Se há um bairro onde o respeito à travessia dos pedestres na faixa é tradição é em Jardim da Penha, em Vitória. Em qualquer hora do dia, seja empurrando um carrinho de bebê, passeando com o cachorro, carregando compras, seja passando de bicicleta, uma coisa é fato: é só sair da calçada em direção a uma faixa de pedestre que os carros param para dar passagem.
Mesmo sendo o esperado e indicado pelas regras de trânsito, o respeito ao pedestre é um elemento que distingue Jardim da Penha de outros bairros da cidade, inclusive dos vizinhos Mata da Praia e Praia do Canto.
Tanto é que, muitas vezes, o comportamento do motorista muda ao passar no bairro. Ele pode não ser de lá, mas sabe que, ao entrar em Jardim da Penha, parar na faixa, principalmente nas praças, é regra.
Mas por que essa atitude não se repete em outros locais? Um dos motivos pode ser a falta de campanhas e do engajamento da própria comunidade, visto que a tradição do uso da faixa de pedestres é fruto de uma ação iniciada há mais de 20 anos pela Associação de Moradores de Jardim da Penha (Amjap) e abraçada pelos moradores.
O atual coordenador geral da Amjap, Angelo Delcaro, conta que era criança na década de 1990 quando a campanha de conscientização foi iniciada. E lembra que foi feito um trabalho nas escolas do bairro em prol do respeito à faixa de pedestres.
O objetivo era levar informação para as crianças, para repassarem para os pais em casa. E, no futuro, as crianças também iam se tornar motoristas. O cuidado com o grande número de moradores idosos no bairro também foi outra motivação para incentivar a educação do uso da faixa, para garantir a segurança dos que trafegam a pé.
Ele lembra que o bairro é formado por quatro grandes praças que formam um quadrado. E ressalta que essas praças foram pensadas para dar circulação ao bairro, além de serem locais de lazer a socialização, já que, na formação do bairro, os prédios não contavam com áreas de lazer.
A questão da geometria do bairro com as avenidas interligadas pelas praças e um modelo sem semáforos também foi um ponto destacado pelo coordenador dos cursos de Engenharia da Multivix Vitória, Adan Lucio Pereira.
"A facilidade de circular no bairro evita o congestionamento, e o fato de não ter semáforos faz o pedestre conseguir circular facilmente. Além disso, a faixa de pedestres funciona porque, pelo modelo viário, aumenta a percepção do condutor que passa pelas pracinhas, onde a preferência acaba sendo do pedestre. E o motorista consegue chegar de forma mais fácil de uma praça e ir para outra de forma livre", frisou o professor.
Para ele, esse modelo de trânsito do bairro — sem semáforos e com deslocamento facilitado e contínuo entre as praças, ruas e avenidas, podendo entrar e sair por diversos pontos — é o esperado para o futuro com o avanço das cidades inteligentes e sistemas de Inteligência Artificial (IA).
"Apesar da brincadeira que muitos fazem, de o bairro ser um labirinto, há vantagem, porque o motorista consegue sair de um ponto a outro por essas transversais. Esse é um modelo que permite ter facilidade ao transitar, mantendo a velocidade e ganhando tempo nos demais acessos, conseguindo cortar o bairro inteiro, sem ser interrompido pelo semáforo que, muitas vezes, trava o trânsito em alguns pontos da cidade", detalha.
O resultado das ações é a confiança que moradores de Jardim da Penha dizem sentir ao andar a pé pelo bairro e fazer a travessia na faixa. É o caso de Noemy Gasteliturre Perlingeiro e Paulo Moraes.
"Por incrível que pareça, em Jardim da Penha, a faixa de pedestres é muito respeitada. Tem motorista que acho que não é do bairro e costuma parar quase em cima da gente. Quem é normalmente respeita a faixa", disse Paulo.
Noemy fala que mora há 16 anos no bairro e vê muito respeito pelos motoristas aos pedestres. “Na faixa, eu acho mais confortável e fico mais confiante. É claro que, antes de atravessar, eu sempre paro e olho. Se vier algum com velocidade, maior eu paro um pouquinho, porque sei que tenho meus direitos e deveres”, ressalta Noemy.
O respeito e a prioridade ao pedestre é regra do Código de Trânsito e consta dos artigos 68 a 71, que fala dos direitos e deveres. O advogado, professor e mestrando em Direito Processual na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Lorenzo Mill destacou que a norma diz que o pedestre tem que ser alvo de cuidado por parte dos demais usuários de veículos automotores.
Mill detalha que, onde existe sinal luminoso para veículo e pedestre, ambos vão ter de respeitar os sinais. E, quando não houver, o pedestre tem prioridade. "Outro ponto interessante é que, mesmo que houver mudança no semáforo e o pedestre estiver na travessia, o veículo é obrigado a esperar o término da passagem para seguir", frisa.
Mas também há deveres a serem seguidos pelos pedestres. A legislação determina que, se existir faixa de pedestre em um espaço de 50 metros da pessoa, ela é obrigada a usar a faixa.
Sobre o caso de Jardim da Penha, ele também considera que a formação viária do bairro com as praças e muito foco no comércio de rua e feiras favorece a circulação dos pedestres e, por ter muita gente circulando, o espaço prioritário acaba sendo do pedestre.
Outra característica do bairro lembrada pelo professor Mill é que alguns pedestres chegam a indicar com a mão a intenção de passar pela faixa. Ele lembra que, há alguns anos, uma campanha incentivou o gesto, o que passou também a ser adotado no bairro, mas o movimento da mão acabou não emplacando como regra do Código de Trânsito.
"Mesmo sem ter virado regra, sou favorável que o pedestre estique o braço e sinalize a passagem. Quando algo é transformado em costume, há uma força reguladora muito grande na sociedade", defende.
O secretário de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana, Alex Mariano, destaca que a participação da comunidade é um dos fatores do sucesso das ações de proteção ao trânsito de Jardim da Penha, realizadas pela prefeitura há muitos anos.
E destaca que o trabalho tem sido de expandir o uso e respeito à faixa pelos bairros. E uma das maneiras de incentivar isso é com a implantação das faixas elevadas.
“Um dos locais que identificamos que precisava de intervenção era a faixa que fica antes da ponte da Ilha do Frade, onde passa muita gente de bicicleta e pedestres. Lá instalamos uma faixa elevada”, lembra.
Segundo Mariano, já foram implantadas 16 faixas elevadas na cidade e serão feitas mais seis, próximas a escolas em Jardim Camburi, Jardim da Penha, Ilha de Santa Maria, Bento Ferreira e outros.
“Outra ação será implantar redutores de velocidade, os quebra-molas, antes da faixa onde não é possível instalar as elevadas”, disse.
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