Popularmente chamados de cação, os tubarões são animais presentes em todo o litoral brasileiro, inclusive no Espírito Santo, como pôde ser registrado no último domingo (5), quando dois filhotes encalharam na areia da Praia de Camburi, em Vitória. Mas, apesar de ser muito apreciado no preparo de moquecas e outras receitas, atenção: há espécies ameaçadas de extinção e o seu consumo pode não fazer bem à saúde.
O biólogo Daniel Gosser Motta, mestrando em Biologia Animal pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), aponta que um terço das mais de 1,1 mil espécies de peixes cartilaginosos do mundo está em risco de desaparecimento, entre os quais o tubarão-martelo e o tubarão-galha-branca.
Doutora em Oceanografia e professora da Ufes, Natalia Alves Bezerra conta que boa parte das espécies de tubarão em extinção perdeu seus habitats, sobretudo pela ocupação humana, ou foi capturada pela sobrepesca, também chamada pesca insustentável — o termo predatório, comumente usado, é, segundo ela, inadequado, porque qualquer pesca é um ato de predação.
A especialista, que já atuou em iniciativas como o Protuba (Projeto Tubarões do Brasil), explica que a espécie é mais vulnerável que outros peixes porque tem reduzida capacidade de recuperação: os tubarões crescem lentamente e têm baixa fecundidade. Assim, quando um cação é capturado, levam-se décadas até que outro se desenvolva e chegue à idade adulta, acrescenta Agnaldo Martins, professor do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes e coordenador científico do Jubarte Lab, do Projeto Amigos da Jubarte.
Um aspecto que todos os especialistas ressaltaram é que os tubarões são predadores de topo, isto é, estão acima dos outros animais marinhos na cadeia alimentar. "Eles vão regular a saúde dos ecossistemas, regular os níveis abaixo deles como, por exemplo, nos casos em que há uma população grande de determinada espécie", aponta Natalia Alves.
A presença de tubarões na costa, portanto, não é sinal de desequilíbrio ambiental. Mas o episódio do último domingo, em Camburi, fez o professor Agnaldo levantar uma hipótese que afeta o meio ambiente. Para que os cações tenham encalhado na areia, ele acredita que a mãe deles foi capturada e morta e os dois filhotes foram lançados ao mar. Esse é um exemplo de pesca insustentável porque, além de a fêmea morrer e se encerrar o ciclo de reprodução, é pouco provável que os pequenos tubarões sobrevivam.
Após o tempo normal de gestação, esclarece o professor, quando os tubarões nascem, já saem nadando, sem dificuldades. Se chegaram à beira-mar e encalharam, é um indício que ainda não haviam se desenvolvido o suficiente.
Um indicador de que os animais não estavam bem é que foram manuseados na praia, antes de serem levados de volta para um ponto de maior profundidade e liberados. Natalia Alves frisa que os tubarões, mesmo os filhotes, não devem ser tocados. "O ideal é que eles consigam seguir pelo fluxo constante das marés, mas, percebendo que houve encalhe, o ideal é chamar um órgão ambiental ou os Bombeiros", orienta.
É bom lembrar também que os tubarões são animais selvagens e podem ocorrer incidentes. Traçando um paralelo, Natalia diz que eles são, no mar, o equivalente ao leão, na savana. Então, as pessoas não devem se aproximar e, menos ainda, tentar tocá-los.
Por outro lado, Agnaldo Martins considera importante desmistificar a ideia de que os tubarões partem para o ataque. Eventualmente, ocorrem incidentes, particularmente em águas mais escuras, pela dificuldade de visualização do animal que, ao se deparar com uma pessoa, pode confundi-la com uma presa. E a morte ocorre, na maioria dos casos, pela demora no socorro para conter a hemorragia do ferimento.
"Infelizmente, se criou uma cultura que os tubarões são inimigos, que precisamos temer e matar. Essa ideia contribuiu muito para se chegar a essa situação de ameaça de extinção. Sempre falo: o homem mata 100 milhões de tubarões no mundo, enquanto os tubarões matam 10 pessoas. Se os dois estão em guerra, quem é o maior predador? O fato é que os tubarões estão sendo dizimados."
Se a pesca insustentável é um perigo para o meio ambiente, o consumo do cação pode afetar a saúde. Isso porque os tubarões, ainda pela característica de estarem no topo da cadeia alimentar, acumulam todos os metais pesados que circulam no ambiente marinho.
Agnaldo Martins lembra de artigo científico que produziu há mais de 20 anos com outros pesquisadores em que demonstraram a alta concentração de mercúrio em espécies que estavam há 500 metros de profundidade no mar. "O mercúrio não vem de um lugar específico; os oceanos já estão contaminados", conclui.
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