A servidora investigada por participar de um esquema de desvio de recursos públicos da saúde do Espírito Santo pedia cerca de 5% de propina a cada contrato para favorecer um grupo empresarial em licitações para a compra de materiais para o Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória. A informação é da Polícia Federal (PF), que chegou ao esquema após a apreensão de um bilhete manuscrito com pedidos de propina encontrado dentro de uma gaveta, no local de trabalho da servidora. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) afastou a funcionária, que, segundo a PF, é uma farmacêutica concursada.
A PF deflagrou a Operação Manuscrito, na manhã desta quinta-feira (23), com a participação de 24 policiais federais e dois auditores da Controladoria Geral da União (CGU), para cumprimento de cinco mandados de busca e apreensão, expedidos pela 2ª Vara Federal de Vitória, em endereços na Capital, em Vila Velha e na Serra. Foram apreendidos documentos, celulares, manuscritos e agendas nas residências da servidora e de três empresários investigados.
De acordo com a Polícia Federal, o objetivo das investigações é desarticular um esquema de desvio de recursos públicos e recolher provas para subsidiar e aprofundar as investigações em curso relativas a compras de materiais hospitalares.
O inquérito policial foi iniciado em junho de 2023, quando a Polícia Federal apreendeu o bilhete com a solicitação de propina. Os fatos em apuração envolvem pelo menos dois grupos empresariais e o Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória, situado no bairro Santa Lúcia, na Capital.
"Observamos que uma determinada empresa que era contratada pelo hospital pagava propina para alguns servidores para ser beneficiada. Verificamos que havia um conluio entre uma determinada servidora desde o processo de contratação até o pagamento de insumos hospitalares que eram vendidos por essa empresa. E havia bilhetes manuscritos, daí o nome da operação, em que a servidora fazia solicitação de propina na ordem de 5% de cada nota de empenho que era paga", disse o delegado federal Arcelino Damasceno.
De acordo com o delegado, a servidora manteve essa relação com a empresa ao ser transferida do Hospital São Lucas – o atual Hospital Estadual de Urgência e Emergência – para o Hospital Infantil de Vitória.
"O que já podemos afirmar é que, quando a servidora foi transferida de hospital, a empresa também veio junto, sugerindo um conluio entre ela e a empresa. Ao ser transferida para o Hospital Infantil de Vitória, a empresa teve um aumento significativo nos contratos com o Hospital Infantil", destaca Arcelino.
O delegado ainda afirma que, entre 2019 e 2023, o valor contratado por uma das empresas investigadas no esquema triplicou.
“Analisamos contratos de 2019 até 2023 e observamos que a primeira empresa teve um aumento significativo nas contratações e no recebimento de valores provenientes da Secretaria de Saúde. Em 2019, essa empresa contratava cerca de R$ 200 mil. Ano a ano, a empresa foi ganhando mais contratos, chegando em 2023 a fornecer materiais no valor de R$ 700 mil a R$ 800 mil por ano”, relata Arcelino Damasceno.
O delegado acrescenta que não é possível, até o momento, afirmar como a propina era paga. Mas adianta que o objetivo é pedir o bloqueio dos valores pagos de forma ilícita à servidora. "O que sabemos é que a servidora recebia valores, que estavam em manuscritos e entravam em suas contas. Qualquer valor mencionado agora pode não ser preciso", aponta.
Segundo a PF, a corporação, em conjunto com a CGU, analisou uma série de contratos onde foram encontrados favorecimentos à empresa. Com o aprofundamento das investigações, novos indícios de outros possíveis delitos surgiram no hospital, como direcionamento das contratações em detrimento de processos regulares de licitação em proveito das empresas.
As análises revelaram a potencial prática de crimes contra administração pública, dentre eles corrupção ativa e passiva e direcionamento de licitação. "Além disso, podem ser detectados outros crimes, como advocacia administrativa, já que a servidora atuava em interesse da empresa, e possivelmente peculato, se houver desvio de produtos hospitalares. A pena pode ser bem alta", afirma Arcelino.
Segundo o delegado, a investigação vai continuar, a fim de avaliar a possível participação de outras empresas e servidores no esquema. "A cada fase descobrimos outras pessoas e empresas envolvidas. Evitamos falar o nome porque a operação ainda está em sigilo e continua em andamento. Pode ser que, com o tempo, mais empresas estejam envolvidas", explica.
Segundo a Secretaria de Saúde, a servidora envolvida no esquema foi afastada. A identidade da mulher não foi divulgada nem pela Polícia Federal, nem pela Sesa.
A pasta estadual confirmou que a investigação mira a Central de Compras e estoque da Farmácia (CAF) do Hospital Infantil. Em nota enviada para A Gazeta, a Sesa disse que reafirma seu compromisso com a transparência e a legalidade que regem a gestão pública, colocando-se à disposição das autoridades competentes para colaborar integralmente com a investigação em curso, fornecendo todas as informações e documentos necessários.
"No encerramento do ano de 2023, a direção do HINSG identificou a necessidade de aprimorar o controle de estoque na CAF. Em resposta, foi constituída uma comissão interna, com o objetivo de realizar o levantamento detalhado do estoque existente e se havia inconformidades. O relatório resultante desse levantamento já foi concluído e será devidamente entregue às autoridades responsáveis", diz a nota da Sesa.
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