Na última quinta-feira (30), um homem de 25 anos foi baleado na altura da Ponte da Passagem, em Jardim da Penha, em Vitória. Testemunhas contaram que a vítima era um morador de rua. No início de julho, um morador em situação de rua morreu após ser queimado enquanto dormia no bairro Itararé, também na Capital.
Profissionais que pesquisam o tema ou realizam algum tipo de atendimento a esse público atestam uma escalada dos registros de ameaça, agressão física e de assassinato de homens e mulheres que vivem nas ruas da Grande Vitória.
Somando Vitória, Cariacica, Vila Velha e Serra há 932 pessoas nesta situação na região metropolitana, segundo as prefeituras. Mas por que os moradores de rua têm sido alvos constantes de ataques criminosos na Grande Vitória?
O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Igor Robaina, acompanha a população em situação de rua da Grande Vitória desde 2016. Ele afirma que a questão de violência e morte desse público não são recentes.
Na avaliação dele, os casos refletem sérios problemas relacionados à democracia, cidadania, questões vinculadas à intolerância e movimentos radicais de conflitos. O professor pontua que a escalada de violência e morte tem aumentado desde outubro e novembro do ano passado, tendo crescido com maior velocidade neste período de crise econômica e com a chegada da pandemia do novo coronavírus.
Robaina destaca que se caso um cidadão domiciliado fosse morto queimado em algum espaço público, o crime teria impacto na mídia e nas redes sociais, além de resultar em um esforço para identificar e punir os culpados pela barbárie.
O que a gente vê são esses eventos brutais que têm acontecido na Grande Vitória e por outro lado uma certa naturalização. Não há uma sensibilização ou uma revolta por parte da população. É como se a morte fizesse parte da própria situação de rua. Isso tem uma trajetória. Do espaço domiciliado ao espaço das ruas e do espaço das ruas ao espaço da morte. E assim, ao desaparecimento, conclui.
A psicóloga e colaboradora do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), Lidiane Reis, também acredita que os atos de violência podem estar relacionados com a pandemia e a sensação da sociedade de que os moradores de rua podem ser responsáveis pela transmissão da Covid-19.
Lidiane acredita que o desafio é transformar a mentalidade da sociedade. A mudança deve acontecer, mas não a partir da perspectiva da periculosidade. Como fazer é um grande desafio, mas temos de ter canais de comunicação, de diálogo mais aberto. Trabalhar a questão da oportunidade a essa população é muito importante também, diz.
Victor Oliveira Ribeiro atua na Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e é membro do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da DPES. Ele acompanha os casos de violência e diz que apontar uma motivação não é uma tarefa simples, uma vez que não há informações policiais atualizadas sobre os casos registrados.
Acho que a população em situação de rua assusta. O que assusta é ver a profunda igualdade e fragilidade da nossa vida humana, porque aquela pessoa também pode ser eu. É assustador ver outro humano pedindo. Então eu acho que o agressor projeta toda essa hostilidade que cada um nutre dentro de si em face daquela pessoa agredida, supõe.
A violência interpretada como uma construção social. É o que defende a doutora em História e Sociologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rosana Schwartz. Pesquisadora do tema, ela explica que o Brasil vive um momento autoritário em que um determinado grupo de pessoas olham outros grupos como se fossem coisas, não pessoas.
Qualquer tipo de violência contra os seres humanos é construída historicamente. Esse grupo ou pessoa pensa: ele me incomoda, não quero ele lá. Vou lá, bato nele e tiro ele. Isso não é só com morador de rua, também acontece no caso da homoafetividade. Essa intolerância com quem está saindo dentro do discurso imposto por uma relação de poder num determinado momento histórico aflora toda essa violência, argumenta.
Por causa da violência, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) encaminhou ofício à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) questionando, além do andamento das investigações dos crimes praticados no mês de julho, o progresso de atos anteriores ocorridos no início de 2020 e em 2019.
O defensor público Victor Oliveira Ribeiro é um dos responsáveis pelas perguntas enviadas ao governo estadual. Ele explicou que o objetivo da Defensoria é proteger os direitos humanos das pessoas vulneráveis econômica, social e culturalmente.
Há uma escalada na violência contra essas pessoas em situação de rua. Há ou não investigação? Nossa preocupação é que essas investigações estejam mais morosas. Primeiro, por um aspecto burocrático, muitos inquéritos policiais para poucos delegados. Mas também tem outro, que é a falta de um clamor popular para saber quem está provocando essa higienização social. A população em situação de rua já não é bem quista socialmente por nenhum setor, avalia.
O defensor informou que, caso o oficio seja respondido, o teor do documento será discutido no Núcleo de Defesa de Direitos Humanos. A partir daí, os membros vão definir se acionam outro órgão, como o Ministério Público, ou alguma secretaria estadual.
A Sesp informou que recebeu o ofício e irá disponibilizar todas as informações à Defensoria Pública do Estado, conforme solicitado. A secretaria destaca que os casos de assassinatos em que as vítimas estão em situação de rua são apurados pela Polícia Civil.
"Todos os casos são tratados de igual forma e, aqueles em que a dificuldade da investigação e definição de autoria são maiores, continuam em andamento", finalizou, em nota.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes, Brunela Vincenzi, informou que também acompanha os registros de agressão à população em situação de rua. A comissão vai propor uma discussão sobre o assunto com o Conselho Estadual de Direitos Humanos e a Secretaria de Direitos Humanos de Vitória.
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