A tradicional procissão marítima realizada na baía de Vitória durante a Festa de São Pedro deve ser cenário de protesto neste ano. Pescadores, que estão proibidos de atuar nas águas da Capital, criticam o modelo de fiscalização adotado pela administração municipal e pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos) e afirmam que há várias famílias já passando por dificuldades porque não podem trabalhar. A proposta de um grupo é suspender a procissão, prevista para o próximo domingo, dia 2 de julho.
A situação em que se encontram os pescadores decorre de leis — federal (Portaria Ibama 254-N de 1989) e municipal (9077/2017) — que limitam a área de pesca. A legislação não é recente, mas as fiscalizações se intensificaram neste mês e foram feitas apreensões de material de trabalho.
O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, mais conhecido como Lambisgoia, ressalta que a categoria é também defensora do meio ambiente, porém aponta que, da maneira como hoje as regras se aplicam, os trabalhadores são penalizados, sobretudo porque não têm outra fonte de renda.
"Cerca de 90% dos pescadores são analfabetos, não sabem fazer outra coisa. Tem gente passando dificuldade, que tem filhos, mulher acamada e está faltando dinheiro para o gás de cozinha, para comer", desabafa. "A gente é de classe muito humilde, não entende de lei. O que a gente sabe é pescar", completa.
Para chamar a atenção para o problema que, somente na Capital, afeta centenas de famílias, Lambisgoia afirma que um grupo de pescadores não deve participar da procissão marítima nas celebrações da Festa de São Pedro. "Se falta dinheiro para comer, como vamos colocar óleo diesel nas embarcações?", questiona.
Na avaliação de Lambisgoia, a mobilização deveria ser pela suspensão da procissão. Mas Álvaro Martins da Silva, o Alvinho, presidente da Colônia de Pescadores de Vitória, estima que parte da categoria deverá participar do cortejo marítimo, ainda que em número menor de embarcações do que no ano passado, quando 120 barcos percorreram a baía.
O presidente da colônia se apega à crença na tradição da festa religiosa para a manutenção da procissão, porém acredita que, além da redução de embarcações, pescadores que participarem da festa no mar poderão fazer uma espécie de protesto pacífico.
Alvinho, assim como Lambisgoia, lamenta o modo como as fiscalizações têm sido conduzidas na Baía de Vitória. Eles defendem a implementação da pesca assistida, um modelo que permite aos pescadores jogarem suas redes, mas que devem ser acompanhadas em vez de deixadas sem monitoramento, porque aumenta o risco de tartarugas e outras espécies ficarem presas nas linhas e não conseguirem se desvencilhar. Com o trabalho assistido, se houver alguma situação como essa, imediatamente o pescador pode desenrolar o animal e manter apenas o pescado que é liberado.
"Não queremos arrastar, só pesca assistida. Os pescadores hoje, sem poder trabalhar, estão muito sacrificados", afirma Alvinho. Ele diz, ainda, que na área em que a legislação autoriza a pesca, depois de três milhas, só tem pedras e não há produção. É numa região de cerca de uma milha marítima que a categoria consegue pescar camarão, pescadinha e outras espécies de peixe.
Lambisgoia ressalta que a maioria dos trabalhadores atua com pesca artesanal, que faz parte da cultura local, e abastece restaurantes e peixarias para as moquecas capixabas e outros preparos culinários. Com as restrições impostas pela legislação, o presidente do sindicato analisa que o custo dos produtos pode aumentar no Estado, afetando também os consumidores.
Ele conta que já houve reuniões com autoridades e, na Câmara de Vereadores, a categoria conseguiu que fosse marcada uma audiência pública para o dia 4 de julho. Mas até lá, segundo Lambisgoia, as famílias continuarão passando dificuldades. A expectativa é por uma solução mais rápida para os trabalhadores.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam) foi questionada sobre os limites impostos, a fiscalização e as orientações para os pescadores. Também foi informada sobre a dificuldade pela qual passam os trabalhadores e da possibilidade de protesto na Festa de São Pedro, porém respondeu por meio de nota, citando apenas a legislação e sem apontar soluções para a categoria.
"A Semmam informa que, segundo a Lei Municipal 9077/2017, é proibida, em todas as épocas do ano, a pesca utilizando qualquer tipo de rede, como de emalhe, de espera, de cerco ou de arrasto, nas baías de Vitória do Espírito Santo, nos canais de navegação, bem como na Área de Proteção Ambiental Baía das Tartarugas, ficando a cargo do poder público a fiscalização das restrições impostas pela legislação mencionada."
O Ibama recebeu os mesmos questionamentos e, também por nota, disse que apreendeu no litoral do Espírito Santo embarcações próximas à costa do município de Vitória, que é uma área de restrição de pesca de arrasto, conforme Portaria Ibama 254-N de 1989 e a Lei Municipal 9077/ 2017. Segundo as normas, explica o órgão federal, existe restrição para arrasto em um raio de 3 milhas e 3 milhas náuticas, respectivamente, a partir de uma linha de base que tem como referência:
"A ação é uma operação conjunta entre Ibama, Polícia Federal, Marinha, Semmam e Polícia Militar. As embarcações apreendidas foram depositadas com os infratores. Apenas as redes e portas foram apreendidas e depositadas no Ibama. Ao longo do processo administrativo os pescadores poderão pleitear a reversão das apreensões."
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