peguei duas defesas para fazer ontem em cima da hora, mas o promotor está arregaçando com o meu cliente, e o outro também...”
Paula: “desmaia”
[...]
Patrícia: “ah tá! Tá na segunda ponte? Amiga, sobe direto para o plenário, eu vou passar mal” 
Paula: “calma!”
Patrícia: “eu vou dissolver o conselho de sentença, eu estou falando sério, você não...”
Paula: “tá, calma” 
Patrícia: “não, eu não estou calma não”
Paula: “fica calma que eu estou chegando”.

De acordo com o MPES, a dissolução do conselho de sentença, em um júri realizado em 2019, se deu quando a advogada, representante dos réus, com intenção de prática de crime de fraude processual a produzir efeito no processo penal em que atuava na defesa de terceiro, simulou passar mal.

"O objetivo explícito de tal “desmaio” foi causar a anulação dos atos até então praticados, prejudicando a administração da Justiça. Fato este que foi motivo de denúncia ofertada pelo MPES", explicou o órgão em material enviado à imprensa.

O MPES explica que a simulação de desmaio se deu depois da acusação em plenário feita pelo promotor de Justiça, de modo que a advogada praticou a simulação com o intuito de interromper o julgamento. "Tendo conhecimento da tese da acusação e os argumentos levados ao plenário, a advogada, por saber que não teria êxito em contrapor a verdade trazida aos autos, decidiu usar o “desmaio” para suspender o julgamento", afirmou o órgão.

"Induzido a erro, o juiz presidente do Tribunal do Júri de Vitória dissolveu o conselho de sentença, após horas de trabalhos realizados. A advogada chegou a ir ao posto de saúde, mas não juntou qualquer atestado médico. Ela trouxe aos autos apenas um comprovante de comparecimento a um posto de saúde, declaração que difere de um atestado médico, documento assinado por profissional da saúde e que prevê o tempo e as especificações para o afastamento."

O MPES explica que um novo julgamento foi realizado no dia 20 de novembro de 2019, três meses depois do ato suspenso. "Na oportunidade, por conhecer previamente a tese de acusação, a defesa obteve sucesso na fraude com a absolvição dos réus. Para tanto, foi utilizada uma nova técnica de defesa, inclusive com a inclusão de um novo advogado para representar um dos réus e mudança de versão no interrogatório, de modo a construir uma estória que rebatesse a tese acusatória de modo mais verossímil."

Fórum Criminal José Mathias de Almeida Netto, no Centro de Vitória
Fórum Criminal José Mathias de Almeida Netto, no Centro de Vitória. (Ricardo Medeiros)

O juiz da Segunda Vara Criminal de Vitória, Luiz Guilherme Risso, aceitou a denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) no último dia 29 de março, e suspendeu ainda o direito ao exercício da advocacia de Patrícia dos Santos Ferreira Cavalcanti e Paula Maroto Gasiglia Schwan.

O QUE DIZ A DEFESA DAS ADVOGADAS SOBRE A DENÚNCIA

Para Leonardo Gagno, advogado que faz a defesa de Patrícia dos Santos Ferreira Cavalcanti, o diálogo usado na denúncia do MPES está fora de contexto. “Pegaram duas frases e não o diálogo inteiro. Patrícia usa verbo no gerúndio - “querendo passar mal” - e a Paula achou que era uma brincadeira”, explica.

Ele informa ainda que Patrícia, ao sair do Fórum Criminal foi ao médico e apresentou à Justiça um atestado médico. “O que ocorreu com ela, acontece na vida de qualquer pessoa. Ela não forjou passar mal para que o julgamento não acontecesse. A apuração não é verdadeira, não praticou fraude contra a Justiça. É um diálogo descontextualizado”, destaca Gagno.

Outro ponto, segundo Gagno, é que o processo está na Vara errada. “O que apontaram na denúncia é infração de pequeno potencial ofensivo e tinha que tramitar no Juizado Especial Criminal. Vamos apresentar exceção de incompetência do juiz da Segunda Vara Criminal de Vitória”, informa.

Em relação ao processo da Operação Armistício, Gagno assinala que Patrícia vai provar que é inocente das acusações feitas contra ela.

Patrícia Cavalcanti afirmou sua inocência. “Estou sendo injustiçada. Espero provar a minha inocência, sempre exerci com excelência o meu trabalho em todos os processos que me foram confiados no Tribunal do Júri. Confio muito nos magistrados que estão conduzindo o processo e sei que, ao analisar as provas, vão ser coerentes e imparciais”, destaca.

O advogado Homero Mafra, que faz a defesa de Paula Maroto Gasiglia Schwan, considera a denúncia do MPES um “despropósito e que não tem base”. Destaca que “não há crime na conduta da Paula”.

“O fato narrado na denúncia não constitui crime, do que decorre não haver justa causa para a ação penal e, consequentemente, base suporte para a imposição da medida cautelar”, assinala em representação já entregue à Justiça estadual.

Informa que fez um pedido de revogação e confia que os juízes vão se pronunciar retirando a decisão atual. “Ela não tem substância, é uma verdadeira fake news. Crime é o que a lei define, e não o que o MPES quer. Acreditamos que juiz foi induzido a erro pelo MPES e deve rever a posição”, pontua.

Homero destaca ainda que lamenta o quanto as duas advogadas estão sendo expostas. “Atingidas por ação sem nenhuma repercussão penal, mas que tem um efeito brutal na vida de cada uma delas”, pondera.

Mafra não descarta, caso a decisão do juiz não seja revista, a produção de um habeas corpus em nome de Paula, a ser protocolado junto ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

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