Na tentativa de sair da lentidão do processo de vacinação, provocada pela falta de fornecimento de doses pelo governo federal, o Espírito Santo fez um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que fossem liberados a importação e o uso emergencial da Sputnik V contra a Covid-19. Essa vacina foi desenvolvida pelo Centro Gamaleya, da Rússia, onde o imunizante já está sendo usado.
A informação foi publicada em O Globo, pelo colunista Ancelmo Gois. O Espírito Santo e mais sete Estados, entre os quais a Bahia que já negociou 50 milhões de doses com o Fundo Soberano da Rússia, entraram com a ação após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reprovar o pedido de uso emergencial da Sputnik V.
O imunizante deve ser aplicado em duas doses e pode ser mantido na refrigeração normal, o que seria uma vantagem para o Brasil. Além disso, a produção está bem desenvolvido e já fornecem aos vizinhos argentinos. Mas o que emperra a aplicação dessa vacina?
Um dos fatores é a falta de informações precisas acerca da vacina, uma vez que, antes mesmo de qualquer publicação sobre sua produção e eficácia, o governo russo já a havia distribuído em território nacional. Esse fato provocou certa desconfiança na comunidade científica, até mesmo por começar a usá-la sem a conclusão da terceira fase de testes, a última exigida para ser liberada à comercialização e uso em massa.
"A Rússia não tinha transparência nos dados. Só recententemente, ainda que restem dúvidas, publicou um estudo com 20 mil voluntários, quando o protocolo exige 40 mil", observou a epidemiologista Ethel Maciel.
Após semanas do governo propagandear que ela tinha 91,4% de eficácia, na última semana a renomada revista científica The Lancet publicou pesquisas apontando que a vacina é capaz de gerar resposta do sistema imunológico e que teria 91,6% de eficácia contra o coronavírus.
Segundo o infectologista Lauro Ferreira Pinto, a Sputnik é uma vacina que possui um desenho semelhante ao dos imunizantes da AstraZeneca/ Oxford e da Janssen, porém faz duas doses com diferentes adenovírus.
"Adenovírus é o vírus que serve como vetor; ele que carrega o material genético do coronavírus. Essa é uma tecnologia nova de vacina, em que cada dose possui cerca de 100 milhões de partículas virais que não têm capacidade de replicar, se multiplicar no corpo humano, mas carregam o material genético que desenvolve os anticorpos", explicou.
A Sputnik V também depende de duas doses para ter efeito e pode ser conservada em refrigeradores de 2 e 8 graus. "Compatível com nossa realidade, o que facilita muito", completou Lauro Ferreira.
Um dos critérios exigidos pela Anvisa era de que estudos de fase 3 fossem feitos também no Brasil para que uma vacina fosse aprovada para uso no país. No entanto, após pressão política, a agência reguladora decidiu mudar as regras para que empresas, como as que produzem a Sputnik V, pudessem pedir o uso emergencial de vacinas para Covid-19 em território brasileiro.
Mas, nem mesmo com essa alteração, a vacina russa foi aprovada pela Anvisa.
"Há uma pressão da União Química, que produzirá a vacina aqui no Brasil, e dos parlamentares em cima da Anvisa. Nosso parlamento, impulsionado pelo lobby da empresa, começou a pressionar por uma Medida Provisória para o uso do imunizante e retirando a independência da Anvisa, que é uma barreira de interesses de empresa, verificando a segurança e a eficácia, e é uma proteção para nós", descreveu Ethel Maciel.
Tanto a Coronavac quanto a Astrazeneca/Oxford tiveram que passar por todo o processo regulatório da agência. No entanto, por não atender a todos os critérios, e faltarem informações exigidas pela Anvisa, o imunizante russo teve o pedido de uso emergencial recusado. Entre os itens que não foram identificados está o relatório de cada voluntário participante dos testes.
"As vacinas têm que ser aprovadas na Anvisa, pois é ela que dá certificação de lotes, conferência dos estudos, verificação da fabricação de lotes, é a agência regulatória que observa tudo isso. Esse quesito precisa ser cumprindo por qualquer país", pontuou Lauro Ferreira.
Apesar de a Anvisa ter recusado o uso emergencial, o Ministério da Saúde informou, no último dia 5, que poderá adquirir 10 milhões de doses da vacina Sputnik V, importadas da Rússia por meio do laboratório União Química, que tem uma parceria para oferta do imunizante no Brasil.
Além da pressão política, ainda há uma busca incessante por mais vacinas por parte dos governos estaduais. Na ação iniciada pelo governo da Bahia, em que outros sete Estados como o Espírito Santo também aderiram, os pedidos são para que possam adiantar o Plano Nacional de Imunização (PNI) proposto pelo Ministério da Saúde, caso tenham vacina.
Outra solicitação é exatamente para aumentar o volume de doses no país. Para isso, a ação pede que o rol taxativo de agências reguladoras aumente, pois a Medida Provisória que dispensa a aprovação da Anvisa prevê apenas a de outros seis países, não incluindo nesta lista nenhuma que tenha aprovado a Sputnik.
"A farmacêutica foi intimada para se manifestar sobre os termos que foram apresentados na ação, para que o Supremo possa se manifestar sobre autorizar a aquisição da vacina com outras entidades de outros países e eventual antecipação das etapas de vacinação. Ainda não foi dado esse retorno e nem a decisão do STF", pontuou o procurador-geral do Espírito Santo, Rodrigo de Paula.
Atualmente, o imunizante russo foi aprovado no México, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Hungria (único país da União Europeia a aprovar), Argélia, Sérvia, Bielorrussia e territórios palestinos.
"É difícil comparar vacinas, pois os ensaios clínicos foram diferentes e saíram muitas vacinas em simultâneo. A vantagem da Sputinik é se ela estiver disponível. O Brasil precisa vacinar rápido, o vírus está mutando, tem novas variantes e quanto mais rápido vacinarmos, mais evitamos a disseminação do vírus e diversificação do vírus. Hoje, não temos nem 2% da população vacinada, isso não tem impacto na doença", observou Lauro Ferreira Pinto.
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