Uma semana depois do ataque que deixou quatro pessoas mortas e mais de 10 feridas em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, a lembrança da manhã do dia 25 de novembro ainda tira as noites de sono do professor Luiz Carlos Simora Gomes, de 51 anos. O educador estava na Escola Estadual Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Primo Bitto na hora do ataque e ficou frente a frente com o assassino. Por pouco o professor de Filosofia não foi baleado.
Em entrevista ao g1, o professor contou que no dia do atentado havia menos alunos na escola. No dia anterior as turmas foram levadas para um passeio e naquela sexta-feira a programação era de palestras de empreendedorismo.
Luiz estava organizando as turmas entre os intervalos das aulas quando foi à sala dos professores. O professor contou que, ao chegar no espaço, encontrou os colegas de trabalho em clima de descontração.
"Coloquei o notebook na mesa e tinha um rocambole compartilhado. Eu peguei um pedaço e ofereci às professoras. Sandra e Cybelle aceitaram. A gente estava brincando. Em seguida, fui ao banheiro lavar as mãos e, quando estava saindo, escuto o barulho. Achei que fosse uma brincadeira dos alunos, uma bombinha, algo assim. Quando saí, vi o mascarado", detalhou o professor.
Depois de arrombar dois portões e invadir a escola pelos fundos, a sala dos professores foi o primeiro local em que o assassino entrou e começou a atirar.
"Peguei uma vassoura para tentar dar uma vassourada nele, mas ele trocou o pente [carregador] da arma muito rápido e deu um tiro, que acertou a Maria da Penha, e mais dois, que quase me acertaram", relembrou o educador.
Luiz disse que conseguiu correr para fora da sala dos professores e pediu que o vigilante abrisse o portão para, caso o criminoso fosse em direção às salas de aulas, os estudantes conseguirem fugir.
"Ainda escutei alguns barulhos de tiros, e quando voltei, vi aquela cena de terror. Eu liguei para o 190, mas não atendeu. Como faço parte de um grupo, liguei direto para o Tenente Farias. Quando saí da sala dos professores novamente, vi os estudantes desesperados, tentando pular o muro da escola por causa dos tiros. Voltei para a sala onde estavam meus amigos e fiquei até o socorro chegar", detalhou.
Entre as memórias do ataque, Luiz disse que só compreendeu o que estava acontecendo quando viu os colegas de trabalho baleados no chão. O educador tentou socorrer a professora de Artes Maria Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos, e a professora de Sociologia Flavia Amboss Merçon Leonardo, de 38 anos. As duas morreram no atentado.
"A Maria da Penha ainda permaneceu viva por cerca de seis minutos. Eu perguntei se ela estava me escutando, e ela apertou a minha mão. Depois, foi enfraquecendo... Já a Flávia, ela era um poço de amor. Flávia falava 'eu tô bem, ajuda a Cybelle, ajuda a Degina'... Mas depois ela começou a gritar dizendo que não estava sentindo o corpo e não queria morrer. Esses gritos não saem da minha cabeça", disse o professor.
Em meio a dor de perder colegas de trabalho e de ver a escola em que dava aula fechada, Luiz disse que, nos últimos dias, tirou forças para seguir em frente ao acompanhar a recuperação dos feridos e das demonstrações de carinho dos alunos.
"Nós, professores, estamos destroçados. Estamos arrasados. A cada dia que passa, eu vibro quando vejo uma das minhas amigas, que ainda estão internadas, melhoram. Também fico feliz quando meus estudantes me visitam. Esses dias, tive a oportunidade de visitar uma aluna que quebrou o pé ao tentar fugir dos disparos. Estamos dando apoio uns aos outros", disse.
Sobre a expectativa pela reabertura e retomada das aulas na Escola Primo Bitti, o professor disse que quer voltar a lecionar na unidade.
"A gente precisa voltar porque o mundo sem conhecimento, sem educação, não é o mundo. A gente não pode parar. Claro que a gente pensa: voltar como? Queremos ter segurança. No momento, qualquer barulho que ouvirmos, vamos achar que é um novo ataque. Todos estão traumatizados. Mas a gente quer voltar para a ajudar a construir um mundo sem violência", disse.
Na semana do ataque, a Escola Estadual Primo Bitti conquistou o Prêmio Boas Práticas na Gestão Escolar da Secretaria de Educação do Espírito Santo por ter desenvolvido o projeto Flores e Poesias com os estudantes da unidade. O projeto foi liderado pela professora Maria da Penha Banhos, que morreu no atentado.
O professor Luiz contou que o clima era de celebração a escola pela conquista do prêmio. A entrega havia sido na terça-feira (22) no Palácio Anchieta, em Vitória, dois dias antes do ataque.
"A nossa equipe é bem unida, é uma família. A escola sempre desenvolve muitos projetos com os alunos. A direção proporciona momentos que tira os alunos da sala de aula. Temos os alunos como nossos filhos, nossos amigos, irmãos, e costumo falar com eles quem estuda aqui, não esquece", comentou.
Morreram no ataque a estudante Selena Sagrillo, de 12 anos, e as professoras Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos, Cybelle Passos Bezerra, de 45 anos, e Flávia Amboss Merçon Leonardo.
De acordo com a polícia, as investigações preliminares mostram que o atirador não teria escolhido as vítimas, mas feito disparos aleatórios.
"Ele disse que escolheu aleatoriamente as vítimas. Como a primeira sala era a dos professores, foi a sala que ele teve acessos mais fácil", contou o delegado do caso.
De acordo com o delegado André Jareta, na sala dos professores, ele descarregou as munições que tinha em uma das armas duas vezes.
"Ele já entra na sala dos professores atirando, esgota as munições que tinha, sai da sala, troca de carregador, volta para a sala dos professores e descarrega a arma novamente", disse Jareta.
Das quatro mortes, três foram de professoras baleadas na ação. Entre as cinco pessoas ainda hospitalizadas, três são professoras. Apesar da fala do atirador de que não teria escolhido as vítimas, a polícia informou que vai aprofundar as investigações para entender se houve alguma motivação.
Em depoimento à polícia, o atirador disse ter agido sozinho no crime. A informação foi dada pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), no domingo (27), que informou que, apesar da afirmação, a polícia iria apurar se ele teve ajuda de outras pessoas no ataque.
Entre os pontos investigados estão o acesso e habilidade com armas, saber dirigir e ter acesso ao carro. Além do envolvimento com grupos extremistas. No dia do crime, ele usava vestimentas com um símbolo nazista.
"A investigação que vai dizer como ele com 16 anos tinha tanta habilidade com armas e como ele conseguiu carregar e recarregar", disse o governador.
Casagrande ainda disse que a polícia apreendeu o telefone e o computador do assassino para apurar se ele tinha relação com grupos extremistas.
"Nós temos acesso ao seu telefone, aos seus computadores, aos interrogatórios, então é um processo de investigação pra ver se ele tinha algum envolvimento com algum grupo de fora neonazista", falou.
As armas usadas na ação eram do pai do assassino, um policial militar. Segundo a polícia, uma delas, de registro pessoal, estava em uma caixa trancada com cadeado no quarto dos pais do atirador, e a segunda, escondida em uma gaveta, coberta por roupas. A polícia apura como o adolescente teve acesso a elas.
Na segunda-feira (28), a Polícia Militar informou que abriu processo disciplinar para investigar a conduta do pai do atirador.
"Está sendo instaurado um procedimento administrativo para apurar as circunstâncias nas quais o autor teve acesso às duas armas dele, uma da corporação e uma de registro pessoal, além das balas", informou o subcomandante da Polícia Militar, coronel Sérgio Pereira Ferreira.
No final da tarde do mesmo dia, os pais do assassino prestaram depoimento à polícia . O casal foi ouvido na Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Aracruz de forma presencial e acompanhados de advogados. A informação foi confirmada pela Polícia Civil para a TV Gazeta, mas a reportagem não teve acesso ao conteúdo dos depoimentos.
E entrevista na segunda-feira (28), a Polícia Civil informou que o assassino de 16 anos guardou as armas, almoçou e seguiu para a casa de praia com os pais depois de invadir as duas escolas.
"[Após o ataque] ele volta para casa em Coqueiral, pega todos os objetos que usou na ação e guarda para que os pais não desconfiem que ele tinha usado. Coloca tudo onde estava e fica no interior da casa como se nada tivesse acontecido. Os pais chegam e ele reage naturalmente", contou o delegado.
Segundo o superintendente de Polícia, o delegado João Francisco Filho, o criminoso agiu naturalmente entre o ataque até a prisão. A polícia ainda contou que os pais comentaram com o filho sobre o que aconteceu nas escolas e ele teria reagido com naturalidade. Em seguida, o adolescente foi com os pais para uma casa de praia onde foi preso.
No dia 25 de novembro, um ataque a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, deixou quatro mortos e 12 feridos. O assassino, de 16 anos, estudou até junho no colégio estadual atacado, segundo o governador do estado, Renato Casagrande (PSB). A investigação apontou que o ataque foi planejado por dois anos e que o criminoso usou duas armas do pai, um policial militar.
Os disparos aconteceram por volta das 9h30 na Escola Estadual Primo Bitti e em uma escola particular que fica na mesma via, em Praia de Coqueiral, a 22 km do centro do município. Aracruz, onde o ataque aconteceu, fica a 85 km ao norte da capital.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o assassino arrombou dois portões e invadiu, pelos fundos, a escola estadual. Com uma pistola, ele foi até a sala dos professores e atirou contra os educadores. Duas professoras morreram no local. Nenhum aluno foi baleado na primeira escola.
Na sequência, o atirador deixou a escola estadual em um carro e seguiu para a escola particular Centro Educacional Praia de Coqueiral. Na unidade, uma aluna foi morta. Após o segundo ataque, o assassino fugiu em um carro. Ele foi apreendido ainda na tarde de sexta.
No sábado (26), um dia após o atentado, a Polícia Civil informou que o criminoso vai responder por ato infracional análogo a três homicídios e a 10 tentativas de homicídio qualificadas. Também no sábado, uma professora baleada na primeira escola que estava internada morreu.
Com informações de Viviann Barcelos, do g1 ES
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