Com o fim da possibilidade de receber e analisar recursos apresentados pela defesa de Wagner José Dondoni de Oliveira, a Justiça expediu o mandado de prisão do empresário nesta terça-feira (6). A decisão tem validade até 15 de junho de 2041.
Sendo assim, a qualquer momento, o homem condenado por provocar o acidente de trânsito que matou três pessoas da mesma família, no dia 20 de abril de 2008, pode ser preso para cumprir a pena de 26 anos e 10 meses de reclusão em regime fechado.
Por nota, a Polícia Civil informou que "a partir da expedição dos mandados pelo Judiciário, qualquer agência de segurança pode cumprir a prisão". A corporação, no entanto, não informou se houve alguma tentativa de prisão do condenado nesta quarta-feira (7).
Contando a partir da data do acidente, o despacho foi anunciado 13 anos após o fato. Vale destacar que, em novembro de 2018, 10 anos após a tragédia familiar, o réu foi condenado a 24 anos e 11 meses de prisão, em regime fechado.
À época, a defesa ingressou com recurso, pedindo novo julgamento, sob a alegação de que a sentença do juiz Romilton Alves Vieira Junior, da 1ª Vara Criminal de Viana, havia sido contrária às provas no processo.
Entretanto, em outubro de 2019, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, além de não aceitar a solicitação, aumentou a pena, passando a condenação para 26 anos e dez meses, mais 30 dias de multa, considerando um recurso do Ministério Público.
Quando apresentou o recurso em segunda instância, Dondoni estava preso, mas conseguiu um habeas corpus no início do ano passado, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedido pelo ministro Sebastião Reis Junior, dando liberdade irrestrita ao réu.
Assim, desde o dia 14 de fevereiro de 2020, o empresário está solto. Mas, afinal, por que o caso levou 10 anos para ser julgado, totalizando 13 anos de espera desde o dia do acidente até o fim dos prazos recursais?
Na avaliação do advogado Ludgero Liberato, "embora a sociedade possua anseio em julgamentos céleres, os processos submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri são objeto de cuidado pela legislação, pelo fato de que são julgados por juízes leigos, sem formação jurídica, podendo ser impostas elevadas penas", ressaltou.
De acordo com Ludgero, por esse motivo, o procedimento do júri é dividido em duas partes, sendo uma delas para determinar se o acusado será submetido a julgamento popular, cabendo recursos até o Supremo Tribunal Federal (STF), e outra, após o julgamento.
"No Brasil, ao contrário de outros países, a deliberação dos jurados não necessita ser unânime, nem é motivada, de modo que não é sequer possível saber como os jurados chegaram a seu convencimento. Por tudo isso, justifica-se a existência de procedimento mais cuidadoso, sobretudo quanto à admissão ou não das provas que serão submetidas a julgamento", completou.
Na avaliação do professor de Direito Penal e presidente da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Anderson Burke, a demora para se chegar ao trânsito em julgado se deve, possivelmente, pela morosidade do sistema judiciário como um todo. Para ele, a implementação do processo eletrônico é uma das ferramentas que podem acelerar o trâmite.
"Não vejo que a garantia ao recurso criminal seja a grande culpada dessa demora para se chegar ao trânsito em julgado, pois caso os recursos fossem julgados com celeridade, estaríamos respeitando concomitantemente as garantias do indivíduo em ser processado mediante a observância dos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, assim como o direito do Estado em aplicar, em tempo razoável, a sanção penal sobre aquele que praticou uma infração penal", analisou.
Para o professor e advogado Anderson Burke, o fato de que no Estado ainda vigoram os processos na sua forma física, ou seja, em papel, demanda mais esforços físicos, tempo e logística por conta dos servidores do Poder Judiciário e prestadores de serviço terceirizados para o trâmite e do deslocamento dos autos tanto do gabinete do magistrado ao cartório da Vara Criminal, como também a qualquer outro local a que o processo seja destinado.
De acordo com o professor Burke, "tem que se levar em conta que o processo tramitou numa Vara Criminal que fica localizada fisicamente na cidade na qual ocorreu o fato penal, no presente caso, Viana. Quando se tem um recurso, o julgamento é realizado por um órgão colegiado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) formado por desembargadores, o qual fica em Vitória e para lá o processo é transportado por veículo automotor", explicou.
Diante do recurso contra alguma decisão proferida pelo TJES, o julgamento é realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, o que demandava, à época, a viagem física desse processo para o respectivo tribunal. Após as decisões pelos tribunais superiores, os autos retornavam em viagem de Brasília para Viana.
Também deve se levar em conta que o procedimento do júri, uma garantia constitucional, é formado por duas fases, o que abre uma maior possibilidade de questionamentos por parte do indivíduo que é acusado.
Burke ponderou também que, atualmente existe "um enorme contingente de processos que crescem a cada dia no Brasil com o aumento populacional, criação de novos tipos penais, insucesso nas políticas de ressocialização e agravamento da desigualdade social, o que fica drasticamente desproporcional em contraste com o número hoje insuficiente de magistrados e servidores nos gabinetes e cartórios, o que certamente não é culpa dos servidores do Judiciário, tampouco da população, que necessita de uma efetiva prestação jurisdicional".
Quanto aos recursos, embora não previstos na Constituição, o duplo grau de jurisdição é uma garantia prevista em pacto internacional de direitos humanos, do qual o Brasil é signatário e também no Código de Processo Penal, que é uma lei federal.
O professor destaca que o magistrado, desembargador ou ministro, quando se deparam e admitem o processamento e julgamento de um recurso, que pode ser interposto tanto pelo advogado quanto pelo membro do Ministério Público, não estão dando “brechas” ou sendo coniventes com a morosidade ou até mesmo a impunidade, "mas cumprindo o seu dever legal de respeitar os direitos e garantias fundamentais, pois, neste caso, todo e qualquer cidadão, indistintamente, tem o direito de ter uma decisão que lhe foi desfavorável reanalisada por um órgão hierarquicamente superior e colegiado", reforçou.
O professor defende que qualquer cidadão tem direito a questionar decisões judiciais até última instância, ou seja, até o STJ ou STF a depender da matéria, pois, em tese, os desembargadores e ministros que ocupam os tribunais colegiados tomam decisões mais qualificadas, pois são, em regra, tomadas pela maioria de pelo menos três magistrados, que ocupam seus cargos por critérios de antiguidade ou merecimento e estão menos sujeitos a pressões políticas ou populares na tomada de suas decisões.
No acidente provocado por Dondoni, morreram Maria Sueli Costa Miranda e os dois filhos, Rafael Scalfoni Andrade e Ronald Costa Andrade - a família de Ronaldo Andrade. A caminhonete guiada pelo empresário bateu no carro dirigido pelo cabeleireiro, por volta das 7h do dia 20 de abril de 2008. Ronaldo e a família seguiam para Guaçuí. Um exame de embriaguez detectou, à época, que Dondoni estava dirigindo sob influência de álcool.
O empresário foi condenado em julgamento realizado no Fórum de Viana, que durou quase 15 horas, em 2018. Ele não compareceu para ouvir a sentença definida por maioria dos votos dos jurados. Ele respondeu pelos crimes de homicídio simples pelas mortes de mãe e filhos, tentativa de homicídio, por Ronaldo Andrade, e uso de documentação falsa.
Logo após a condenação, foi decretada a prisão pelo juiz que presidiu o Tribunal do Júri, Romilton Júnior. Mas Dondoni ficou foragido por quase 30 dias. Ele acabou se apresentando à Polícia Civil em 30 de novembro de 2018, na presença de um advogado. O condenado foi encaminhado para a Penitenciária de Segurança Média I, em Viana, para cumprimento da sentença.
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