Março de 2021. Aceleração do número diário de mortes pela Covid-19, presença de variantes mais perigosas do coronavírus no Brasil, colapso na saúde nos estados. Há pouco mais de um ano, quando o País teve a confirmação do primeiro caso da doença, ninguém imaginava que o pior da pandemia demoraria a chegar e, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), este momento chegou.
Em nota divulgada nesta segunda-feira (01º), o Conass manifesta a importância da adoção imediata de medidas para evitar o iminente colapso nacional das redes pública e privada da saúde. O maior rigor na restrição de atividades não essenciais sugere ações como toque de recolher das 20h às 06h, fechamento de bares e praias, adoção de trabalho remoto sempre que possível, restrição na superlotação do transporte coletivo, retorno do auxílio emergencial, dentre outras.
Na carta, os gestores também dizem que o Brasil enfrenta o pior momento da epidemia e criticam a falta "de uma condução nacional unificada e coerente" para a crise.
Segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, já são 40 dias seguidos que o Brasil registra média móvel de mortes acima da marca de 1 mil. Mesmo com dias a menos e últimos dias durante um fim de semana – o que poderia reduzir os registros das mortes –, fevereiro teve 30.484 óbitos causados pela Covid-19. É o segundo número mais alto de mortes desde o início da pandemia, e o maior desde julho.
Minas Gerais e Rondônia tiveram recordes de mortes pelo segundo mês consecutivo. Já Roraima ultrapassou os registros de mortes vistos em julho.
O último boletim da Fundação Oswaldo Cruz, publicado na última sexta-feira (26), reforça que o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta o seu momento mais crítico desde o início da pandemia. Dezoito dos 26 Estados estão com mais de 80% dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 ocupados.
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Tocantins, Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima têm situação mais crítica.
"Sem dúvida, este é o pior momento", afirmou Margareth Portela. "Houve momentos em que tivemos até 7 Estados na zona crítica. Com exceção dos Estados do Sudeste, do Amapá, Sergipe, Alagoas e Paraíba, todos os demais estão em vermelho", explicou a pesquisadora Margareth Portela, do Observatório Fiocruz Covid-19.
No primeiro momento da epidemia, como lembra a pesquisadora, a situação mais grave estava restrita a Rio de Janeiro, São Paulo e, logo depois, ao Amazonas. "Em um segundo momento, a epidemia deu um alívio no Norte, no Nordeste e até no Sudeste, mas complicou nas Regiões Centro-Oeste e Sul", avaliou a pesquisadora. "No momento atual, a coisa está bem mais generalizada."
Segundo a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, há uma série de razões que apontam que o País está atravessando o pior momento desde o início da pandemia.
“Tivemos uma falta de coordenação central entre as autoridades políticas, administrativas e sanitárias. Essa desarmonia resultou em uma opinião pública desencontrada, que culminou em uma série de comportamentos inadequados, principalmente no período de festas, como Réveillon e Carnaval. Teremos o mês de março mais triste de nossas vidas”, lamenta Dalcolmo.
O diretor de Integração do Instituto Jones Santos Neves, Pablo Lira, destaca a falta de articulação do governo federal em avaliar os riscos de uma pandemia no Brasil. “A situação é alarmante. O Brasil está pagando o preço mais alto, que é perdendo vidas, e vai continuar pagando, porque o governo federal preferiu entrar em uma guerra ideológica do que trabalhar no combate à doença por meio do estímulo de ações preventivas, como o uso de máscara e de álcool em gel, e da vacina, que é a única solução efetiva para a pandemia”, observa.
Apesar do Espírito Santo não estar com as suas redes de saúde pública e privada colapsadas, Lira diz que é necessário um alerta da população. “Por mais que a gente esteja em uma situação que nos dê um pouco mais de segurança, não é momento de relaxar. O risco de uma situação mais grave existe”, avalia.
Já para a doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel, defende que os indicadores do Mapa de Risco do Estado precisam ser revistos.
“Nós ficamos por mais de três semanas com o número de mortes diárias acima de 20 pessoas. Por dia, mais de 1.000 casos são diagnosticados no Estado. Isso mostra um descontrole da pandemia, e não significa risco leve, como a maioria dos municípios está classificada. É preciso adotar medidas de prevenção, como o aumento do isolamento social, o que não tem acontecido no Estado”, explica.
Confira, a seguir, seis fatos que mostram por que este é o pior momento da pandemia no Brasil até agora.
Segundo os dados do consórcio de veículos de imprensa formado pelo jornal Globo, Extra, Folha de S. Paulo, Uol e O Estado de S. Paulo, nesta segunda-feira (01º), o país registrou 818 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, chegando ao total de 255.836 óbitos desde o começo da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias chegou a 1.223, o quinto recorde batido nos últimos seis dias. Já são 40 dias seguidos com a média móvel de mortes acima da marca de 1 mil, 6 dias acima de 1,1 mil, e pelo segundo dia a marca aparece acima de 1,2 mil.
Desde o início da pandemia, mais de 10 milhões de brasileiros tiveram ou têm o novo coronavírus. A média móvel nos últimos sete dias foi de 56.011 novos diagnósticos por dia, representando uma alta de 23% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica uma tendência de alta. É a primeira vez desde 21 de janeiro que se registra tendência de crescimento tanto nos números de óbitos pela doença quanto nos novos casos.
Natal, Réveillon, Carnaval… O período entre dezembro e fevereiro foi marcado por comemorações e festas que não deveriam ter acontecido em um cenário de crise sanitária. Diversos estados registraram comércios e praias cheias, festas clandestinas e aglomerações. Além da inexistência da medidas de restrição mais duras, a ineficiência da fiscalização é motivo de queixas em todo o País.
No dia 5 de fevereiro, o Brasil tinha à sua disposição apenas cerca de 11 milhões de doses. E apenas no dia 19, a vacinação começou no País. O número reduzido de doses inviabiliza a implementação adequada de um plano de vacinação em um país com cerca de 220 milhões de habitantes. Como a eficácia de um plano de vacinação depende da imunização coletiva, vacinar apenas uma pequena parcela da população não controla a pandemia. O Presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, coloca em dúvida não só a aquisição das vacinas mas também a eficácia delas.
Entre os especialistas, é unanimidade a falta de gestão do governo federal diante da pandemia. “Bolsonaro dá declarações contra o uso de máscaras, além do acúmulo de comportamentos indevidos e contraditórios. Ele, enquanto líder, deveria ser o exemplo para os brasileiros, mas não é o que acontece. Vai chegar em um nível que será inevitável a responsabilização do presidente pelo agravamento da pandemia”, explicou Pablo Lira.
Doutora em Epidemiologia e professora da Ufes, Ethel Maciel explica que as mutações são comuns nesse tipo de vírus, mas a grande preocupação dos pesquisadores, desde o início da pandemia, era que o Sars-Cov-2 fizesse mutações que obtivessem ainda mais vantagens para si, o que realmente aconteceu. “No Reino Unido, a variante descoberta no final do ano passado é 70% a mais transmissível. A cepa da África do Sul, por sua vez, desenvolveu a capacidade de despistar o organismo humano, aumentando os casos de reinfecção. E aqui no Brasil, em Manaus, a variante descoberta traz a união das duas, sendo mais transmissível e despistando o sistema imunológico, tornando o cenário ainda mais grave”, salienta.
Em meio ao cenário de agravamento da crise sanitária causado pela pandemia do novo coronavírus, especialistas apontam que a única solução efetiva é a vacinação em massa combinada com a diminuição da circulação de pessoas e reforço nos hábitos de prevenção.
Para a pesquisadora Margareth Dalcomo, não é mais possível continuar contando mortes com o objetivo de sensibilizar a população.
A pesquisadora Ethel Maciel também salienta a necessidade de aumentar os esforços para identificar mudanças genéticas do vírus no Brasil, identificando e isolando com mais agilidade as novas cepas.
“Ficamos sabendo da existência da variante de Manaus por conta da vigilância do Japão, o que mostra a nossa fragilidade nesse assunto. Precisamos compreender que, com as variantes mais transmissíveis, os cuidados devem ser redobrados. No entanto, por causa do cansaço, as pessoas estão deixando de usar máscaras em um momento que é necessário usar duas ou máscaras mais resistentes a fim de evitar a contaminação”, destaca.
Com informações da Agência Estado e Folha de S. Paulo.
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