Problema crônico no Espírito Santo, a superlotação dos presídios diminuiu em 2020, na comparação com o ano anterior. No entanto, 22.514 presos ainda ocupavam o espaço que deveria ser destinado a 13.858 indivíduos. Ou seja, um excedente de 8.656 detentos – 62,4% acima da capacidade máxima original.
No final de 2019, esse índice era dois pontos percentuais maior: 64,4%. Naquela época, o Estado tinha 278 presos a mais e praticamente a mesma quantidade de vagas. Os dados são da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), responsável pelo sistema prisional capixaba.
Especialista em Segurança Pública, o professor Henrique Herkenhoff explica que a superlotação foi registrada em âmbito nacional, causada por leis que aumentaram as punições – seja por preverem maior tempo de pena ou por dificultarem a progressão de regime. Assim, as pessoas passaram a ficar mais tempo na prisão.
"Aumentou a quantidade dos indivíduos presos e não a qualidade das prisões. Por exemplo: o mula (mini traficante) é muito substituível. Então, no primeiro dia você tem um solto. No segundo, um preso e um solto. No terceiro dia, dois presos e um solto... É como se, de fato, estivéssemos enxugando gelo", analisa.
Também professor da área, Pablo Lira ainda ressalta a antiga precariedade do sistema prisional capixaba e falta de investimentos, entre 2005 e 2009. "Chegamos a ter denúncias na Corte de Direitos Humanos e pedido de intervenção federal. Depois, começamos a investir em unidades e modernização", lembra.
Segundo os especialistas, engana-se quem acredita que o problema da superlotação dos presídios se restringe apenas à condição dos próprios detidos. "Um dos maiores desafios que nós temos na segurança pública é que se o sistema prisional está sobrecarregado, dificulta a gestão do crime organizado", alerta Pablo.
Isso acontece em decorrência das dificuldades e impossibilidades geradas pelo déficit da mão de obra e da estrutura, o que gera oportunidades para que os detentos pratiquem crimes de dentro da prisão e não consigam ter o acesso adequado a processos de ressocialização.
"Quando a unidade ultrapassada a capacidade máxima, diminui a condição de oferecer trabalho ou estudo, que são essenciais nesse processo. Todo o pessoal existente é drenado para a segurança e contenção do presídio. Se o preso fica o dia inteiro trancado na cela, é óbvio que ele vai sair piorado", defende Henrique.
Do total de detentos do ano passado, cerca de 34% estavam na cadeia provisoriamente: 7.679 presos em flagrante ou em prisão preventiva ou temporária. Isso significa que eles aguardavam um julgamento em que poderiam ser considerados inocentes pelos crimes que lhe foram imputados.
"É um número muito alto. Em termos ideais, ninguém poderia passar mais de três ou quatro meses presos. Quanto tempo essas pessoas podem ficar presas esperando que decidam seu destino? Isso é sintoma do seguinte problema: estamos prendendo mais do que conseguimos guardar e julgar", aponta Henrique.
Apesar desses presos representarem mais de um terço do total do Estado, Pablo Lira garante que essa porcentagem é próxima da nacional, que costuma variar entre 30% e 40%. "Esse é outro gargalo: a morosidade das leis brasileiras e da própria estrutura do sistema de Justiça, que é muito lento", afirma.
"Temos leis que possibilitam uma série de recursos que podem até protelar os julgamentos. Precisamos passar por uma reforma das leis penais. A legislação que rege o sistema atual é formada por leis anteriores à década de 1980. O Código Penal é de 1940. Tem outras que ainda são do Brasil Imperial", ressalta.
Para resolver o problema da superlotação, o professor Henrique Herkenhoff defende que a melhor saída passa pelo Congresso Nacional. "Seria desfazer, aos poucos, essa armadilha criada por essas leis. É a medida de menor custo e maior efetividade, tanto no encarceramento, quanto na criminalidade", argumenta.
Outras medidas que poderiam ajudar, segundo o pesquisador Pablo Lira, seriam "a ampliação do monitoramento eletrônico, das penas alternativas e a construção de novas unidades prisionais" para "chegar em um momento em que não seja mais necessária a expansão do sistema".
À frente da Secretaria de Estado da Justiça, o secretário Marcello Paiva de Mello afirma que a oferta de vagas prisionais ficou parada por um longo período, acompanhada de um crescimento intenso da demanda. "A superlotação já vem de uma década, nacionalmente. A partir de 2019, estamos estáveis", analisa.
Ainda assim, para resolver o problema da sobrecarga, ele aponta três principais caminhos: a ampliação da capacidade do sistema prisional capixaba, o aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas e a expansão dos projetos de ressocialização – por meio deles os presos são qualificados para deixar o crime.
"Tem uma unidade com 800 vagas no Complexo de Xuri prevista para ficar pronta em doze meses após a execução da obra. Em São Mateus, que já está em construção, seriam mais 250. Além de 200 em Cachoeiro de Itapemirim. Assim como mais dois projetos, um em Linhares e outro em Vila Velha", detalha.
Segundo o secretário, o objetivo é disponibilizar 3.500 tornozeleiras eletrônicas até o fim do ano. "Isso não gera nenhum problema de segurança pública. O preso precisa ter um perfil de baixa periculosidade e ter praticado infração leve. O descumprimento do monitoramento eletrônico é de 1,5%", garante.
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