Após o governo do Estado se colocar à disposição para participar dos testes da Coronavac para agilizar a vacinação em crianças de 3 a 11 anos no Espírito Santo, logo surgiram questionamentos sobre como poderia ser realizado o estudo do imunizante contra a Covid-19 nessa faixa etária e a segurança para o público testado.
A Gazeta ouviu especialistas que apontaram baixo risco em testes dessa natureza e a importância de fazer a pesquisa direcionada para verificar a resposta imunológica neste grupo, e não apenas reproduzir os resultados que foram obtidos com os adultos. Trata-se portanto de uma etapa fundamental para apurar o grau de proteção que a vacina pode conferir no público infantil. Ou seja, é um teste de eficácia, para medir o grau da resposta imunológica, e não visa usar as crianças para checar se as vacinas são seguras.
Professora associada do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Costa observa que mesmo que a vacina já tenha apresentado resultado de segurança e eficácia para o público de mais de 18 anos, a criança não é um "miniadulto", isto é, o nível de maturidade do organismo é diferente e ainda não tem uma estabilidade em suas funções. A resposta imune também se diferencia e, por essa razão, é necessário promover testes para a faixa etária específica.
Luciana Costa frisa que fazer os testes com crianças é importante para garantir a segurança da Coronavac para esse público, resultado esperado por pesquisadores particularmente por já haver outras vacinas de vírus inativado comumente utilizadas - a injetável contra a poliomielite, a da gripe e a da hepatite A, por exemplo. Ainda assim, é necessário testar para confirmar que se trata de um imunizante seguro também para a faixa etária pediátrica.
Questionada sobre eventuais riscos para as crianças que se submeterem ao teste, a professora da UFRJ explica que, quando se chega à fase de estudar a faixa etária pediátrica, é porque a possibilidade de reações adversas significativas é baixa. "Se houvesse risco elevado para os adultos, não seria liberado o teste para crianças", argumenta.
"A Coronavac tem o mesmo princípio de inativação (vírus inativo) dessas outras vacinas e, em um primeiro momento, não há nada que possa dizer que não é segura. Mas tudo o que vai ser injetado no ser humano, ou dar para o ser humano ingerir como medicação, precisa de testes por mais que se tenha evidências de exemplos similares", pontua.
Embora não tenha conhecimento sobre os protocolos específicos dos testes da Coronavac, Luciana afirma que, em geral, para o público infantil é usada uma dosagem menor e um dos critérios é identificar voluntários que sejam imunocompetentes, ou seja, cujo organismo apresenta boa resposta imunológica.
Daniel Gomes, doutor em Imunologia e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), acrescenta que os testes em crianças acabam sendo uma evolução natural no processo de testagem de uma vacina. Ele explica que é praxe, para imunizantes ou medicamentos, os estudos clínicos envolverem, inicialmente, a população de 18 a 65 anos. Depois que os resultados para esse grupo são concluídos, outras faixas etárias passam também a ser testadas.
"Qualquer vacina que vai ser utilizada precisa ter os dados de proteção, eficácia e segurança avaliados em todos os grupos", frisa.
O professor avalia que, muito provavelmente, o imunizante da Pfizer será liberado primeiro para crianças, uma vez que já apresentou resultados para a faixa etária de adolescentes (único autorizado no Brasil para o público de 12 a 17 anos) e, agora, consegue avançar para a pediátrica. De todo modo, ele considera importante que a Coronavac também realize seus testes porque, do ponto de vista epidemiológico e sanitário, é fundamental ter mais de uma opção para a imunização da população.
Assim como a professora da UFRJ, Daniel Gomes sustenta que os riscos são baixos para a realização dos testes ao analisar os resultados anteriores entre os adultos. "Nada é certeza absoluta e, por isso, precisa ser avaliado, mas o risco é estatístico. Não havendo risco para adultos, isso é um subsídio muito grande para que seja facilmente testada nas faixas etárias anteriores", pondera.
O imunologista esclarece que os pesquisadores sempre se baseiam naquilo que já existe. Então, por exemplo, os testes das vacinas contra a Covid-19 só avançaram do modelo experimental para humanos, quando os resultados demonstraram segurança e assim seguiram, passando por cada fase, até que pudessem ser usadas em larga escala na população adulta. Agora, as farmacêuticas fazem estudos para adolescentes e crianças, nessa mesma lógica.
"Sempre se leva em consideração os dados anteriores. À medida que são produzidos dados para uma faixa etária, é um subsídio para fazer os testes em outra. Mas o risco sempre tem que ser avaliado, independentemente de qualidade da vacina", conclui.
A Coronavac já é utilizada em vários países para a vacinação de crianças e adolescentes, como China, Chile, Indonésia, África do Sul e, em breve, Colômbia. No Brasil, o Instituto Butantan - fabricante nacional do imunizante - solicitou o uso para o público infantil, mas o pedido foi negado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há pouco mais de um mês.
Na ocasião, o órgão avaliou que não havia dados suficientes da eficácia da vacina em crianças e adolescentes no Brasil, já que aqui os testes foram feitos apenas em adultos. O Butantan enviou indicadores de pesquisas nesta faixa etária realizadas fora do país, mas os dados não atendiam aos requisitos exigidos pela Anvisa. O instituto está, segundo o diretor-presidente, Dimas Covas, tentando providenciar o mais rápido possível os estudos solicitados pelo órgão.
A área técnica da Anvisa apontou que o Butantan apresentou estudos não confirmatórios (de fase 1/2 e 2b) e com poucos voluntários (586) para pedir a ampliação do grupo que pode receber a Coronavac. Os dados até demonstravam a produção de anticorpos no grupo de 3 a 17 anos, mas não suficientes para medir a eficácia para evitar a contaminação.
O gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da agência, Gustavo Mendes, disse à época que a recusa não era definitiva, mas um retrato do momento diante das informações que o órgão recebeu do Butantan. "Dados adicionais, mais robustos, podem ser apresentados para que a gente reconsidere essa sugestão."
Até agora, a Coronavac foi liberada para uso emergencial na população adulta. Na faixa etária de 12 a 17 anos, somente a vacina da Pfizer tem autorização da Anvisa para ser aplicada. A farmacêutica americana, que opera junto com a alemã BioNTech, agora se prepara para também vacinar o público infantil, de 5 a 11 anos. Nessa semana, a empresa anunciou que o imunizante é eficaz para a faixa etária pediátrica e vai solicitar aos Estados Unidos autorização para aplicação.
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