Após uma nova decisão judicial que o impede de realizar cultos na Igreja Batista da Praia do Canto (IBPC), em Vitória, o pastor Usiel Carneiro de Souza resolveu que não estará à frente da celebração neste domingo (12) à noite, mas ressaltou que apenas deixará a comunidade se este for o desejo dos fiéis. A sua atuação foi contestada na Justiça por um grupo de 25 pessoas. Contudo, Usiel tem recebido o apoio de mais de 400 membros desde que as divergências internas da igreja tornaram-se públicas há pouco mais de um mês.
Em uma live neste domingo, mais de 250 pessoas ficaram, simultaneamente, acompanhando a manifestação do pastor, que relembrou toda a ação contra a sua liderança religiosa. Usiel trata o movimento como perseguição, posicionamento endossado pelos seguidores enquanto ele fazia a transmissão pelo Instagram pessoal, já que não pode usar o da igreja.
"Esta é uma live de desabafo, de indignação, mas vamos seguir firmes. Eu ainda acredito na Justiça", afirmou o religioso, durante a transmissão.
Antes, o pastor Usiel havia comentado sobre a sua surpresa com a nova decisão judicial, em primeiro grau, considerando que já existe um recurso em instância superior para ser apreciado. Além disso, a liminar foi concedida na sexta-feira (10) à noite, após o expediente normal, o que lhe causou estranheza.
Conforme antecipado pelo colunista Leonel Ximenes, na nova liminar, o juiz Jaime Ferreira Abreu, da 3ª Vara Cível de Vitória, agrava as sanções da primeira decisão, determinadas em outubro, com uma multa diária de R$ 10 mil pelo descumprimento.
Sobre a tese de que estaria contrariando as doutrinas batistas, Usiel ressaltou que, desde que lhe fizeram a acusação, não conseguiram comprovar que sua liderança religiosa desrespeitou os princípios do Evangelho, ou que fez qualquer afronta aos ensinamentos de Jesus, que prega o amor ao próximo.
Inclusive, durante a sua manifestação na rede social, o pastor pediu que os fiéis não se deixem contaminar pelo ódio aos perseguidores. Usiel disse que ele mesmo tem orado a Deus para não guardar esse sentimento em seu coração em relação àqueles que o querem fora da igreja. Ele admite que não confia, nem consegue se imaginar com amigo do grupo que o acusa, mas considera que o ódio não é um sentimento para ser alimentado.
"Não se abalem, nem permitam que o ódio domine. Vamos reagir, mas no espírito do Evangelho", frisou.
O culto deste domingo será celebrado pelo pastor Wagner, a quem Usiel se referiu como um amigo. Ele pediu que todos os seguidores da live compareçam à celebração e disse que, embora se sinta triste com a situação, está em paz sobre todas as suas condutas e que, no momento, irá se recolher. Usiel afirmou que espera uma nova decisão da Justiça que o reconduza à igreja, porém ressaltou, mais de uma vez, que apenas deixará de ser pastor se os fiéis não o quiserem mais com líder religioso.
Uma disputa entre conservadores e progressistas é o pano de fundo para o conflito na Igreja Batista da Praia do Canto. O grupo de 25 pessoas conseguiu na Justiça fazer cumprir uma determinação da Convenção Batista Brasileira (CBB) de afastar o pastor Usiel Carneiro do comando da instituição pelo que entendem como "desvio de doutrina batista".
O grupo de 25 pessoas, algumas delas fundadoras da igreja e participantes antigos da comunidade batista da Praia do Canto, recorreu em 2022 à CBB após terem sido expulsos do quadro de membros. Elas reclamam de "desvios doutrinários" praticados pelo pastor, como o uso de teólogos de outras religiões no material didático aplicado no Instituto Bíblico e o acolhimento de pessoas e casais homossexuais na igreja, inclusive em posições de destaque, desrespeitando, na avaliação desse grupo, as escrituras sagradas.
No documento enviado à CBB, eles afirmam que há relatos de que o pastor Usiel "estaria aceitando tais práticas (homossexualidade) e aconselhando membros de famílias tradicionais da igreja a admitirem tal prática". Além disso, o pastor teria permitido que um homem gay ministrasse cânticos e louvores na igreja.
O pastor se defende e diz que o grupo é contra uma leitura das escrituras mais moderna e inclusiva. "A minha postura pastoral insere uma atitude de acolhimento e respeito com as pessoas. Eu compreendo a igreja como espaço em que toda em qualquer pessoa que nela desejar estar pode estar para receber instrução espiritual, cuidado, ensino. Porém, não é assim que esses líderes pensam", constatou, em entrevista para A Gazeta no mês passado.
Além disso, ele acredita que pesa o fato de, pessoalmente, ter um posicionamento político mais alinhado à esquerda. "Não sou partidário, não sou petista, mas me alinho com a ideia de um Estado maior, que dá mais assistência ao pobre. Eu não me posiciono politicamente na igreja. Eu como cidadão me vejo livre, e a igreja abraça essa perspectiva; eu me posiciono nas redes sociais".
A disputa tem ainda um ingrediente material. O estatuto da IBPC afirma que, caso haja um racha ideológico na instituição, um conselho formado por 15 pastores das igrejas pertencentes à Convenção Batista Brasileira tem que definir qual dos grupos segue corretamente a doutrina batista. Esse grupo terá direito a usar o nome da igreja e o espaço físico onde ela está instalada.
Foi com base nesse dispositivo que o grupo de 25 pessoas pediu que o caso fosse analisado pelo concílio da CBB. Como o pastor Usiel e o conselho da IBPC não reconheceram a legitimidade das pessoas para ingressarem com o pedido, eles ignoraram o processo e foram julgados à revelia.
Em 6 de setembro de 2022, o pastor Hilquias Paim, presidente do Concílio Decisório e da CBB, assinou a sentença revertendo a expulsão dos 25 fiéis e alegando que eles são o grupo que permanece firme às práticas e doutrinas batistas.
Segundo a decisão, "há quebra de preceitos doutrinários por parte do pastor da igreja e seus ensinos e práticas não estão em harmonia com os princípios emanados da DDCBB (Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira)". Diz ainda que, "conforme provas testemunhais, a pregação e os ensinamentos do pastor Usiel Carneiro de Souza não mais evidenciam aquilo que creem os batistas."
Como o ministério do pastor Usiel não reconheceu a decisão nem deixou a liderança da igreja, foi movido um processo judicial para fazer cumprir o estatuto da instituição.
"Eu entendo esse processo que gerou esse concílio como um movimento politicamente articulado com o objetivo de me prejudicar, de me tirar da igreja, até porque se trata de uma igreja de muita expressão, uma igreja num bairro nobre, há interesse nisso. Talvez se eu fosse pastor de uma igreja da periferia, isso não estivesse acontecendo, mas sendo pastor de uma igreja tão visível, a minha presença incomoda", avaliou o pastor.
Segundo membros da igreja ouvidos por A Gazeta, a expulsão do grupo de 25 fiéis aconteceu depois que eles teriam promovido uma campanha de difamação contra o pastor pelo WhatsApp. Ao serem confrontados em audiência pública, que durou mais de quatro horas, eles não recuaram e foi aberto um procedimento disciplinar interno contra esse grupo. Depois, o conselho decidiu pela expulsão do grupo.
À CBB, eles afirmam que o julgamento não foi justo, já que alguns membros do conselho eram também alvo das denúncias de "desvio de doutrina" e teriam interesse direto em se beneficiar, sendo impossibilitados de tomar uma decisão imparcial no assunto.
Pastor Usiel foi eleito pastor-presidente da Igreja Batista da Praia do Canto em 2013. Segundo ele, não há racha ideológico na congregação, que conta atualmente com cerca de 360 membros. Mas ele admite que há um racha ideológico na comunidade evangélica "entre aqueles que se consideram fundamentalistas ou mais conservadores e aqueles que se consideram mais progressistas ou liberais", pontuou.
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