A proposta de desmembramento da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para criação da Universidade Federal do Vale do Itapemirim (UFVI) é apoiada pelos prefeitos de Alegre e Jerônimo Monteiro, municípios do Sul do Estado, que contam com unidades da instituição. O Conselho Universitário da Ufes, no entanto, já se manifestou contra a divisão.
Pela medida que está em análise no Ministério da Educação, em Brasília (DF), tanto o Centro de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE) e o Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS), existentes em Alegre, como o Departamento de Ciências Florestais e da Madeira da Ufes em Jerônimo Monteiro, passariam se ser autônomos, constituindo a UFVI.
Entre as justificativas para a criação da nova universidade, listadas nos documentos aos quais A Gazeta teve acesso, está a interiorização da rede de educação superior federal no Sul do Estado; o fato de o Espírito Santo ter apenas uma universidade federal; e as possíveis repercussões positivas nas relações entre as cidades capixabas com o Nordeste de Minas Gerais e o Norte do Rio de Janeiro, ao atrair estudantes dos municípios que fazem fronteira com o Sul do Espírito Santo.
O prefeito de Alegre, Nemrod Emerick (Solidariedade), e o prefeito de Jerônimo Monteiro, Sérgio Fonseca (PSD) confirmaram que já assinaram os documentos de apoio à proposta. Entre os chefes do Executivo, a expectativa é de que os municípios recebam mais recursos federais e possam crescer a partir dos investimentos na nova instituição.
O prefeito de Jerônimo Monteiro ressalta que a atual unidade da Ufes, voltada às Ciências Florestais, pode se tornar um polo com diversos cursos de engenharia. “É uma proposta muito interessante para o nosso município, para o Sul do Estado. Vai ser uma grande conquista uma universidade federal no nosso município. Já assinei a carta enviada ao ministro da Educação sinalizando que estamos em concordância com a criação da universidade. Uma universidade dentro do município é muito bacana, traz renda”.
Questionado sobre o já existente departamento da Ufes no município, o prefeito evidencia que a unidade atende 80 estudantes, e a universidade deve centralizar em Jerônimo Monteiro os cursos de engenharia, atraindo mais estudantes e movimentando a economia da região. “Tudo da área de engenharia vai ser aqui, acredito que, aproximadamente, venham em torno de 5 mil estudantes”, frisa Fonseca ao falar de novos cursos que poderão ser abertos.
Na mesma linha, o prefeito de Alegre, Nemrod Emerick (Solidariedade), aprova a iniciativa e ressalta que é favorável desde que o governo federal dê condições para que a nova universidade se mantenha financeiramente. Tanto ele como a Câmara Municipal já aprovaram de forma unânime o projeto. A previsão orçamentária, segundo Emerick, é de um acréscimo de R$ 9 milhões por ano. “Esse valor é para criar a estrutura necessária e o funcionamento da universidade”, explica Emerick.
“A expectativa é muito positiva. É claro que a gente sabe que, em um primeiro momento, trazendo um exemplo local, quando se emancipa um município, ele atravessa um momento de instabilidade. É o que deve acontecer com a emancipação de um campus de uma universidade. Vai ter alguma dificuldade, mas também, viver totalmente dependente da Ufes, como é atualmente, recebendo poucos recursos financeiros, dependendo sempre de emendas parlamentares, como atualmente é complicado. Eu acredito que é uma nova possibilidade para o crescimento da região”, evidencia.
Questionado sobre o que mudaria na prática na relação do município com a universidade, o prefeito ressalta que diálogo e parcerias locais com os representantes do centro de ensino na cidade podem ser facilitados. “É diferente quando você tem uma reitoria aqui, há a possibilidade de dialogar diretamente com o reitor, de desenvolver parcerias mais sólidas, concretas e rápidas. Hoje, você tem que conversar com o diretor de Centro, para passar para o pró-reitor, para só aí chegar no reitor”, finaliza.
Em comunicado publicado na última sexta-feira (15), o Conselho Universitário da Ufes se manifestou contra a forma como tem sido conduzida a discussão a respeito do que diz ser a "separação de parte da Universidade Federal do Espírito Santo".
No texto, o conselho ressalta que a "proposta de criação de uma 'nova' universidade, 'com muito pouco custo', como tem sido divulgado, a partir do fracionamento da Ufes, sem a previsão dos devidos investimentos em termos de pessoal e infraestrutura, pode trazer impactos negativos tanto para a Ufes quanto para a universidade que se pretende criar".
O órgão ainda afirma que "o Sul do Estado já tem uma universidade e esta universidade é a Ufes". Veja abaixo a nota na íntegra:
"O Conselho Universitário da Ufes deliberou por manifestar publicamente posição contrária à forma como tem sido conduzida a discussão de separação de parte da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pretexto de criação de uma outra universidade no sul do nosso Estado, a partir dos Centros de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE) e do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS), localizados nos municípios de Alegre e Jerônimo Monteiro, cuja proposta em nenhum momento foi formalmente apresentada e dialogada com a Universidade.
Tal posição decorre dos debates e deliberação ocorrida na sessão extraordinária deste Conselho, realizada no dia 15 de outubro de 2021, bem como das decisões deliberadas por unanimidade nos Conselhos Departamentais do CCAE e CCENS, em reuniões realizadas, respectivamente, nos dias 13 e 14 de outubro de 2021, que também manifestaram posicionamento nesta mesma direção.
Cabe esclarecer à sociedade que essa proposta de criação de uma “nova” universidade, “com muito pouco custo”, como tem sido divulgado, a partir do fracionamento da Ufes, sem a previsão dos devidos investimentos em termos de pessoal e infraestrutura, pode trazer impactos negativos tanto para a Ufes quanto para a universidade que se pretende criar.
A forma exógena, sem diálogo e sem o devido planejamento, como está sendo conduzida a proposta, sob pressão de atores políticos apartados da realidade do sistema universitário em geral e da Ufes, em particular, configura flagrante desrespeito ao princípio constitucional da autonomia universitária. Por outro lado, essa ação, além de impactar diretamente o futuro da Ufes, pode resultar na criação de uma outra universidade acanhada e sem condições mínimas de sustentabilidade. O Sul do Estado já possui uma universidade e esta universidade é a Ufes.
Há que se entender que a criação de uma nova universidade no nosso Estado não pode se dar pela mera separação de dois Centros da Ufes para formar uma outra instituição federal de ensino superior, sem um projeto claro, associado a uma estratégia de desenvolvimento regional, que preveja a criação de novos cursos, a expansão de vagas e um aporte significativo de investimentos, tanto em termos de infraestrutura quanto de pessoal. Sem esses requisitos, configura-se pura e simplesmente a divisão ou o desmantelamento da única universidade federal existente no nosso Estado. Uma proposta concebida desta forma não contribui para a expansão do sistema de educação superior no Espírito Santo e no Brasil, como seria desejável, de forma a atender mais estudantes, ampliar a formação profissional e a produção de pesquisa e extensão no nosso Estado.
É importante notar que as experiências recentes de criação de novas universidades, a partir da separação de campus fora da sede, tais como as chamadas universidades supernovas (Universidade Federal de Jataí – UFJ, Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – Ufape, Universidade Federal de Rondonópolis – UFR, Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPar e Universidade Federal de Catalão – UFCat), não são nada abonadoras. Essas universidades, criadas em dezembro de 2019, permanecem ainda hoje, em sua maior parte, dependentes das universidades mães, com dificuldades para o estabelecimento de estrutura administrativa própria e constituição de quadro adequado de docentes e técnicos. Tal situação decorre, sobretudo, da imposição da lei do teto de gastos, que limita fortemente os gastos públicos e que deverá incidir também sobre as novas iniciativas desta mesma natureza.
A Ufes tem um histórico de 67 anos de compromisso com o desenvolvimento social, econômico e cultural de todo o Estado do Espírito Santo, colocando-se como a mais importante instituição regional na educação superior, em suas diversas dimensões. Hoje, é uma universidade reconhecida nacional e internacionalmente, e abriga uma multiplicidade de áreas de conhecimento, cumprindo seu papel pedagógico com autonomia e qualidade, além de desenvolver pesquisa científica e tecnológica, promover a extensão universitária essencial para as comunidades atendidas e também valorizar e incentivar a cultura e as artes.
Ao se propor a retirada de uma parcela importante da produção de conhecimento dessa Universidade, ao contrário da consolidação e aprimoramento dos indicadores em todos os níveis, como tem sido buscado e deveria estar sendo apoiado pelo Ministério da Educação/Governo Federal, promove-se uma redução da sua capacidade de formação profissional inicial e continuada, das ofertas de ensino, pesquisa e extensão, dos seus índices de excelência e da possibilidade de buscar níveis mais elevados de crescimento, de modo a se transformar em uma instituição universitária de maior porte.
A Ufes vem se destacando de maneira crescente e contínua em rankings de significativa relevância na comunidade científica, tais como o Times Higher Education World University Rankings (THE) e o QS Latin America. Figura no THE como a trigésima melhor Universidade do País, aparecendo no grupo 1000+ numa avaliação cuja abrangência envolve mais de 25 mil instituições de ensino superior em todo o mundo. Já no QS Latin America, a Ufes aparece na 113ª posição, sendo a 31ª do Brasil. No caso do RUF, nossa Universidade figura como a 27ª do país, sendo a 12ª no quesito Inovação, e no THE Impact, que avalia o desenvolvimento de ações relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS-ONU), a Ufes recentemente obteve o segundo lugar dentre as universidades brasileiras.
O fracionamento de instituições de ensino tradicionais, sem o devido planejamento e segurança de investimento continuado, sem clareza quanto aos seus destinos e sem a avaliação de seus impactos, traz o risco de desencadear perdas significativas e irreparáveis para ambas as instituições – a de origem e a unidade criada.
Ressalta-se ainda que, na atual situação que enfrentamos – de combate a uma pandemia sem precedentes na história, de perda sistemática de recursos orçamentários por parte do conjunto das universidades brasileiras, além de cortes de recursos destinados à ciência e tecnologia, importante pilar das instituições universitárias –, o prioritário é defender o fortalecimento da nossa universidade e a recuperação de sua capacidade de manutenção e investimento.
Dessa forma, dado o atual contexto e a maneira como vem sendo conduzida a proposta de criação de outra universidade no nosso Estado, é mister deixar claro a posição de protesto e contrariedade deliberada pelo Conselho Universitário da Ufes com relação à iniciativa em questão.
Conclamamos os senhores parlamentares, autoridades federais, estaduais e municipais a abrirem o debate com a finalidade de que se conheça as intenções e o detalhamento do projeto de criação dessa “nova” instituição federal de ensino superior, de modo a oportunizar a transparência, a participação e o posicionamento esclarecido da nossa comunidade. Colocamo-nos à disposição para o diálogo e na defesa por uma Ufes unida e coesa, ciente da sua reponsabilidade social como instituição pública, gratuita e de qualidade no/para todo o Estado do Espírito Santo. A Ufes unida é uma Ufes mais forte."
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