O que se sabe sobre caso de idoso morto por advogado na Mata da Praia
Morto na noite de sábado (20) com um tiro na cabeça, Manoel de Oliveira Pepino já tinha desavença com o principal suspeito, o advogado Luis Hormindo França
Publicado em 22 de abril de 2024 às 18:18
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Imagens de câmera de videomonitoramento mostram troca de tiros em que Manoel Pepino (destaque) foi morto. (Divulgação/Redes Sociais)
Uma discussão entre dois tutores de cachorros deu início a uma troca de tiros e culminou na morte de um dos atiradores, no último sábado (20), na Mata da Praia, em Vitória. O aposentado Manoel de Oliveira Pepino, de 73 anos, levou um tiro na cabeça e morreu após uma confusão com o advogado Luis Hormindo França Costa, de 33 anos, que foi preso após o assassinato.
O caso provocou repercussão, dentro e fora do Estado, com críticas do secretário de Estado da Segurança, Eugênio Ricas, à cena de faroeste na Mata da Praia e do governador Renato Casagrande (PSB), que lamentou a facilidade de acesso às armas e a cultura da violência presente na sociedade.
Entenda o que se sabe até agora sobre o caso, conforme versões da família do aposentado e da defesa do advogado.
Cachorro solto e discussão na porta de casa
Na noite de sábado (20), Manoel Pepino estava na porta de casa, acompanhado da esposa, Marilia, e do cão da família, chamado Lobo, da raça malamute-do-Alasca. Mesmo sendo de grande porte, o cão estava sem coleira e focinheira, o que, de acordo com a Lei 8.121/2011, é proibido em Vitória. Ao mesmo tempo, Luis Hormindo passeava na mesma região com outro cachorro, guiado por coleira.
Ao passar pelo casal, a discussão teria começado após Lobo ter ido cheirar o cão de porte menor, o que irritou Luis.
Tanto Marilia quanto o advogado Leonardo Gagno, que atua na defesa de Luis Hormindo, afirmaram que a discussão ocorrida no sábado (20) não foi a primeira desavença entre o aposentado e o advogado, por causa dos cachorros.
De acordo com Leonardo Gagno, seu cliente já havia discutido com Manoel Pepino há cerca de um mês. Na ocasião, Luis Hormindo teria reclamado do fato de Lobo estar solto e sem coleira na rua, e o aposentado não teria gostado da advertência feita pelo vizinho.
Ameaças e armas durante a briga
Há diferentes versões sobre a discussão do último sábado entre Luis Hormindo e Manoel Pepino.
Esposa do aposentado, Marília Pepino disse, em entrevista ao repórter Caíque Verli, da TV Gazeta, que ela e o marido haviam saído à noite para sentar na praça junto com o cachorro. Ela admitiu que o cão não estava na coleira, mas salientou que ele é dócil. Foi quando, segundo ela, Luis Hormindo chegou, levando outro cachorro pela coleira.
"Ele parou, o Lobo foi cheirar o cachorro dele e ele começou a dizer: 'Seu velho, você ainda vai se dar mal. Eu já pedi para você colocar esse cachorro na coleira'. Aí meu marido falou: 'O seu cachorro é bravo. Ele não, ele é dócil'. E aí começou a discussão, ofensas, muito xingamento da parte dele", relata Marilia.
Ela ainda cita que o advogado estava armado e teria ameaçado Manoel, que, depois disso, teria ido pegar uma arma dentro da casa deles.
De acordo com a defesa do advogado, a discussão de sábado teria acontecido entre Luis Hormindo e Marília. "A esposa do seu Manoel começou a atacá-lo com palavras. O seu Manoel correu dentro de casa para pegar um revólver e, quando voltou, já voltou atirando nele", diz Leonardo Gagno.
Gagno também ressalta que Lobo, por estar solto e sem coleira, sempre atacava outros cachorros na praça do bairro.
Por outro ângulo, já depois dos disparos iniciais, Luis passa por um carro, enquanto segura seu cachorro. Com arma em punho, dá as costas para a área onde Manoel estava. Em uma fração de segundos, o aposentado passa por uma árvore e a troca de tiros se reinicia, até que Luis acerta a cabeça do vizinho. Na confusão, Lobo também foi atingido por um tiro em uma das patas.
O cão foi levado ao veterinário e já está sob os cuidados da família de Manoel.
Apesar das imagens da câmera, não é possível identificar quem disparou o primeiro tiro.
Na versão da defesa de Luis Hormindo, Manoel Pepino teria corrido para casa e pegado um revólver. "Quando voltou, já voltou atirando nele. Ele (Luis Hormindo) precisou correr para se proteger", diz Leonardo Gagno.
O advogado relata ainda que Luis também atirou, enquanto corria dos disparos feitos pelo aposentado. "Ele atirou também, mas não acertou o seu Manoel. Seu Manoel não se deu por satisfeito, continuou atrás dele e atirou de novo. E, aí sim, ele (Luis Hormindo) dispara mais uma vez e acerta o seu Manoel", afirma Gagno.
Viúva do aposentado, Marília Pepino afirma que Luis Hormindo já estava armado e teria atirado primeiro, após a discussão. "Ele disse: 'Eu mato esse cachorro e mato você'. E meu marido veio pegar a arma. Eu falei com ele (com o advogado): 'Vai embora, por favor, meu marido foi pegar a arma'. Ele disse: 'Não! Vamos ver quem morre primeiro. Vamos ver quem fica com a boca cheia de formiga'. Meu marido desceu com a arma na cintura, não desceu com a arma em punho. O primeiro tiro veio, e aí meu marido revidou", relata Marília.
Polícia é chamada e socorro é acionado
Advogado Luis Hormindo França Costa, suspeito de matar idoso após discussão por cachorros. (Reprodução)
Ao notar que o vizinho havia sido atingido por um dos disparos, Luis Hormindo permaneceu no local. Conforme captado por câmeras de videomonitoramento da região, o próprio advogado acionou a Polícia Militar (PM) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
A gravação captou o diálogo de Luis Hormindo ao ligar para a emergência: "Eu reagi, ele pegou a arma e atirou em mim. Eu reagi. E ele morreu. Eu preciso de ajuda urgente, pelo amor de Deus! Ele veio atrás de mim com uma arma, eu reagi e ele morreu. Pelo amor de Deus, eu preciso de ajuda".
O Samu já foi acionado, mas Manoel já estava morto quando o serviço de urgência chegou ao local.
De acordo com a PM, Luis alegou ter sido vítima de tentativa de homicídio, apresentou seus documentos e o documento da arma que usou durante a troca de tiros. Na sequência, foi encaminhado à 1ª Delegacia Regional de Vitória, no Horto.
Na delegacia, de acordo com a Polícia Civil (PC), Luis foi autuado em flagrante por homicídio e por ato de abuso contra cão, sendo levado inicialmente ao Presídio Militar, no Quartel da PM, em Maruípe.
Prisão do advogado
Na manhã de domingo (21), Luis passou por audiência de custódia, onde teve a prisão convertida para preventiva, sendo encaminhado para a Penitenciária de Segurança Média 1, em Viana, onde permanece, de acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).
Viúva diz que advogado atirou primeiro
Defesa diz que Luis Hormindo quis se proteger
Autoridades pedem diálogo e cultura de paz
Diante do caso, o secretário de Estado da Segurança Pública do Espírito Santo, Eugênio Ricas, se manifestou pedindo a evidenciação da necessidade de diálogo e cultura da paz. Por meio de suas redes sociais, Ricas destacou ainda que a cena se assemelhou a um "faroeste" no meio do bairro com mais de 30 tiros disparados.
Assim como Ricas, o governador Renato Casagrande (PSB) usou as redes sociais para expressar sua posição diante do caso. “A troca de tiros em um bairro nobre de Vitória que resultou na morte de um dos envolvidos evidencia a cultura da violência presente na sociedade. Também é preciso registrar que a facilidade de acesso às armas torna desentendimentos entre as pessoas momentos de risco extremo. Combater a violência é dever do Estado, mas também de cada um de nós”, escreveu o chefe do Executivo capixaba, por meio do X, antigo Twitter.
A troca de tiros em um bairro nobre de Vitória que resultou na morte de um dos envolvidos evidencia a cultura da violência presente na sociedade. Também é preciso registrar que a facilidade de acesso às armas torna desentendimentos entre as pessoas momentos de risco extremo.…
Por sua vez, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES), José Carlos Rizk, frisou ser necessário mais respeito, diálogo e tolerância para que casos como a morte em Mata da Praia não se repitam. Na publicação, realizada domingo (21) no Instagram, ele disse ainda que esses três fatores ajudam para que discussões não resultem em tragédia.
Na manifestação, o presidente informou ainda que a OAB-ES só irá se manifestar após as conclusões das autoridades policiais, já que um integrante da Ordem é o principal suspeito do caso.
O que ainda precisa ser esclarecido?
Segundo Eugênio Ricas, secretário de Estado da Segurança, ainda é necessário entender quem, de fato, atirou primeiro e se a reação foi proporcional.
“Será feita uma análise dos vídeos que estão sendo colhidos para que seja feita essa averiguação. Além disso, testemunhas estão sendo ouvidas. Com relação à autoria e materialidade, já não há qualquer dúvida, mas as circunstâncias ainda precisam ser analisadas com mais precisão”, aponta Ricas.