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'Não temos dúvida', diz médico sobre procedimento que interrompeu gravidez de menina

"Não temos dúvida", diz médico sobre procedimento que interrompeu gravidez de menina

Em entrevista à TV Gazeta, o médico e gestor da unidade onde foi feito o aborto da menina de 10 anos, grávida após ser estuprada pelo tio, explicou a realização do procedimento

Publicado em 17 de agosto de 2020 às 09:05

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O médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho em entrevista à TV Gazeta nesta segunda-feira (17)
O médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho em entrevista à TV Gazeta nesta segunda-feira (17). (Reprodução / TV Gazeta)

O médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho, gestor executivo do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), da Universidade de Pernambuco, que coordenou o procedimento para interromper a gravidez da menina de 10 anos em São Mateus, Região Norte do Espírito Santo, explicou como foi feita a preparação até a retirada do feto. A criança disse à polícia que era abusada pelo tio desde os 6 anos de idade. Em entrevista ao Bom Dia Espírito Santo, da TV Gazeta, o médico contou as etapas do processo e falou sobre a polêmica envolvendo o caso.  Confira a íntegra da entrevista. 

Bom dia, doutor. Tudo bem?

  • Sim, bom dia. Cheguei agora à maternidade e já posso antecipar que ela está bem. Começaram as contrações agora e esperamos que haja a expulsão (do feto) - o que aconteceu durante a manhã - e ela tenha alta entre hoje e amanhã, eu acredito. Eu espero que quarta-feira, no máximo, ela esteja de volta ao Estado.

Então, já começou o procedimento para interromper a gravidez da menina aí em Pernambuco?

  • Agora de manhã eu não consegui entrar na maternidade ainda, mas a assistente social me relatou, por telefone, que já se iniciaram as contrações, que é o processo. Primeiro tem as contrações para depois acontecer a expulsão. Realizar a curetagem e vamos (inaudível) para que isso seja resolvido hoje.

Mas já começou o trabalho para interromper a gravidez da menina?

  • Ontem (domingo) mesmo foi induzido o óbito fetal, por meio de medicamento. A gente provoca primeiro o óbito fetal para depois promover a indução da expulsão. Então, hoje, deve estar sendo expulso o feto.

Então, o feto não tem mais vida no útero da menina?

  • Exatamente. Então, hoje, deve ser realizada a curetagem. E acredito que amanhã tenha alta.

Como está a menina, doutor? Ela passa bem?

  • Ela está bem, muito bem. Está com a assistente social, com a avó. Está um pouco assustada, mas a gente tem apoio psicológico. A nossa equipe é treinada, nós temos experiência. É um serviço de referência aqui desde 1996. E temos apoio irrestrito de toda equipe. É um serviço que é o primeiro do Nordeste, serve de referência para vários lugares. Isso aí é o nosso dia a dia. Aqui é uma maternidade de alto risco de cirurgia ginecológica. É um hospital universitário também. E é apenas um serviço prestado à comunidade. Ela está bem.

Então, já houve o processo para interromper a gravidez, o feto não tem mais vida e agora o trabalho é para a menina expulsar o feto do corpo?

  • É expulsar o feto e realizar a curetagem. Isso acontecendo, provavelmente, terá alta amanhã, esperamos. Provavelmente, a Secretaria de Saúde promover o retorno da menina, a avó e a assistente social, e acredito que, na quarta-feira, o mais tardar. Está tendo contrações já.

Doutor, o senhor foi atacado de alguma forma? Tem receio por fazer esse procedimento? É a lei, o senhor está cumprindo a lei, mas de alguma forma isso gera preocupação para o senhor?

  • Não, nosso entendimento é muito claro. Claro que o médico tem direito a objeção de consciência, é lógico. O serviço pode ter algum problema. Mas a lei garante. É muito claro. No caso de estupro, a norma técnica é até 22 semanas, mas não é proibitivo acima de 22 semanas. É apenas na norma técnica, a lei não fala de semanas. E consideramos também a gravidez de uma menina de 10 anos, que não deseja a gravidez de maneira nenhuma. Ir contra a vontade da família e da criança seria um ato de tortura, e colocaria a própria vida da paciente ou, no mínimo, a sua saúde mental, o que seria um sofrimento muito grande. Então, nós não temos dúvida.

A avó, o senhor deve ter contato com ela, a criança é criada pela avó, ela também se manifestou favorável à interrupção da gravidez?

  • Também favorável, lógico. Ela é a representante legal que temos aqui, já veio tudo documentado aí do Espírito Santo. É um procedimento que acontece. Infelizmente, neste caso houve uma violência que eu acho que foi a quebra do sigilo da criança, o que não deve acontecer. Você tem que proteger a criança, o sigilo. Não pode. A gente tem que pensar que essa criança tem um futuro de vida pela frente e não pode ser exposta. Infelizmente, este caso saiu dos padrões que, na forma bioética, nós médicos não podemos permitir que seja exposta essa família e essa criança. Normalmente, quando acontece isso, a imprensa não fica sabendo e a gente respeita, porque isso é muito importante. Respeitar o segredo para reconstruir a vida dessa criança, ela não pode ficar marcada. Ela tem que ser cuidada, e eu espero que no Espírito Santo, quando ela retorne, que seja respeitado isso. Que ela consiga uma vida normal no seu Estado de origem, e vai depender muito da sociedade daí, não tratar ela como uma criminosa e nem que seja perseguida. Nem ela e nem a família dela.

Doutor, o hospital universitário daí tem protocolos mais adequados e específicos para fazer esse procedimento do que o hospital aqui de Vitória, por exemplo?

  • Não. O protocolo que seguimos é o mesmo do Brasil. O que pode existir, do corpo clínico, é a falta de experiência, o “know-how” de tempo, de segurança. Para ter o funcionamento de um serviço, a sociedade tem que dar segurança aos médicos. Muitos lugares o médico não se sente seguro. Então, esse é um processo de respeito aos direitos humanos e reprodutivos. Mas a lei é a mesma, o nosso código de ética é o mesmo. Tem colegas, conheço alguns amigos e falei com alguns sobre o caso, porque somos da Federação Brasileira de Ginecologia Obstetrícia. Mas quando o secretário ligou para mim no sábado, não deu tempo. Ele disse que estava precisando e perguntou se a gente podia atender. Disse que sim, aí foi encaminhado para cá e chegou no dia seguinte. Aí eu não conversei com ninguém do Espírito Santo, mas tenho o maior respeito pelo Estado e pelos colegas daí. E eu entendo a dificuldade, não é fácil. A gente trabalha aqui desde 1996, já passamos várias dificuldades dessas forças que não respeitam a autonomia da mulher, nem o direito reprodutivo que prejudica, sem dúvida nenhuma. Mas, um estado laico e democrático, como qualquer país que a gente admire e respeite os direitos humanos, como todos os países da Europa, Estados Unidos, Japão. Todos os países que a gente pretende um dia chegar, esse caso não teria repercussão. Seria um dia a dia, seria tratado com o maior cuidado para que essa família não sofresse outra violência. Porque o estupro é uma violência e a sociedade não pode violentar de novo essa família e essa criança. A gente tem que proteger essa família e essa criança.

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