A ação policial que resultou na morte de um adolescente de 17 anos, em Pedro Canário, levantou dúvidas a partir das imagens de câmeras de videomonitoramento que registraram o momento dos tiros. Uma delas é se Carlos Eduardo Rebouças Barros estava algemado ou não e quantos tiros foram efetuados pelo policial em direção a ele.
O caso ocorreu na última quarta-feira (1°) e os cinco policiais envolvidos na ocorrência foram detidos, passaram por audiência de custódia e tiveram a prisão mantida. No boletim de ocorrência registrado pelos PMs, consta que o rapaz teria colocado a mão na cintura, "na tentativa de sacar uma arma de fogo", mas o vídeo mostra que o adolescente não oferecia resistência.
A ocorrência segue com a versão de que o adolescente de 17 anos teria efetuado quatro disparos em direção a um dos policiais. O militar, então, afirma ter feito seis disparos contra o suspeito, mas não soube dizer quantos tiros acertaram o rapaz.
O perito em computação forense e professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mario Gazziro analisou as imagens captadas por uma câmera de videomonitoramento e disse considerar inconclusivo dizer que a vítima estava algemada ou armada, a partir do vídeo divulgado.
Como as imagens não têm muita qualidade, por terem sido filmadas a partir de uma tela, de acordo com Gazziro, não é possível confirmar se o que prendia a mão do adolescente era uma algema. O professor destaca que, nesse ponto do vídeo, foi possível averiguar que houve um borramento, ou seja, uma falta de nitidez.
Segundo explicou o professor, o vídeo divulgado sofreu edição, tendo sido borrado o rosto do policial, bem como a área das mãos. Os artefatos de compressão que provariam a edição só podem ser obtidos a partir do vídeo original, e não através de uma cópia da tela filmada por um celular ou outra câmera. "Claramente percebe-se o borramento naqueles trechos e o mesmo não acontece em outras partes do vídeo, nos mesmos instantes de tempo", disse.
A respeito do número de tiros, Gazziro diz ser possível observar que foi efetuado mais de um disparo. "É possível ver a reação corporal da vítima ante ao que seria o primeiro ou os primeiros impactos, muito antes do único 'clarão' apresentado no vídeo. Porém, pelo mesmo problema anterior, de ser uma filmagem de tela e não vídeo original, não foi possível comprovar se houve uma eventual edição para apagar os clarões anteriores", comenta.
Sobre a possibilidade de o rapaz estar armado, o professor de Direito e de Segurança Pública da UVV Henrique Herkenhoff, ao visualizar a ação policial no vídeo, disse considerar improvável o rapaz ter outra arma na cintura, principalmente pelo tipo de roupa que estava usando.
“É absolutamente improvável que a vítima tenha tentado atirar neles, uma vez que os policiais dominaram o indivíduo e não é possível acreditar que não tenham revistado ele ao algemar ou imobilizar as mãos”, detalha.
Além disso, o professor observa que um dos policiais que estava tomando conta do rapaz e, depois, seguiu em direção à viatura nem sequer olha para trás quando o colega efetua os tiros. "Ele está com atitude corporal de cumplicidade de que sabia o que ia acontecer. Ele não olha para trás, o que seria o reflexo natural para ver o que está acontecendo", afirma Herkenhoff.
Carlos Eduardo Rebouças Barros, de 17 anos, foi baleado e morto por um policial militar na manhã de quarta-feira (1º), no bairro São Geraldo, em Pedro Canário. Uma câmera de segurança flagrou toda a ação. No vídeo, o suspeito aparece já rendido e, mesmo assim, é alvo do disparo de arma de fogo à queima-roupa.
Em um primeiro momento, as imagens mostram o rapaz sentado. Depois, ele se levanta, parece conversar com o policial e se aproxima de um muro. O PM segue com a arma apontada, até que realiza os disparos. A vítima cai no chão e o policial se afasta.
De acordo com o boletim de ocorrência, Carlos Eduardo tinha passagens criminais e estaria com uma arma antes do momento que aparece no vídeo. Depois de ferido, ele foi levado ao Hospital Menino Jesus, na mesma cidade, mas já chegou morto.
O adolescente morava no bairro São Geraldo, segundo a ficha dele na Polícia Civil, e havia completado 17 anos no final de 2022.
Na ficha constam vários boletins de ocorrência já registrados contra ele. Conforme a PC, Carlos Eduardo teve a primeira passagem registrada em dezembro de 2017, por crime análogo a dano ao patrimônio.
A mais recente, no dia 9 de fevereiro deste ano, foi por tentativa de homicídio com arma de fogo.
Ao longo desse período, também foi acusado de ameaça, posse e uso de maconha, porte ilegal de arma e tráfico de drogas, conforme o colunista Leonel Ximenes já havia antecipado em sua coluna.
Na ficha consta, ainda, que ele tinha o ensino fundamental completo e, na época em que foi registrado o documento, apresentava lesão porque teria resistido à ação policial.
No mesmo dia, os cinco policiais envolvidos foram presos em flagrante e tiveram a prisão convertida para preventiva, na quinta-feira (2).
Segundo consta na audiência de custódia, o Ministério Público Militar se manifestou pela conversão da prisão em flagrante para preventiva para resguardar a investigação e a vida dos indiciados.
"Nesse primeiro momento, temos conhecimento apenas do APFD (auto de prisão em flagrante delito), os vídeos que tivemos conhecimento apenas é o que constou no WhatsApp, tem sido divulgado amplamente pela imprensa, trazendo grande repercussão. No primeiro momento, os acusados usaram o direito ao silêncio, o que não traz prejuízo a eles, porque os fatos serão todos investigados. Mas, neste momento, para resguardar a investigação e inclusive a vida dos indiciados, em virtude da comoção que o caso gerou, o MP entende que há elementos para converter o flagrante em prisão preventiva. Requer, portanto, a conversão do flagrante em prisão preventiva e a instauração do inquérito policial militar”, escreveu na manifestação.
Já a defesa escreveu que a repercussão de um caso nunca foi motivo para a decretação de prisão preventiva e pediu a liberdade de todos os envolvidos, com aplicação de medida cautelar cabível. Destacou ainda que os militares recebem diversos elogios e que não respondem a qualquer processo criminal.
"Trata-se de cinco militares com diversos elogios nas fichas funcionais, como destaque operacional. Havendo, inclusive, manifestações contrarias à prisão na localidade de sua atuação. Todos com anos de serviços prestados à sociedade capixaba, não respondem a qualquer processo criminal, tendo assim bons antecedentes e preenchendo os requisitos para responderem em liberdade. Não há qualquer prejuízo ao devido processo legal e eventuais testemunhas, uma vez que a conduta funcional dos acusados demonstra não serem pessoas perigosas", disse a defesa.
Na decisão, o juiz entendeu que os fatos merecem rigorosa apuração e que não há dúvida se tratar de crime militar. Além disso, escreveu que a ocorrência atenta contra a garantia da ordem pública, que cabe aos policiais militares assegurar.
"Ademais, há pontos a serem esclarecidos por meio de investigação, como requereu o MPM (Ministério Público Militar), e esta deverá se desenrolar da maneira mais escorreita possível, sem qualquer entrave ou empecilho a ser criado por quem quer que seja. Ademais, a surpresa geral e também no seio do efetivo com o resultado dessa diligência contribui para se colocar em dúvida os preceitos de hierarquia e disciplina que devem nortear a ação policial militar, porque neste momento não se tem certeza, por exemplo, sobre quem efetuou os disparos, cabendo aos mais antigo da guarnição a obrigação legal de evitar o dano. Assim, considero que a segregação dos indiciados neste passo é necessária e favorecerá a elucidação dos fatos. Por este motivo, decreto a prisão preventiva", escreveu o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta