A Justiça capixaba recebeu, nesta semana, denúncia oferecida pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) referente ao caso de injúria racial contra o professor e doutor em Educação Gustavo Henrique Araújo Forde, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele foi alvo de ataques preconceituosos na internet após conceder entrevista para A Gazeta em abril de 2019.
A denúncia, recebida na terça-feira (16), é contra três apontados como autores do crime: Antônio Jacimar Pedroni, Kennedi Fabrício dos Santos e Wagner Rodrigues — apenas um deles reside no Estado. No documento, o MPES narrou que, no dia 28 de abril de 2019, o professor e doutor em Educação falou sobre o livro de sua autoria, intitulado "Vozes negras na história da educação: racismo, educação e Movimento Negro no Espírito Santo (1978-2002)", em matéria divulgada também nas redes sociais de A Gazeta. A partir de então, apareceram comentários julgando a aparência de Gustavo Forde, como o docente é conhecido.
Um dos comentários preconceituosos, segundo o Ministério Público, associava o cabelo de Gustavo Forde à falta de higiene. Outro, menosprezava intelectualmente o professor por ele ser negro. Por fim, um terceiro comentário sugeria que o autor da obra literária "voltasse para a África", mesmo sendo o docente notadamente brasileiro.
Diante dos fatos, o MPES pediu a condenação dos três suspeitos por injúria racial, com pena aumentada pela veiculação das ofensas nas redes sociais, já que o potencial lesivo se expande de forma incalculável por este meio.
Para o professor Gustavo Forde a iniciativa do Ministério Público e a decisão da Justiça de receber a denúncia trazem a sociedade à reflexão diante das desigualdades raciais reproduzidas cotidianamente.
"Essa ação penal é muito valiosa, pois pode contribuir para que toda a sociedade compreenda a dimensão do racismo institucional e estrutural. No Brasil, muitas vezes não se trata racismo como crime. Se é crime e não é tratado como crime, muitas vezes nem sendo acolhido no sistema judiciário, essa decisão, neste mês da Consciência Negra, é importante para destacar os limites do nosso sistema, no sentido de compreender o impacto do racismo nas instituições. Se fosse diferente, essa ação penal de agora nem deveria ser notícia. Quando precisamos repercutir o óbvio, é porque infelizmente não é tão óbvio assim. Tratar racismo como crime ainda não é uma prática instituída", explicou.
André Moreira, um dos advogados de Gustavo Forde, afirmou que, com o recebimento da denúncia pela Justiça, foi ultrapassada uma primeira barreira. "As manifestações contra o professor, apesar de não terem citado de forma expressa a questão racial, são evidentes em relacionar as características da raça — em que me incluo — à sujeira, feiura e inferioridade. E a Justiça percebeu isso. Os racistas querem atingir uma categoria de pessoas por meio das características delas. O racismo no Brasil é, muitas vezes, disfarçado, não se assume, mas nega direitos fundamentais aos negros e negras. Essa denúncia do MP reconhece isso", disse.
Procurados pela reportagem de A Gazeta, os réus na ação penal Antônio Jacimar Pedroni e Wagner Rodrigues preferiram não se manifestar sobre o caso.
Já o autônomo Kennedi Fabrício dos Santos, morador do Paraná, afirmou que acredita ter agido pautado na liberdade de expressão e disse que não teve a intenção de ofender o professor. "Eu fiz um comentário em uma postagem pública, acessível a todos, inclusive para críticas. Mas não me dirigi à pessoa do professor em si. O meu comentário foi dizendo que não me admira o nível dos nossos estudantes, já que, pelo conteúdo do livro dele, acredito que fez militância e um professor universitário deve ponderar o que ele prega. A questão racial tem servido mais para segregar do que para unir as pessoas. Talvez tenha sido um comentário infeliz, mas não era para levar para o lado pessoal, não mencionei cor em nenhum momento", disse.
Para Luiz Carlos Oliveira, coordenador do Centro de Estudos da Cultura Negra (Cecun-ES), representante do Movimento Negro no Estado, no mês da Consciência Negra — a data é celebrada neste sábado (20) — o assunto merece o devido destaque. Ele comemorou a etapa de judicialização do caso.
“Ocorreu racismo no caso e já se vão dois anos. Esse é o primeiro passo após reuniões nossas, para o Movimento Negro entender melhor como se deu o processo. O professor Gustavo, doutor da Ufes, deu entrevista e, imediatamente, foi atacado por três pessoas com racismo explícito, ao nosso ver. Basicamente porque é negro e usa 'dread' no cabelo", disse o coordenador do Cecun.
O coordenador do Cecun-ES afirmou que o caso chamou atenção por afrontar a sociedade, majoritariamente composta, no Brasil, por pessoas negras. "Da divulgação da obra, entendemos que o professor está conscientizando a sociedade, dando autoestima às crianças. Dentro de uma estrutura branca que é a universidade, ter um professor negro falando da sua trajetória e do movimento, da história da luta negra no Estado: isso tudo causou indignação em três pessoas. São 400 anos de trabalho escravo. Esse é o Brasil", finalizou.
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