A imagem de um prédio destruído por uma bomba se mistura a tantas outras de uma guerra no Oriente Médio que parece distante de nós, brasileiros, mesmo para os que acompanham o conflito diariamente pelos noticiários. O impacto, no entanto, é outro para um pai, morador de Vila Velha, no Espírito Santo. Essa imagem aparece como a lembrança do dia em que a casa onde estavam sua esposa e seus 5 filhos — um menino e quatro meninas, incluindo uma bebê de 9 meses nascida em solo capixaba — foi bombardeada, em Gaza, em meio aos conflitos com Israel. Depois de escapar por pouco da morte, a família teve de andar a pé, por horas, para chegar a um local com menor risco de ataques.
Desde a escalada de conflitos entre Israel e o grupo extremista Hamas, que começou no dia 7 de outubro, o pai luta para trazer a esposa e os filhos de volta para o Brasil. Por medo de sofrer preconceito, Ahmed (que preferiu não revelar o sobrenome) prefere não aparecer e vinha evitando até dar entrevistas. Agora, porém, ele resolveu falar com exclusividade à reportagem de A Gazeta e contar o drama vivido desde o início da guerra.
Ahmed fala poucas palavras em português. Aprender o idioma local é, inclusive, a principal prioridade para que ele possa se estabelecer no Espírito Santo. Ele tentou alugar um carro e trabalhar como motorista de aplicativo, mas conta que desistiu por causa da barreira da linguagem. Isso não impede, porém, que ele faça um apelo: "Eu quero que minha família chegue ao Brasil o mais rápido possível", clama o pai, ressaltando o apego à religião nesse momento difícil. A entrevista contou com a ajuda do líder religioso da Mesquita de Vitória, o xeique Mohammed Barakat, como tradutor.
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Num primeiro momento, ainda no início do conflito, a família optou por ficar em uma casa da cunhada de Ahmed, no Norte de Gaza. Nesse prédio, acreditavam estar seguros. Até que, em um dos dias de conflito, um bombardeio atingiu a fachada da frente do edifício – o estrago provocado pode ser visto na imagem principal da matéria.
"Elas estavam na parta de trás do prédio, por sorte. Se estivessem na frente, algo ruim poderia ter acontecido", conta o pai. "Logo depois do bombardeio, minha esposa tentou me ligar. Tremia muito, mal conseguia falar".
Além da fachada, as escadas que davam acesso ao térreo foram destruídas. Para deixar o prédio, a mãe e os cinco filhos precisaram pular do segundo andar. Para isso, contaram com a ajuda de vizinhos. Na queda, uma das crianças acabou se machucando. Depois, a família decidiu pedir ajuda da Embaixada do Brasil para ir até a região Sul de Gaza, onde o conflito é menos intenso.
A Embaixada brasileira, então, mandou um ônibus para resgatar a família e levá-la ao Sul de Gaza, com destino à casa alugada pelo Itamaraty para alocar brasileiros e refugiados que desejam deixar o país em conflito e vir para o Brasil. Durante o trajeto, porém, quando a mãe e os filhos passaram pela cidade de Nuseirat, se depararam com ataques que impediram o veículo de prosseguir.
Segundo Ahmed, ele recebeu uma ligação da Embaixada informando que a viagem havia sido interrompida, pois o caminho não estava seguro. No dia seguinte, outro ônibus foi enviado. Entretanto, como os conflitos continuavam, ainda não foi possível prosseguir. Foi, então, que a família fez o que talvez tenha sido a escolha mais difícil e angustiante, mas que julgou necessária pelo momento: deixar a cidade a pé.
"Para sair, eles falaram: 'não carrega nada. Se for carregar, que seja pouca coisa'. Ela pegou uma mochila, colocou fraldas, algumas roupas dos pequenos e leite. Não conseguiu carregar mais nada. Deixou todo o resto para trás", relata o pai.
Além de não poder carregar os próprios pertences, foi recomendado à família que, durante o trajeto a pé, apenas olhasse para o chão. Olhar para os lados e até mesmo para frente podia representar risco à mãe e seus filhos. "As crianças ajudavam a cuidar umas das outras, mas choravam muito. Para elas, andar mais que duas horas é muito difícil", observa Ahmed.
Durante as horas de caminhada, não havia modo de fazer qualquer tipo de comunicação. A mãe não podia pegar o celular, para não correr o risco de ser atacada. Além disso, ela estava sobrecarregada, com a bagagem e uma criança no colo. Ao longo desse tempo, sem receber informações da família, a angústia de Ahmed aumentava. Era impossível saber se todos estavam em segurança. Só depois de duas horas de trajeto, os aparelhos voltaram a captar algum sinal e o pai, enfim, recebeu boas notícias da esposa e dos filhos. Um carro enviado pela Embaixada do Brasil buscou a família, que foi levada para a casa na cidade de Rafah.
"Eu pensava que isso era um pesadelo e queria acordar desse pesadelo. Eu só queria receber uma notícia sobre elas", disse Ahmed, sobre o tempo que não conseguiu nenhuma comunicação com a família.
Recentemente, o Itamaraty confirmou que enviou uma lista com 86 nomes para serem analisados pelas autoridades de Israel e Egito, países que governam a fronteira por onde o grupo terá de passar para ser resgatado e poder voltar ao Brasil. De acordo com a família, no entanto, ainda não há informação se estão ou não nessa lista. Mesmo assim, dizem que vem recebendo ajuda da Embaixada, com as acomodações, a segurança e até em intermediar o contato entre Ahmed e a esposa, já que a comunicação na região é complicada.
Com pais árabes, a filha mais nova de Ahmed é capixaba. A bebê de 9 meses nasceu em Vila Velha. Mesmo assim, disse que não foi procurado por nenhuma autoridade de nenhum poder do Estado. Já o Sheik Mohammed Barakat contou que até chegou a ser procurado — sem revelar nominalmente por quem —, mas que não o informaram de algo que poderia ser feito. "Eles ligam querendo saber notícias e nós queríamos é que eles nos dessem notícias", afirmou. Eles destacam a atuação da professora Brunela Vieira de Vincenzi, presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos (CPDH) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), no auxílio da divulgação da situação da família.
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