O Espírito Santo alcançou a marca de 16.796 homicídios no período de 2009 a 2019, mas, por trás dos números frios da estatística, há um rosto muito frequente: homem jovem e negro. Esse é o perfil mais comum nos assassinatos registrados no Estado ao longo da década pesquisada pela Fórum Brasileiro de Segurança Pública que divulgou, nesta terça-feira (31), os resultados no Atlas da Violência 2021.
Nesse volume de mortes violentas, 8.962 foram contra o público masculino de 15 a 29 anos, o equivalente a 53,35% dos casos. Os negros, sem o recorte por faixa etária, foram vítimas de 13.089 assassinatos - quase 78% dos crimes praticados no período.
Mas os números observados ano a ano, embora elevados, indicam uma tendência de redução. "Se olharmos a série histórica de homicídios até 2019, último dado expresso no Atlas, há um padrão de queda sistemática, como nunca visto", pontua Daniel Cerqueira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) e um dos coordenadores da pesquisa nacional. O ano que foge à regra é 2017, quando houve a greve da Polícia Militar.
A taxa geral de homicídios por 100 mil habitantes, aponta Cerqueira, foi reduzida a menos da metade, passando de 56,9 para 26. Ele atribui o resultado, em boa medida, a ações de prevenção implementadas pelo programa Estado Presente com iniciativas em diversas áreas, como educação, cultura e qualificação profissional.
Mas, se de um lado Cerqueira analisa como positiva a diminuição nos homicídios e a perspectiva de seguir nesse ritmo, de outro ele se preocupa com os indicadores de assassinatos de mulheres.
"Obviamente ainda são muitos casos de violência, mas vamos dar continuidade ao trabalho de aprimoramento em segurança pública, de prevenção social e essa diminuição observada é um fato que precisa ser comemorado, é algo consistente. Mas um dado ainda muito preocupante no Espírito Santo é a violência contra a mulher; o Estado aparece sempre entre os primeiros nas estatísticas", atesta Cerqueira.
Houve até uma pequena redução de casos entre 2018 e 2019, mas que não afetou significativamente a taxa por 100 mil habitantes. O problema é sobretudo cultural e atinge todos os Estados.
A questão da violência contra a mulher, diz o presidente do IJSN, não pode ser simplesmente tratada como infrator e vítima. No pano de fundo, existe uma sociedade patriarcal, com uma ideologia de poder em relação ao gênero, em que a mulher é subjugada.
"Essa ideologia do patriarcado está muito presente no Brasil todo. Até mesmo em expressões culturais - músicas, por exemplo -, vamos encontrar vestígios disso. E o Espírito Santo está inserido nessa cultura. A forma de vencer essa situação, além de ações para punir o agressor, é a educação para a cidadania", avalia.
O Atlas da Violência apresenta dados de todo o país, mas, segundo Cerqueira, as comparações referentes ao ano de 2019 ficaram prejudicadas. Isso porque há um grande volume de mortes violentas sem causa identificada, ou seja, não foram classificadas como homicídio, suicídio ou acidente.
Alguns Estados, particularmente, apresentaram mais problemas e, por essa razão, resultados como o da média nacional e até mesmo a análise do desempenho ano a ano desses locais podem ficar distorcidos.
Questionado sobre a situação do Estado nesse contexto, Cerqueira afirma que há espaço para aprimoramento da qualidade dos dados, mas ressalta que, se comparado a outros, o Espírito Santo está bem e não existe dúvida sobre as informações registradas.
Preocupação maior de Cerqueira é com a política do governo federal de flexibilização de uso e circulação de armas e munição. Para ele, há um risco iminente do aumento da violência e, consequentemente, de homicídios devido à estratégia adotada pela gestão de Jair Bolsonaro nesse tema.
O receio também está expresso no Atlas da Violência. No documento, os estudiosos indicam que "ao facilitar o acesso a armas, a nova regulação pode favorecer a ocorrência de crimes interpessoais e passionais, além de facilitar o acesso a criminosos - traficantes, assaltantes, milicianos - tendo em vista a comprovada ligação entre os mercados legal e ilegal de armas – e impossibilitar o rastreamento de munições encontradas nos locais dos crimes."
"Existe um consenso científico, nacional e internacional, sobre o papel da arma de fogo para disseminar e impulsionar a violência letal nos territórios. O que vemos hoje, na área de segurança pública, é uma política armamentista e de permissividade do governo federal. São mais de 30 dispositivos legislativos só no período Bolsonaro que deixam, por exemplo, as munições fora do controle do Exército. As máquinas de recarga não são mais passíveis de fiscalização. Só no ano passado, foram 54 toneladas de pólvora, o que daria para fazer 39 milhões de munição para pistola 9 mm, e sem a possibilidade de rastreamento. Isso vai conspirar a favor do crime; vai afetar o Espírito Santo e o Brasil por décadas", advertiu Cerqueira.
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