Estudos coordenados por pesquisadores brasileiros mostram que a reinfecção pelo novo coronavírus é possível. Embora as circunstâncias não estejam totalmente esclarecidas, os resultados apontam uma primeira exposição à Covid-19, em casos brandos ou assintomáticos, pode não produzir resposta imunológica e que a pessoa pode se reinfectar, inclusive, com a mesma variante.
O projeto coordenado pelo pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), mostrou que a segunda infecção pode provocar sintomas mais fortes do que a primeira. Os dados mostram que para a parcela da população que tem a doença na forma branda, isso não significa que fique imune ou que uma reinfecção evolua de forma benigna.
O material indica que o caso de ser infectado pela mesma variante acontece porque o paciente não teria criado uma memória imunológica. Em relação à outra cepa, ela “escaparia” da vigilância do organismo, pois não seria reconhecida pela memória gerada anteriormente por ser um pouco diferente.
“Essas pessoas só tiveram de fato a imunidade detectável depois da segunda infecção. Isso leva a crer que para uma parte da população que teve a doença de forma branda não basta uma exposição ao vírus, e sim mais de uma, para ter um grau de imunidade”, conta Moreno. “Isso permite que uma parcela da população que já foi exposta sustente uma nova epidemia”.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores acompanharam semanalmente um grupo de 30 pessoas de março de 2020, no início da pandemia, até o fim do ano.
Destas, quatro contraíram o Sars-CoV-2, sendo que algumas foram infectadas pela mesma variante. Os pesquisadores, então, sequenciaram o genoma do vírus no caso da primeira infecção e depois na segunda para poder compará-los.
Além da Fiocruz, a pesquisa envolveu ainda pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa (Idor) e da empresa chinesa MGI Tech Co.
Celso Granato é doutor em doenças infecciosas, diretor clínico do Grupo Fleury e pesquisador associado do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP. Segundo ele, ainda há muito confusão quanto ao entendimento popular de reinfecção pela Covid-19. Ele ressalta que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem uma definição específica capaz de atestar um segundo de contaminação.
Questionada sobre a existência ou investigação de casos de reinfecção por Covid-19 no Espírito Santo, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que "os casos notificados no Estado não se enquadraram nos critérios estabelecidos pela Nota Técnica 52/2020, do Ministério da Saúde".
A gente é frequentemente consultado no seguinte sentido: "Eu tive infecção pelo Covid faz um mês e agora estou de novo com reinfecção porque deu PCR positivo outra vez". É muito comum as pessoas ficarem com o PCR positivo um mês depois da primeira infecção porque tem uma série de explicações para isso. O PCR não detecta vírus ativo. É uma técnica muito sensível em que ela pode detectar uma coisa que a gente chama de RNA subgenômico. São pedaços do RNA viral que não representam o vírus inteiro. São resquícios do que a infecção provocou no organismo.
É o vírus que demora para ser eliminado totalmente. Não quer dizer que ele esteja causando doença, mas ele demora para ser eliminado porque é um vírus que está no epitélio nasal. E o epitélio nasal, que são essas peles pequenas que estão por dentro do nariz, tem uma renovação muito lenta. Você só consegue eliminar metade das células que você tem no nariz depois de dois a três meses. Se a pessoa tiver uma infecção agora, daqui dois a três meses ela ainda terá metade dessas células. Depois de mais dois ou três meses, ela tem 1/4 dessas células. Então, até você fazer uma renovação substancial dessas células, você ainda tem muitas células no nariz que são resquícios da época de quando teve a primeira infecção. Por que algumas pessoas negativam antes? Vai ver que é porque elas estavam em uma época de mudar células ou essas células contaminadas já foram trocadas.
Porque teve uma mudança do vírus. Quando você considera a primeira onda no Brasil em março, abril e maio, era um tipo de vírus chamado de D614G. Ele deu essa pandemia e quando chegou em outubro, novembro do ano passado, ele começou a sofrer outras mutações. Isso em parte porque aumentou muito o número de casos porque as pessoas começaram a descuidar. Assim surgiram as mutações que são P1, no Brasil, as variantes sul-africana e inglesa. A mutação aconteceu, principalmente, naquela pontinha do vírus que se liga no receptor celular chamado de ACE2. Essa pontinha do vírus é o RBD, que funciona como se fosse uma chave que liga na fechadura da célula para poder entrar. O vírus não vive fora da célula. E é lógico que se você sofre uma mutação, o anticorpo produzido contra a forma que não tinha sofrido a mutação, não segura mais. Ele liga esse RBD numa outra porção, mas não é suficiente que essa chave entre na fechadura. Então, a pessoa pode pegar a infecção de novo.
Quando você tem uma infecção, qualquer que seja ela, existem vários mecanismos de defesa. A formação de anticorpos é uma delas. Os nossos glóbulos brancos produzem uma série de proteínas que têm uma forma de uma letra Y. Esse é o formato do anticorpo. E ele se liga, em geral, em um lugar que vai impedir a entrada do vírus na célula. Ele reage no vírus como um todo, mas aqueles antianticorpos que são mais poderosos são aqueles que se ligam na pontinha que todo vírus tem, se ligam na fechadura celular. Esse anticorpo neutraliza o vírus. É como se você pegasse um chiclete e colocasse numa chave e tentasse depois enfiar essa chave na fechadura. É um dos mecanismos que nosso organismo desenvolveu para não pegar tanta doença. Por isso, a maior parte das vezes você pega uma doença uma vez só, como sarampo e rubéola.
Eles podem até sumir, tanto é que, por exemplo, você pega uma vacina de sarampo. Periodicamente, precisa fazer um reforço da dose. O organismo não gasta energia em vão. Se você não expõe mais ele àquele agente infeccioso, para quê ele vai ficar fazendo anticorpo? Ele baixa a produção, mas se você der um reforço com uma outra vacina ele sobe de novo e sobe mais rápido. Por isso o reforço porque depois que você dá uma vacina, fica com um glóbulo branco que chamamos de memória. Então, ele não está trabalhando para não gastar energia, mas existe a memória imunológica contra o vírus que você teve.
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