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Saiba o que os médicos mais ouvem dos pacientes com Covid-19

Saiba o que os médicos mais ouvem dos pacientes com Covid-19

Preocupação com a morte, saudades da família e o desejo de comer o prato preferido são constantes dentro de hospitais

Publicado em 5 de agosto de 2020 às 13:03

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Érica Juliane da Silva Pereira, médica intensivista, monitorando paciente no Hospital Dr. Jayme Santos Neves
Érica Juliane da Silva Pereira, médica intensivista do Hospital Dr. Jayme Santos Neves: pacientes deixam declarações de amor à família. (Divulgação/Sesa)

A pandemia da Covid-19 transformou a assistência em saúde e, até mesmo os profissionais habituados ao ambiente hospitalar, precisaram se adaptar à nova realidade. Se para eles é um desafio, mais ainda para os pacientes que enfrentam a doença. Num momento de muitas incertezas sobre como a infecção poderá evoluir, são frequentes a preocupação com a morte e as saudades da família porque as visitas não são permitidas. Não raro, perguntam aos médicos: "quando eu vou melhorar?"

Médica intensivista e paliativista da Unimed Vitória, Carolina Sarmento Duarte observa que a Covid-19, por se tratar de uma doença nova, chegou carregada de muita dúvida, medo, ansiedade e solidão,  sensações que provocam um impacto negativo. "Estar com o coronavírus não significa, na grande maioria dos casos,  prenúncio de UTI, ou que vai ser necessária a intubação. Mas o paciente já vem carimbado com um medo gigante que, só de olhar no olho, é nítido que está ansioso, claramente em sofrimento."

Cada vez que o paciente tem febre ou demanda mais oxigênio, afirma Carolina, a equipe médica sabe que é o curso da doença e que procedimentos devem ser adotados. Para quem está internado, contudo, é apenas sinal de que não está bem, e a preocupação é sucedida por uma série de perguntas que podem ser resumidas na frase "quando eu vou melhorar?".

Carolina Sarmento Duarte, médica intensivista e paliativista
Carolina Sarmento, que trabalha toda paramentada, resume a sensação dos pacientes em uma pergunta: "quando eu vou melhorar?". (Acervo pessoal)

A médica diz que costuma usar uma metáfora para esclarecer o quadro, e minimizar o sentimento de angústia. "Digo ao paciente que ele é como um barquinho em um mar revolto, no meio da tempestade. A Covid é a tempestade e nós vamos dar o suporte para atravessá-la, e ela vai passar." O tempo de recuperação varia de pessoa para pessoa, mas, ressalta Carolina, todo mundo tem pressa de ficar bom.

Cardiologista e paliativista, Henrique Bonaldi vivencia a rotina extenuante da UTI e conta que, nos casos mais críticos do início da pandemia, muitas vezes a expressão do paciente era um pedido de ajuda, para que fosse intubado e pudesse respirar. Já aquelas pessoas que passam longo período de intubação e, depois, deixam de utilizar o respirador mecânico, a capacidade de articulação das palavras fica diminuída devido à perda muscular. "E o que eles conseguem balbuciar é cansaço", afirma. 

No Hospital Dr. Jayme Santos Neves, especialmente no começo da crise, o que mais afligia os pacientes era a possibilidade de não resistirem à doença. "Havia milhares de registros de óbitos nos outros países, tudo ainda era muito novo, e receber o diagnóstico de Covid era, para muitos, como uma sentença de morte. Para os médicos era novidade também, e tivemos que aprender a lidar com toda a situação e dar ao paciente um atendimento mais humanizado", conta a intensivista Érica Juliane da Silva Pereira. 

FAMÍLIAS

Entre centenas de atendimentos ao longo dos últimos meses, cada qual com suas histórias de luta, algumas das que marcaram Érica Juliane são as daqueles pacientes que, na iminência da intubação, deixavam mensagens para suas famílias. "Eles acreditavam que não iriam sobreviver, e queriam declarar o amor que sentiam", revela. 

Atuando em clínica médica no Hospital Dr. Jayme Santos Neves, Romerson Ribeiro Silva também percebe que os laços familiares são fortes para muitos pacientes e a falta de contato direto, pelo risco de contaminação, provoca bastante ansiedade.

"Com isso, acaba aumentando o medo de morrer, principalmente quando constatam outras mortes lá dentro. O principal questionamento é o que vai acontecer com eles e como a família vai ficar. O problema é que a Covid é uma doença que pode evoluir com gravidade, de um modo que você deixa o paciente no plantão de um jeito e, 12 horas depois, quando volta, parece outra pessoa," atesta. 

Romerson Ribeiro Silva, clínica médica, monitorando paciente
O médico Romerson Ribeiro Silva monitora paciente com a Covid-19. (Divulgação/Sesa)

Se os momentos de aflição são inúmeros, também há muitos registros felizes. Romerson lembra-se, particularmente, de uma jovem com síndrome de down que ficou internada por duas semanas no hospital, parte do tempo intubada. Quando o quadro começou a melhorar, ela logo pediu bolo de chocolate e o refrigerante preferido. "Ela virou nosso xodó. Assim que pudemos liberar a dieta, os desejos foram atendidos", comenta o médico. 

A pneumologista e intensivista da Rede Meridional, Dyanne Moysés Dalcomune, avalia que o enfrentamento à pandemia é uma vivência diária de extremos - de gratidão máxima e de sofrimento máximo. Um dos aspectos que considera mais dolorosos no processo é a distância dos familiares a que o paciente é obrigado e, nos casos de morte, as limitações para os ritos de despedida. "E o médico, que é o porta-voz da notícia, não pode nem consolar, dar um abraço de acolhimento", pontua.

Dyanne Moysés Dalcomune, médica Intensivista e pneumologiasta
Para Dyanne Moysés Dalcomune, o período de tratamento a pacientes com a Covid vai deixar marcas, boas e ruins. (Acervo pessoal)

Por outro lado, quando se inicia a recuperação e há mais interação do paciente, são constantes os questionamentos sobre o tempo que estão no hospital, se estão dando trabalho, além de pedidos inusitados, como vontade de beber água com gás ou ter notícias da cadela que estava prestes a ter filhotes. "Essa fase que passamos será de marcas eternas, boas e ruins", finaliza Dyanne Dalcomune.

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