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Pacientes crônicos ficam sem acesso a tratamento e remédios no ES

Pacientes crônicos ficam sem acesso a tratamento e remédios no ES

Sem acesso a atendimento nas unidades de saúde e ambulatórios de hospitais públicos por causa do coronavírus, eles relatam dificuldades para continuar os tratamentos e temem o agravamento de suas doenças

Publicado em 20 de junho de 2020 às 20:18

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As irmãs Suzana (à esquerda) e Suely Lima, ambas portadoras de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, mais conhecida como ossos de vidro ou de cristal
As irmãs Suzana (à esquerda) e Suely Lima, ambas portadoras de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, mais conhecida como ossos de vidro ou de cristal. (Arquivo pessoal)

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, pacientes com doenças crônicas ou raras e portadores de deficiência enfrentam dificuldades para dar continuidade aos seus tratamentos e temem o agravamento de suas doenças. Relatam que, na maioria dos casos, o atendimento foi suspenso nos ambulatórios de hospitais públicos e nas unidades de saúde municipais.

Dilema vivido pelas irmãs Suely e Suzana Lima, ambas portadoras de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, mais conhecida como ossos de vidro ou de cristal. Moradoras de Cariacica, elas faziam tratamento no Hospital Dório Silva, na Serra, que atualmente está voltado aos pacientes da Covid-19.

Elas, que precisam retornar a cada seis meses para uma bateria de exames e consultas, relatam que o último contato com o médico foi por intermédio de uma teleconsulta, em março, quando foram avisadas de que o tratamento seria suspenso. “Há uma desassistência em relação à saúde das pessoas com doenças raras. Estamos muito preocupados porque, sem o acompanhamento,  podemos ter uma regressão no tratamento”, pondera a assistente administrativo Suzana.

Sua irmã, a professora  de Libras Suely, faz uso de Pamidronato, destinado ao tratamento ósseo,  que ajuda a impedir, no caso delas, que se quebrem com maior facilidade. “Como a injeção é administrada no hospital e é preciso ficar internada por três dias, o tratamento foi suspenso. E não sabemos quando será retomado. Estou muito preocupada, nunca vivenciei uma situação como esta”, conta.

SEM MEDICAMENTOS E TRATAMENTO

Não é diferente com Gleicy dos Santos da Vitória, moradora de Vila Velha. Assim como seus três filhos, ela tem asma. Sofre ainda de hipertensão e está acima do peso. “Sou três vezes do grupo de risco”, pontua.

Gleicy dos Santos da Vitória, paciente de asma e hipertensão. Líder comunitária de Pedra dos Búzios, Gleicy já foi membro do Conselho de Saúde do município e o do Estado, além de membro da plenária nacional dos conselhos de saúde
Gleicy dos Santos da Vitória, paciente de asma e hipertensão, não consegue atendimento médico e medicamentos. (Arquivo pessoal)

Líder comunitária de Pedra dos Búzios, Gleicy já foi membro do Conselho de Saúde do município e do Estado, além de membro da plenária nacional dos conselhos de saúde. Defensora dos Direitos Humanos pela CIDDHC-ES, relata que fazia tratamento na Unidade de Saúde de Paul, que foi transferida para a Unidade de Saúde de Vila Batista. “O problema é que lá não tem atendimento contínuo diário”, conta.

Relata ainda que tem enfrentado muita dificuldade para obter os medicamentos. “A receita está vencida desde janeiro. Há uma decisão judicial para que elas sejam prorrogadas, mas a farmácia popular não aceita. E na unidade de saúde não há medicamento, está em falta. Minha cartela só tem dez comprimidos. Antes fazíamos consultas frequentes com pneumologistas, alergistas, mas agora está tudo suspenso”, explica Gleicy.

Conta ainda que não conseguiu se vacinar, e nem seus filhos, contra o H1N1. “Tenho três filhos com asma grave, enfrento o mesmo problema, e não conseguimos tomar a vacina”, relata.

ASSOCIAÇÃO MÉDICA

De acordo com o presidente da Associação Médica do Espírito Santo (Ames), Leonardo Lessa Arantes,  a adoção de medidas de contenção do novo coronavírus trouxe prejuízos para os médicos e milhares de pacientes crônicos, que estão desassistidos e sem receber o tratamento adequado. “Tudo isso devido ao desmonte de equipes de especialidades nos grandes hospitais. Algumas foram dispensadas ou tiveram seus contratos interrompidos”, relata.

Segundo Lessa, foram atingidos principalmente os pacientes com doenças crônicas, como os da área de ortopedia, diabéticos, com problemas vasculares, circulatórios, renais, cardiopatas, casos de câncer, como tumores, neurológicos, com aneurismas, dentre outros.

Segundo Lessa, são pacientes que dependem de atendimento regular, e cujos atendimentos ambulatoriais foram suspensos. “Desassistidos, a doença tende a piorar, e vão acabar buscando ajuda só na urgência. A estratégia adotada pelo governo foi de desmobilizar a estrutura existente para focar no atendimento da Covid-19, mas como fica a situação dos pacientes crônicos”, questiona.

SITUAÇÃO PREOCUPA CONSELHOS

A situação vem preocupando os membros dos conselhos de saúde municipais. Rogerio Lopes, representante do Conselho de Saúde de Viana e diretor da Federação dos Movimentos Populares de Viana (Cemopovi) pondera que a crise será maior quando a pandemia passar, com atendimentos represados.

Ele avalia que a preocupação inicial foi com a pandemia, mas que se esqueceram dos mecanismos de prevenção para outras doenças, como as crônicas e raras. “Quando a pandemia acabar, teremos um outro problema a mais, que é o agravo das doenças crônicas”.

Em Viana, relata, pouco está sendo feito por estes pacientes. “A estrutura é mínima e não dão conta de atender. Não é só de Covid-19 que se morre”, diz, acrescentando que no seu município, 90% dos exames de rotina das unidades de saúde foram cancelados, sem contar  o fornecimento de medicamentos.

Relata que em Viana,  os moradores abandonam seu tratamento por falta de planejamento na área de saúde. “O Conselho de Saúde tem cobrado isto desde o início da pandemia. Temos solicitado até a realização de reuniões virtuais, o que não tem acontecido, dificultando o acompanhamento das ações”, conta.

Em Vitória, Silvio Nascimento Ferreira, membro do Conselho de Saúde da Capital, relata que o atendimento oferecido é on-line. “A maioria das especialidades que dependem de contato com o paciente foi suspensa. Muitos médicos também deixaram de trabalhar por estarem em grupos de risco. Estão oferecendo só atendimento on-line”, diz.

A preocupação dos conselhos, relata, é que muitos pacientes não têm acesso a tecnologias para garantir uma consulta on-line. “Nem todo mundo possui as ferramentas e pode ficar sem atendimento”, observa.

OUTRO LADO

Em Vitória, segundo a secretária de Saúde Catia Lisboa, o atendimento para 18 especialidades – como cardiopatias, diabetes, hipertensão, dentre outras –, continua sendo oferecido pelo Centro de Especialidades Municipal, por intermédio de teleconsultas.

Ela explicou que, em um primeiro momento, os atendimentos eletivos foram suspensos, mas que as consultas já foram retomadas. “Para os pacientes crônicos também está sendo garantido o acesso a prescrição medicamentosa. Ampliamos o prazo de validade das receitas para que não ficassem sem acesso à medicação”, explicou.

Explica que, nos casos de intercorrência, o paciente pode acionar o 156, procurar uma unidade de saúde ou, nos casos emergenciais, pode procurar o Pronto Atendimento.

PA de São Pedro vai receber estrutura de campanha para atender pacientes com coronavírus
PA de São Pedro vai receber estrutura de campanha para atender pacientes com coronavírus. (Divulgação)

A Prefeitura de Vila Velha informou que suspendeu os atendimentos eletivos de consultas e exames em seu Centro de Especialidades em 23 de março de 2020, atendendo ao decreto estadual de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. No período, mais de 10 mil atendimentos de diversas especialidades de consultas e exames de diagnóstico deixaram de ser realizados.

Explicou ainda que médicos que atendem no Centro de Especialidades têm procurado manter e ajustar receitas de medicamentos de pacientes que já estavam em tratamento, principalmente nas áreas de cardiologia, neuropediatria, endocrinologia e psiquiatria, onde concentram a maior parte dos pacientes crônicos. E que o atendimento do pré-natal de alto risco está mantido, com as consultas regularmente agendadas, e os exames indicados também vêm sendo realizados.

Em relação às consultas e aos exames especializados que estavam agendados para datas posteriores a 23 de março de 2020, eles serão reagendados assim que o atendimento se normalizar, informou em nota a PMVV.

O município oferece ainda atendimento psicossocial, por meio de sua Rede de Atenção Psicossocial onde psicólogos e assistentes sociais acolhem aqueles que se encontram em sofrimento psíquico durante o período de isolamento social.

Também está mantido o atendimento de controle metabólico do diabetes mellitus, a educação alimentar, apoio terapêutico e estimulo à adoção de um novo estilo de vida, com mudanças de comportamento, por meio do Programa de Proteção ao Pé Diabético (Propé).

Em relação à falta de medicamentos, a PMVV informa, em nota, que “o desabastecimento de medicamentos e insumos não é uma exclusividade nas unidades de saúde de Vila Velha. Trata-se de uma crise nacional nos serviços de saúde em todos os níveis – inclusive hospitalares – imposta por questões relacionadas ao mercado farmacêutico".

ESTADO

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa)  informa que procedimentos cirúrgicos eletivos, cirurgias ambulatoriais eletivas, consultas e exames ambulatoriais especializados foram suspensos, como definido pela Portaria Nº038-R, de 20 de março, em decorrência do enfrentamento da emergência da pandemia do novo coronavírus.

Acrescenta que as cirurgias oncológicas, cardiovasculares e de urgência e emergência estão sendo realizadas, assim como o atendimento de programas considerados essenciais à integridade da saúde do paciente “A suspensão de algumas consultas e cirurgias eletivas foi orientada pelas associações médicas. A urgência da pandemia e o comportamento desconhecido do vírus, além do perigo do espalhamento nos ambientes cirúrgicos, foram motivadores das orientações das sociedades médicas”, informa, em nota.

Explica ainda que assim que houver uma redução sustentada de casos novos, de óbitos e de pacientes graves de coronavírus irá colocar em prática uma agenda para restabelecer consultas ambulatoriais e cirurgias eletivas progressivamente no Estado.

Para garantir o tratamento de algumas doenças crônicas e raras, como fibrose cística, nefrologia, reumatologia, osteogênese imperfeita e HIV, os pacientes estão sendo atendidos remotamente e, em caso de intercorrência, os médicos acionam as equipes para realizar o atendimento no hospital. O atendimento ambulatorial, com consultas presenciais agendadas periodicamente, deve ser retomado no próximo mês.

Neste ano, de janeiro a abril, o Estado realizou aproximadamente 10 mil cirurgias eletivas. No caso da oncologia, em março deste ano, por exemplo, foram realizados cerca de 6.723 exames. No mesmo período de 2019, o número de exames oncológicos realizados pelo Estado foi de 6.841.

Em relação à assistência farmacêutica, foi informado que foi ampliado o prazo de vencimento das documentações para a retirada de medicamentos nas Farmácias Cidadãs Estaduais. “A medida visa garantir segurança ao usuário diante da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No entanto, para alguns tipos de medicamentos está havendo dificuldade na aquisição, mas as medidas cabíveis já estão sendo adotadas para garantir o fornecimento o mais rápido possível e não comprometer o tratamento dos pacientes”, diz em nota.

A Prefeitura de Viana não respondeu às demandas da reportagem.

Atualização em 21.06.2020

Por nota, a Prefeitura de Vila Velha informou que a paciente Gleicy dos Santos da Vitória realizou uma consulta na Unidade de Saúde de Vila Batista, no dia da inauguração. “Consultou no primeiro dia da US recém inaugurada em Vila Batista, foi a primeira a ser atendida, e pegou suas medicações na farmácia”, diz o texto da nota.

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A paciente relata que esta foi uma consulta de emergência. “Ocorreu dois meses após a pandemia, dois meses sem atendimento médico, e saí de lá somente com paracetamol, para dor de cabeça e no tornozelo. Quanto aos medicamentos que preciso para hipertensão, está escrito ‘em falta’ na receita. Estou usando chá de cidreira porque não tenho mais medicamentos”, relata Gleicy.

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