Os pinguins que antes chegavam ao litoral capixaba em quantidade significativa, geralmente no final do mês de julho, de uns anos para cá estão, aparentemente, sendo vistos em menor quantidade. A reportagem de A Gazeta procurou o Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (Ipram) para saber se essa percepção condiz com a realidade e qual seriam os motivos para o possível "sumiço" dos pinguins por aqui.
Segundo o diretor-presidente do Ipram, o médico veterinário Luis Felipe Mayorga, o número de pinguins encalhando no Espírito Santo reduziu bastante desde 2014, mas não significa que tenham desaparecido, sendo que mesmo em anos com nenhum encalhe registrado, os pescadores relatam terem visto as aves em águas capixabas.
Em outubro de 2020, 17 pinguins reabilitados no Estado foram soltos no mar, a 20 quilômetros da costa de Iriri, no município de Anchieta, no Sul do Estado. Veja vídeo:
Em 2021, até esta quinta-feira (8), nenhum pinguim encalhou na costa capixaba e não existiam pinguins em tratamento no Estado. Apesar de ter sido identificada a redução nos últimos anos, ainda está sendo estudado o percentual de queda e por isso os dados exatos anuais não foram fornecidos pelo instituto.
O que traz os pinguins à nossa região é o período de migração das águas geladas para tentar aquecimento em outros locais. Para que tantos aparecessem antes por aqui, segundo Mayorga, vários fatores estavam envolvidos, como a escassez de recursos alimentares no mar e fenômenos climáticos. "A falta de recursos alimentares é uma das principais causas para os pinguins se aproximarem da costa em grande quantidade. Outros problemas secundários também podem ser relatados, tais como captura acidental em artefatos de pesca, contaminação por manchas de óleo e interação com lixo", disse.
O Brasil já começou a receber os primeiros pinguins da espécie pinguim-de-magalhães (Spheniscus magellanicus), oriundos das Ilhas Malvinas, da Argentina e do Chile que anualmente migram para a costa brasileira, em temporada que tende a se estender de junho a outubro. O pico da temporada ocorre, normalmente, entre julho e agosto.
Mais comum do que no litoral capixaba, os pinguins costumam ser encontrados anualmente em situação de debilidade no Rio Grande do Sul, Paraná ou Santa Catarina, com alguns poucos indivíduos aparecendo ainda em São Paulo ou Rio de Janeiro.
"Em alguns anos os pinguins encalham em maior quantidade em São Paulo e no Rio, com alguns poucos aparecendo no Espírito Santo. E, mais raramente, os pinguins encalham em grande quantidade aqui, sendo possível nesses anos que encalhem também no litoral baiano", acrescentou o especialista.
O Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), implantado pela Petrobras na região em 2015, resgatou do final de maio até o último dia 10 de junho nove pinguins entre Santa Catarina e São Paulo, sendo quatro no litoral paulista e cinco nas praias catarinenses. O primeiro apareceu na Praia dos Ingleses, em Florianópolis (SC), no dia 21 de maio. Estava debilitado, com sintomas de desidratação e hipotermia, e foi encaminhado para o Centro de Reabilitação.
O coordenador do PMP-BS na área SC/PR, biólogo marinho André Barreto, explica que os pinguins vêm, em geral, das colônias de reprodução na Argentina, em águas mais frias e, nesta época do ano, começam a se espalhar em busca de alimento. “E parte da população acaba chegando aqui, no Brasil. Por isso a gente acaba tendo mais animais nas regiões do Sul. Alguns alcançam o Rio de Janeiro e a gente tem registro até mais no Nordeste, na Bahia. Mas é mais raro. O mais comum é no Rio Grande do Sul e Santa Catarina ter mais animais”.
Barreto explicou que os pinguins-de-magalhães costumam fazer colônias na América do Sul, principalmente na costa da Patagônia, onde tem as maiores colônias, e se espalham no Atlântico Sul. Essa espécie não vive no gelo, como o pinguim imperador e o pinguim real. “Esse é um pinguim que vive em terra. As colônias dele são nas praias da América do Sul mesmo”.
Os animais que chegam à costa brasileira vêm debilitados, em sua grande maioria, ou mortos até, porque o canal de distribuição deles é mais a Argentina e o Uruguai. “Então, os que chegam aqui estão no limite da distribuição deles. Não estão encontrando mais os alimentos usuais deles. Tendem a chegar mais fracos”. O biólogo marinho lamentou apenas 10% dos animais resgatados pelo PMP são encontrados vivos.
Em 2020, ano considerado diferente do normal pelo coordenador do PMP-BS, foram registrados entre junho e outubro 5.021 animais. Só em junho, foram 2.700. Em 2019, na mesma temporada, foram 4.100 pinguins, dos quais somente 76 em junho. “Isso tem a ver com variabilidade do ambiente, pode ser corrente, pode ser vento, pode ser a época que eles saem das colônias na Argentina. Tem um monte de fatores envolvidos aí. O ano de recorde foi 2018, quando a temporada registrou 11.900 pinguins encontrados na costa. As bases ficaram lotadas. Não se dava conta de recolher tantos animais nas praias. Então, cada ano, para a gente, é uma surpresa”.
Barreto reforçou que, em média, 90% dos pinguins chegam à costa brasileira já mortos ou muito fracos e acabam não resistindo. Por isso, destacou a importância do monitoramento regular e contínuo das praias para poder acompanhar as variações do ambiente e verificar se algum impacto está acontecendo. Os pinguins que chegam às praias sem necessidade de ir para a reabilitação não são pegos. Sozinhos, eles voltam para o mar, sem problemas.
Estruturado e executado pela Petrobras para o atendimento de condicionante do licenciamento ambiental federal, o PMP é o maior programa de monitoramento de praias do mundo. Atualmente, a companhia mantém quatro PMPs que, juntos, atuam em dez estados litorâneos, acompanhando mais de três mil quilômetros de praias. O PMP da Bacia de Santos (PMP-BS) é o mais recente da companhia e está presente no Sul e no Sudeste, desde Laguna (SC) até Saquarema (RJ). Os PMPs trabalham em parceria com diversas organizações científicas e com as comunidades locais.
Em relação aos pinguins que ficam sob os cuidados do Ipram, antes era recomendada a soltura deles com anilhas metálicas do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas atualmente são implantados microchips antes da soltura.
"Caso um pinguim fosse recapturado ou reavistado e a pessoa comunicasse ao órgão, tínhamos notícias dos nossos pinguins. Mas em 2015 detectamos que as anilhas causavam problemas nas asas dos pinguins, então conversamos com o Cemave e o uso da anilha em pinguins foi abolido em todo o Brasil. Como alternativa, atualmente implantamos microchips sob a pele das aves antes da soltura, o que infelizmente reduz as chances de serem reconhecidos, pois dependem que a pessoa que os encontrar tenha um aparelho leitor de chip. Então hoje em dia é mais difícil ter notícias dos pinguins soltos", contou o veterinário.
O tempo de permanência em tratamento varia muito de cada ave, mas, em geral, segundo Luis Felipe, os animais passam três meses sob cuidados até serem soltos, sendo que alguns precisam de mais tempo e outros conseguem terminar o tratamento em menos tempo.
O especialista apontou que é importante que as pessoas saibam que os pinguins que aqui chegam não devem ser refrigerados, mas, ao contrário, devem ser aquecidos.
Caso algum pinguim seja encontrado nas praias, é importante mantê-lo seco e aquecido, seja numa caixinha de papelão, com jornal, ou com uma toalha seca, cobrindo-o. Além disso, não é recomendável alimentar o pinguim.
Qualquer animal marinho encontrado no litoral do Espírito Santo pode ser notificado por meio do número 0800-0395005, que funciona em horário comercial e é referente ao Projeto de Monitoramento das Praias (PMP) da Petrobras. Segundo o Iema, este deve ser o primeiro contato a ser buscado. Por esta via, um profissional será enviado para resgatar o animal, vivo ou morto, e direcioná-lo para atendimento veterinário.
Os telefones disponíveis para outros Estados são:
*Com informações da Agência Brasil
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