Trechos da prisão em flagrante do advogado José Miranda Lima, 69 anos, no sábado (2), estão registrados em vídeo. Além dos sinais de embriaguez, que posteriormente foram confirmados no teste do bafômetro, profere ofensas de cunho racista a um dos policiais presentes na abordagem. Após audiência de custódia, realizada no domingo (3), porém, ele deixou o Centro de Triagem de Viana (CTV) sem pagar fiança.
A liberdade concedida, no entanto, é provisória. Uma série de medidas cautelares foram decretadas e, caso alguma delas seja descumprida, José pode ser preso preventivamente. Numa eventual condenação pelos crimes dos quais é acusado, a pena pode chegar a 6 anos de prisão em regime fechado, na esfera criminal, além de punições administrativas, como perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), não poder mais exercer mais a advocacia e multa.
Especialistas ouvidos pela reportagem de A Gazeta explicaram os motivos que levaram o juiz Luiz Guilherme Risso a conceder a liberdade provisória a José Miranda da Lima sem necessidade de pagar fiança, mesmo com os registros em vídeo e a prisão em flagrante pelo crime de injúria racial, cuja legislação se tornou mais rígida após a atualização recente da Lei nº 14.532/23.
Primeiramente, é importante lembrar que o advogado, mesmo preso em flagrante, ainda não foi condenado. Por isso, ainda é tratado como suspeito. "Não se pode decretar uma prisão preventiva para antecipar cumprimento penal. Ele ainda terá o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa", lembra o advogado criminalista e mestre em Direito pela Universidade Gama Filho Josmar Pagotto.
Mesmo que a prisão em flagrante não tenha sido convertida em preventiva, no termo da audiência de custódia o juiz considera que a atuação da polícia foi perfeita. "Constato que não existem vícios formais ou materiais que venham a macular a peça, razão pela qual considero a prisão em flagrante perfeita e sem vícios", diz o texto, que também deixa claro que José não relatou ter sofrido tortura ou qualquer outra agressão física ou moral no ato da prisão por nenhum agente de segurança.
O advogado Sandro Câmara lembra que a prisão é um regime de exceção. Antes de ser condenada, uma pessoa só permanece presa em algumas situações. "Ele (José Miranda) tem bons antecedentes, residência fixa e emprego lícito. Até a idade dele é um fator que favorece a não aplicação de prisão nesse caso. Há medidas menos gravosas a serem adotadas nesse momento. Então, acredito que a prisão seria um excesso", opina Câmara.
Josmar Pagotto explica que as características do crime também corroboram a decisão do juiz. "Não é um crime violento. Esse tipo de benefício (liberdade provisória) não se concede quando estamos lidando com organizações criminosas, pessoas armadas ou reincidentes", explica o especialista.
Argumentos semelhantes embasaram a decisão judicial. "À luz do que garante a Constituição da República, ninguém será levado à prisão, ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Portanto, é indubitável que a prisão anterior à sentença condenatória é medida de exceção", argumenta o juiz Luiz Guilherme Risso na decisão.
A legislação que trata do crime de injúria racial foi atualizada no ano passado, por meio da Lei nº 14.532/23, equiparando o delito ao crime de racismo e o tratando como crime inafiançável. Por isso, o juiz não arbitrou nenhum valor a ser pago pelo suspeito, como explica Josmar Pagotto. "Ele não lidou com fiança, porque não é cabível. Não tem dinheiro nenhum que pague essa conta", destaca.
O fato de um crime ser inafiançável remete a um enrijecimento da legislação. No caso do advogado preso na Praia do Canto, no entanto, o dispositivo pareceu beneficiá-lo, já que ele obteve a liberdade sem a necessidade de pagamento algum. O advogado criminalista Flávio Fabiano explica que o pagamento de fiança é uma medida adversa à prisão e não deve ser encarada como um modo de penalizar.
No caso de José Miranda, as seguintes medidas cautelares foram aplicadas pelo juiz:
Outro ponto que merece destaque é que a decisão do juiz atendeu ao pedido do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Segundo consta do termo da audiência de custódia, o promotor de Justiça Rafael Calhau Bastos requereu "a concessão de liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares, incluindo a proibição de conduzir veículo automotor", diz trecho do texto.
"O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informa que não foi requerida a prisão preventiva do custodiado por ele ser primário e portador de bons antecedentes e por não estarem presentes, naquele momento, os requisitos estabelecidos na lei para o requerimento da prisão preventiva, pois não havia risco para a ordem pública, para aplicação da lei penal ou por conveniência da instrução criminal. Nada obstante, o MPES requereu à Justiça a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, como recolhimento obrigatório em domicílio após determinado horário, proibição de dirigir e proibição de frequentar determinados locais, o que foi deferido pelo juiz", diz nota do MPES enviada à reportagem.
Como antecipado pelo colunista de A Gazeta Leonel Ximenes, o advogado José Miranda Lima está impedido de advogar pelos próximos 30 dias. "Decidi agora pela manhã, ouvindo o conselho seccional, que em sua maioria de votos autorizou a suspensão por 30 dias do advogado visando à apuração dos fatos”, explicou José Carlos Risk, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES), em entrevista à coluna. A suspensão pode ser prorrogada por mais um mês.
Josmar Pagotto explica que o advogado José Miranda pode ter que responder perante o tribunal de ética e disciplina da OAB. Caso seja considerado que a conduta foi infamante, ele pode ser penalizado de diversas formas, que vão desde censura até exclusão da Ordem.
O advogado José Miranda, de 69 anos, foi preso por dirigir embriagado, bater em um carro e ainda proferir ofensas de cunho racista contra um policial militar durante abordagem na noite do último sábado (2), em Vitória. Conforme o boletim de ocorrência da Polícia Militar, tudo começou quando um motorista abordou uma equipe que estava na Avenida Dante Michelini para informar que o condutor de um Ford Fusion havia batido no carro dele, danificando o retrovisor, e seguido em alta velocidade pela Rodovia Norte Sul fazendo manobras arriscadas.
Os policiais foram procurar o veículo e o encontraram trafegando por Jardim da Penha. O carro foi perseguido desde a Ponte de Camburi, mas só parou na Avenida Saturnino de Brito, na Praia do Canto. O motorista desceu e, segundo o relato do boletim de ocorrência, aparentava estar bêbado. Ele se apresentou como advogado, questionou o porquê de ter sido abordado e, após ser questionado, José confirmou que havia bebido durante uma confraternização em Jardim Camburi.
Foi realizado o teste do bafômetro, que deu positivo. Durante a abordagem, os policiais relataram que o advogado dizia a todo momento que os militares envolvidos na ocorrência iriam se dar mal, já que ele conhecia autoridades. José ainda xingou e proferiu falas de cunho racista direcionadas a um agente, enquanto era colocado no compartimento de segurança da viatura.
O suspeito foi levado para a Delegacia Regional de Vitória e autuado em flagrante por "conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, desacato a funcionário público e injúria racial". Ele foi encaminhado para o Centro de Triagem de Viana (CTV).
As equipes de reportagem de A Gazeta e da TV Gazeta tentaram contato com a defesa, familiares e com o próprio José Miranda, mas não obtiveram retorno.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta