O uso de antibióticos por pacientes com a Covid-19 de forma precoce, a fim de prevenir a evolução do coronavírus no organismo, está levando ao agravamento dos casos. O remédio é indicado apenas para quadros de infecção bacteriana, e, segundo alertam médicos, utilizá-lo sem a indicação adequada pode tornar bactérias mais resistentes ao tratamento.
O primeiro ponto a esclarecer é que a Covid-19 é provocada por vírus - o Sars-Cov-2 - contra o qual não há tratamento específico e, ainda que houvesse, não seriam antibióticos - estes são usados para doenças causadas por bactérias.
Ana Carolina D'Ettorres, infectologista da Unimed Vitória, explica que a Covid-19 tem várias etapas, começando como uma doença viral e, durante o processo, tem a fase inflamatória que provoca muita lesão pulmonar e, em toda lesão dessa natureza, há risco de desenvolver a infecção bacteriana.
"Mas usar o antibiótico para prevenir é errado. Não previne infecção; é ilusão. E o pior: é prejudicial porque, na hora que de fato acontecer uma infecção bacteriana e precisar do antibiótico, ela virá muito mais agressiva, com germe resistente e limitação terapêutica", pontua.
A infectologista acrescenta que, ao usar antibiótico de maneira precoce para a Covid-19, ou qualquer outra doença sem indicação, e deixar as bactérias mais resistentes, a internação hospitalar torna-se quase obrigatória, assim como será necessário o uso de medicamentos mais fortes e por tempo mais prolongado. "Além de haver a possibilidade de o paciente não responder ao tratamento", observa Ana Carolina.
Doença viral como a Covid-19 tem sintomas similares a uma infecção bacteriana, como tosse, febre e desconforto respiratório, diz a médica, e é, por isso, que o paciente precisa ser submetido a uma avaliação criteriosa para que haja segurança no diagnóstico e o antibiótico seja usado somente quando realmente indicado.
O infectologista Lauro Ferreira Pinto adverte que as principais agências reguladoras do mundo, como a americana e a europeia, também têm alertado para o uso indiscriminado de antibiótico em pacientes com a Covid-19, sobretudo a Azitromicina, justamente pelo risco de aumentar a resistência das bactérias. Ele aponta que as infecções bacterianas são secundárias no caso da Covid-19, e acontecem em menos de 20% dos pacientes que contraíram o coronavírus.
"Para estes, sim, pode haver a indicação de antibiótico. Mas é sempre bom lembrar que antibiótico não é antipirético (remédio contra a febre), e nunca deve ser tomado sem indicação. Entendo o anseio da pessoa que está doente, desesperada em busca de uma solução para o seu caso, e pressiona pela prescrição do remédio, mas só deve ser usado em situação específica", ressalta.
Presidente da Sociedade de Infectologia no Espírito Santo e médico da Rede Meridional, Alexandre Rodrigues analisa que há dois contextos de risco com o uso de antibióticos por quem está com a Covid-19. A utilização apenas do antibiótico, reforça o infectologista, leva ao aumento da resistência antimicrobiana. Se não bastasse esse problema, no uso do kit de tratamento precoce, em que se associa também outras substâncias, o corticoide reduz a imunidade do paciente.
"Tanto para um paciente quanto para outro, as bactérias ficam resistentes a esses antibióticos. Às vezes, o paciente apresenta um quadro mais grave depois, interna e vai para a UTI. Tem que usar muito mais antibióticos, e esses quadros graves podem ir a óbito por bactéria multirresistente", atesta.
O problema de uso abusivo de antibióticos, explica Alexandre Rodrigues, é anterior à pandemia. Em 2019, havia cerca de 700 mil mortes anuais, no mundo, provocadas por bactérias resistentes. Naquele ano, estimava-se que, em 2050, esse número saltaria para 10 milhões de óbitos, num relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Agora, tanto pelo uso indiscriminado do medicamento pela população, quanto pelo fato de que antibióticos têm sido mais administrados nos pacientes graves de Covid-19 durante as internações, as projeções são de que a quantidade de mortes decorrentes de bactérias multirresistentes aumente expressivamente num intervalo menor de tempo.
No mesmo relatório, segundo aponta Alexandre Rodrigues, estava o alerta de que, cada vez mais doenças comuns como as sexualmente transmissíveis, as do trato respiratório e as do trato urinário, se tornam impossíveis de serem tratadas porque as bactérias estão mais resistentes aos antibióticos.
A Resistência Antimicrobiana (RAM), segundo a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), põe em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número crescente de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas.
A RAM ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplo). Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultrarresistentes.
Como resultado, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação a outras pessoas.
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