As informações estão pregadas na parede, em um papel colorido, escrito à mão. Lizandra tem 34 anos, gosta de pagode, cuida dos pais, é católica, esposa do Fernando e mãe do pequeno Heitor. O “prontuário afetivo” da analista administrativa traz as informações mais importantes sobre ela e ajuda a lembrar que estamos diante de uma pessoa, com história e gostos, para muito além de um diagnóstico de Covid-19.
Pelo menos outros 16 prontuários afetivos já foram espalhados pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinada à Covid-19 no Hospital Santa Rita, em Vitória. A ideia começou a ser implantada há cerca de duas semanas e tem auxiliado pacientes, familiares e profissionais de saúde no combate à doença.
“Um prontuário, geralmente, é um documento no qual os profissionais de saúde registram as informações de saúde e do quadro clínico do paciente. O prontuário afetivo é uma proposta de trazer para o centro do cuidado a pessoa, não a doença. No prontuário afetivo, as informações são relacionadas à pessoa, seus gostos, seus hobbys e aquilo que é importante para ela”, explica a psicóloga Thamiris Moreno, de 27 anos.
De acordo com a psicóloga, o prontuário afetivo é construído com a ajuda do próprio paciente. Nos casos em que a pessoa se encontra intubada e sedada, as informações são fornecidas por familiares próximos.
“O prontuário se transformou em um instrumento de intervenção psicológica para nós. Durante o atendimento, além de conhecermos o paciente, também podemos identificar as angústias e questões em torno da internação e traçar um plano terapêutico. Tem sido uma experiência muito bacana”, avalia.
Para Fernando Gripa de Bortoli, de 37 anos, que acompanha a esposa Lizandra no hospital há cerca de 40 dias, o prontuário afetivo trouxe conforto em meio à aflição provocada por um diagnóstico de Covid-19. Lizandra ficou mais de 30 dias na UTI. Quando foi transferida para a enfermaria, nesta semana, o papel azul com as suas informações mais importantes a acompanhou.
“O prontuário afetivo traz para a gente um pouco de tranquilidade, porque a gente vê que eles tratam o paciente não como mais um CPF, mas como se fosse uma pessoa deles. A gente percebe que eles se preocupam com os nossos entes queridos, que são apenas pacientes deles. Isso deixa a gente mais confortável”, opina Bortoli.
A psicóloga explica que é comum, principalmente em internações prolongadas, que pacientes e familiares se sintam angustiados diante da padronização dos procedimentos. Por isso, o prontuário afetivo é uma forma de evidenciar as individualidades de cada um.
"A padronização dos processos é importante para a segurança, mas acaba por interferir na expressão daquilo que é subjetivo e particular de cada um. Por exemplo, quem está internado em uma UTI geralmente não pode usar suas próprias roupas, fica conectado a aparelhos que aferem seus batimentos cardíacos, sua saturação, pressão. Alguns familiares de pacientes intubados relatam que sentem o prontuário afetivo como um afago. Traz um conforto saber que mesmo não estando presentes, as pessoas que estão cuidando do seu familiar sabem quem ele é", defende Thamiris.
O prontuário afetivo é utilizado também em outros hospitais do Brasil. Em Vitória, o Hospital Santa Rita pretende expandir o projeto para que ele possa alcançar todos os paciente da UTI de Covid-19.
"Como é um instrumento terapêutico, é realizado de forma individualizada, de acordo com a realidade de cada paciente. Alguns ficam mais tempo na UTI, outros ficam menos tempo. Tudo isso é levado em consideração. Algumas pessoas mais reservadas falam de seus gostos, mas não querem o prontuário exposto. Mas a ideia é ampliar para todos os pacientes que queiram e que ficam na UTI por mais de 48h. O importante também é acompanhar o paciente e a família. Ao sair da UTI, o paciente leva o prontuário afetivo com ele para a enfermaria", esclarece.
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