“Eu não buscava o corpo perfeito. Como mulher, a gente quer se sentir melhor, mais bonita. Ainda é muito difícil olhar para os meus seios e saber que não são da mesma forma.”
O relato mostra o drama de uma paciente que está entre os 12 casos de micobactéria de crescimento rápido (MCR) confirmados em uma clínica particular de cirurgia plástica, cujo nome as autoridades não revelaram. O caso foi noticiado com exclusividade por A Gazeta nesta terça-feira (30).
As infecções ocorreram em pessoas que realizaram procedimentos entre março e abril deste ano, sendo 11 deles na mama (com ou sem prótese) e um de abdominoplastia. Ainda há mais três casos sob investigação.
“A minha cirurgia foi em março. Eu quis fazer uma correção da minha prótese mamária. Seis dias após o procedimento, percebi que os pontos não cicatrizavam e saía muita secreção”, disse a mulher, que preferiu não se identificar.
Ao retornar à unidade, começou a luta para tentar a cicatrização da operação. Ela foi submetida a sete sessões hiperbáricas, modalidade terapêutica de alta tecnologia, indicada para tratamentos de feridas com difícil cicatrização. Tudo sem sucesso.
“Minha mãe e meu esposo me acompanharam muito de perto. Na sétima sessão, meus pontos estavam todos abertos e era possível ver a prótese. Não cicatrizava”, falou a vítima.
Segundo a mulher, no outro dia, o cirurgião plástico responsável pelo procedimento pediu que ela fosse à clínica para fazer o explante (retirada dos seios) ou fechar os pontos.
“Foi aí que a minha angústia começou. Fiz o explante dos meus seios em abril, menos de um mês depois. Fiquei reta”, conta.
A paciente conta ainda que, na cirurgia de explante, uma amostra do material dos seios da paciente foi levada para o Laboratório Central (Lacen), da Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (Sesa), que confirmou a presença da MCR cerca de 30 dias depois do procedimento.
“A partir disso, comecei um acompanhamento com um infectologista para identificar o tipo de micobactéria. Essa que eu peguei é ‘menos pior’, pois é local; ou seja, não anda pelo corpo, não vai para a corrente sanguínea. Ainda assim, tive que começar a tomar uma série de antibióticos, muito fortes, que me deram muitos efeitos colaterais.
Segundo ela, a clínica particular arcou com todas as despesas desde as primeiras complicações. Devido ao seu sofrimento emocional, a unidade também passou a custear acompanhamento nutricional e psicológico.
“Agora no mês de agosto, fiz uma ressonância e, segundo a infectologista, não estou mais com a micobactéria. No entanto, preciso de um acompanhamento de seis meses. Em fevereiro de 2023, farei uma nova ressonância para confirmar que não tenho mais a doença”, explica.
Mesmo após receber o resultado da ressonância mostrando que está livre da infecção, a paciente não sabe definir suas emoções.
“Eu ainda não sei descrever o que senti. Na hora, fiquei muito aliviada, mas acho que desenvolvi estados emocionais que eu não tinha antes. Eu tenho tido momentos de muita ansiedade. Quando falo sobre isso, ainda me remete a muita dor. Vejo consequências no meu trabalho, que exige uma boa performance. E lidar com tudo isso… Tenho vivido dias difíceis. O fato de eu falar sobre o assunto me remete a muita dor”, acrescentou.
Apesar do número de casos entre março e abril, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica do Espírito Santo (SBCP-ES) não tinha conhecimento do assunto, segundo o presidente da entidade, o médico cirurgião plástico Luiz Fernando Vieira Gomes Filho.
“Esses casos de notificação compulsória são informados diretamente à Secretaria Estadual de Saúde. Dessa forma, a sociedade só soube dos casos após a divulgação no site A Gazeta”, falou o presidente.
O médico disse ainda que é fundamental que os pacientes que desejam fazer cirurgia plástica procurem hospitais e clínicas que não têm histórico de infecção por micobactéria.
“Ainda não se sabe a causa exata da infecção por micobactéria. Apesar disso, em locais em que há repetidos casos, deve haver uma fiscalização maior para que não sejam recorrentes. Os órgãos sanitários devem exigir uma esterilização eficiente nos equipamentos utilizados durante as cirurgias”, pontuou.
Os sintomas de infecção por micobactéria, segundo o presidente, são vermelhidão no local da cirurgia, dor, pus e febre, culminando na demora da cicatrização.
“Ao perceber isso, o paciente deve procurar seu médico, que deve ser capacitado para encaminhar para o serviço de infectologia. O tratamento começa com a limpeza do local. Em seguida, uma amostra do material é coletada para que o Lacen confirme o diagnóstico e o tipo de micobactéria. Caso confirmado, o paciente começa a tomar o antibiótico adequado”, acrescenta.
O médico ressalta ainda que a dor psicológica é muito variável de paciente para paciente, mas é importante que o cirurgião tenha um bom relacionamento com o seu paciente.
“Com um relacionamento mais próximo, o paciente vai estar mais seguro. Mas vale lembrar que todas as pessoas que querem fazer cirurgia plástica estão suscetíveis a complicações. Uma infecção pode acontecer. O paciente tem que estar disposto a isso. A infecção por micobactéria é mais difícil de ser tratada, mas com diagnóstico precoce e tratamento adequado, ela tem cura”, finaliza.
Devido a um surto de infecções por MCR em 2008, o Espírito Santo já teve uma Comissão das Vítimas dos Infectados por Micobactérias, que existiu entre 2012 e 2019 para requerer judicialmente os direitos das pessoas infectadas.
À frente da Comissão, a produtora de eventos Kissila Sodré, 49 anos, também foi uma das pessoas infectadas após uma cirurgia de apendicite. Após saber dos 12 casos confirmados em uma mesma clínica particular de cirurgia plástica, comentou sobre a sua indignação.
“Se divulgam 12 é porque tem 36. Os médicos costumam tratar os pacientes dentro do consultório, mas não falam que é micobactéria. Infelizmente, é um tratamento com antibióticos muito fortes e pesados.", explica.
"A cirurgia não fecha, não cicatriza, e aí você tem que ficar retirando a pele, isso vai deformando o seu corpo. Além das sequelas emocionais, que ficam para a vida toda. Tudo isso por causa de sujeira, por causa de falta de esterilização.”
Para Kissila, a causa para essas infecções ainda ocorrerem é a fragilidade na fiscalização das agências sanitárias.
“Não há punição. Dos casos ocorridos em 2008, nenhum médico foi preso ou clínica foi fechada”, disse.
Para a ex-presidente da comissão, um alerta é importante: “Todas as pessoas que fizeram uma cirurgia entre março e abril e o local não está cicatrizando devem procurar a Secretaria de Saúde de Estado, porque o médico pode estar mentindo e pode ser uma micobactéria”, finaliza.
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