Na família da estudante de ensino médio Raquel da Silva Moreira, 20 anos, ninguém tem ensino superior. Minha bisavó, avó e mãe não estudaram, pois, precisavam trabalhar. A baixa escolaridade virou uma herança de família. Uma herança que eu não quero, disse a jovem.
Cursando o 3° ano na rede pública, Raquel também começou 2020 fazendo cursinho preparatório para a prova do Enem. A jovem que sonha em cursar gastronomia, pois planeja abrir um restaurante depois do curso, teve que adiar os planos com a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Espírito Santo.
Vivendo em uma casa com 12 pessoas em Planalto Serrano, na Serra, Raquel viu a família ter dificuldade para colocar a comida na mesa depois que um tio, a avó e a mãe perderam o emprego devido à crise provocada pela Covid-19.
Precisei sair do cursinho para colaborar. Passei a fazer bicos e diárias de limpeza para ajudar. Também tenho um filho de 3 anos que fazia acompanhamento na APAE, que foi fechada por causa da Covid-19, contou a estudante, que não fará a prova do Enem 2020.
Além da falta de dinheiro, Raquel ainda encontra dificuldades para estudar com a casa cheia e ainda cuidar dos filhos.
Essas questões também fazem parte da vida de outros estudantes da rede pública que tiveram que abrir mão da prova do Enem 2020. Alguns até desistiram de vez de tentar o exame que, para muitos, é a única chance de conseguir acesso ao ensino superior.
No curso preparatório popular Risoflora, em Maria Ortiz, Vitória, o ano começou com 150 alunos matriculados de toda a Grande Vitória. Além de aulas para o Enem, também eram trabalhados temas como o jovem enquanto ator social, o contexto de cada aluno e o psicológico, o que sempre aproximou alunos, professores e coordenadores.
Mas logo veio a pandemia, em março, e a suspensão das aulas levou a saída de mais de 60 alunos. Eles não têm como estudar em casa, mesmo com aulas on-line. Não tem lugar, os pais não têm como ajudar, muitas famílias perderam a renda e os estudantes não têm cabeça para pensar em Enem ou precisam parar de estudar para trabalhar em alguma coisa, contou o coordenador do cursinho e professor de Geografia, Guto Oliveira.
Desde o fechamento em decorrência da pandemia, o Risoflorra passou a oferecer lives, transmitir aulas via plataforma on-line ou deixá-las gravadas no Youtube, no Instagram do cursinho ou ainda encaminhando materiais e também corrigindo redações.
Com a chegada da pandemia, passamos a trabalhar com o sistema de tutoramento, cada professor coordena um grupo de alunos para lidar com as dificuldades, problemas pessoais e acompanhar o andamento. Mas as dificuldades são grandes: falta de computadores, ausência de ambiente adequado, problema financeiro e instabilidade emocional. Fora isso, ainda tem que lidar com parentes com a Covid-19, afirmou.
Na Serra, o cursinho popular Pupt Mais foi obrigado a fechar as portas desde o decreto estadual deixando mais de 270 alunos da rede pública sem preparação para o Enem. Na tentativa de ajudar, alguns professores se reuniram voluntariamente para dar aulas on-line, com horário semanal.
Atualmente, a média de alunos que acompanham as aulas, ainda com muita dificuldade, é de 70 a 80 alunos. Tem quem não tenha computador, outros não tem internet, por isso só conseguimos atingir uma pequena parte. Alguns não trabalham e estão longe da escola, completamente parados e passam a se apegar às aulas on-line que damos, disse o professor de matemática e física Wagner Sandre, que reuniu os professores voluntários.
A maioria dos alunos mora em periferia, não tem boas condições de moradia. Observando toda a educação pública, a falta de internet é um grande motivo para as desistências durante a pandemia, fora defasagem, problemas sociais que se agravam, violência dentro de casa, isso desestimula. O futuro está meio incerto, mas não desistimos dos estudantes, contou Guto Oliveira, coordenador do Risoflora.
Apesar de adiá-los, nem mesmo uma pandemia é capaz de apagar sonhos. Eu quero dar um futuro melhor para minha família, em especial para os meus filhos. Por isso, desistir é uma palavra que não existe para mim. Hoje é difícil, mas ano que vem vou voltar ao cursinho, vou tentar Enem e vou entrar na faculdade, enfatiza a estudante Raquel.
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