O auxílio emergencial foi pago aos sócios de 144 empresas milionárias do Espírito Santo. Ao todo são 170 pessoas que fazem parte do quadro societário de companhias que têm mais de R$ 1 milhão em capital social.
O benefício foi criado em março para ajudar financeiramente trabalhadores autônomos, microempreendedores individuais e desempregados que ficaram sem renda por conta da crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus.
O levantamento foi feito por A Gazeta com base em cruzamento de dados de sócios de empresas da Receita Federal e da Dataprev. Foram comparados os nomes e CPF das pessoas que obtiveram o benefício.
Os nomes não foram revelados porque não é possível saber se essas pessoas pediram o auxílio por vontade própria ou se elas foram vítimas de fraudes.
Entre as 144 empresas, foram identificados 170 sócios, isso porque uma empresa pode ter mais de um sócio que solicitou o auxílio.
Segundo registro na Receita Federal, essas empresas têm capital social de mais de R$ 1 milhão. Contudo, em uma delas, esse valor ultrapassa os R$ 20 milhões.
Pelas regras do programa não há impedimento formal para que empresários requisitem a ajuda financeira mensal de R$ 600. Contudo, eles têm que cumprir os demais requisitos que incluem ter renda familiar de até R$ 500 por pessoa ou rendimentos tributáveis de até R$ 28 mil em 2018.
Essa "brecha" fez com que mais de 18 mil sócios de empresas capixabas de todos os portes obtivessem o auxílio. O pagamento das cinco parcelas do auxílio emergencial só para eles pode custar R$ 71,5 milhões aos cofres públicos.
Entre as empresas milionárias, a maior delas tem sede em Domingos Martins e atua na compra e venda de imóveis. O capital social da empresa é de R$ 21,3 milhões. Dos oito sócios cadastrados na Receita Federal, apenas um aparece na lista de beneficiários do auxílio emergencial.
Segundo o portal da transparência do governo federal, a pessoa em questão já recebeu três parcelas de R$ 1.200, destinadas às mães chefes de família.
Em seguida está o sócio de uma empresa que fabrica estruturas metálicas destinadas à indústria do petróleo e tem sede na Serra. A empresa, que ainda está em atuação, tem capital social de cerca de R$ 19 milhões.
Também estão na lista três sócios de uma boate na Praia do Canto em Vitória. Há ainda donos de empresas de transporte, engenharia, construtoras e três clínicas médicas.
Um dono de uma startup de finanças também apareceu entre os contemplados com três parcelas do auxílio, mas ele devolveu o dinheiro, segundo o Portal da Transparência.
O ministro Bruno Dantas, relator do processo no Tribunal de Contas da União (TCU) que apura irregularidades no auxílio, também encontrou indícios de fraude entre empresários ao analisar dados nacionais.
"O público identificado nesse cruzamento (de empresários que receberam auxílio) é bastante heterogêneo, podendo conter desde o pequeno empresário que está com seu comércio fechado sem a renda necessária para alimentar sua família até o grande empresário que possui as condições de se sustentar em casa durante a quarentena", escreveu em relatório à corte de contas.
Ele afirma que os dois casos citados deveriam ter sido separados através do critério de renda tributável declarada. Contudo, demonstra o ministro, os lucros das empresas (além de outras aplicações) são isentas de tributação e, portanto, não contariam para o limite determinado pelo programa.
Ou seja, se um empresário declarou como pro-bono (um tipo de salário que paga a si mesmo) menos de R$ 28 mil em 2018, ele teria, tecnicamente, direito ao auxílio, mesmo que tenha recebido milhões em lucro na empresa da qual é sócio.
Pelo menos 50 dos 170 pedidos de auxílio foram retidos para avaliação de divergências cadastrais mesmo após a pessoa ter tido o valor aprovado pelo sistema do governo.
Em julho, o ministério da Cidadania enviou à Caixa 1,3 milhão de CPFs em que havia suspeita de fraude ou inconsistência no cadastro. Essas contas foram bloqueadas.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de maio apontam que 39% dos beneficiados pelo auxílio emergencial no Estado viviam em domicílios cuja renda per capita ultrapassava o limite máximo estipulado pelo programa (R$ 522). Em 11% deles, essa renda era superior a R$ 1 mil por pessoa, ou seja, o dobro do limite exigido.
O TCU também já indicou que milhões de pessoas da classe média alta no país conseguiram o auxílio porque houve uma falha no cruzamento dos dados.
No momento de fazer a verificação dos pedidos o governo não levou em conta os dependentes das pessoas que declaram o Imposto de Renda de Pessoa Física.
Com isso, jovens de classe média alta conseguiram receber o benefício mesmo ainda vivendo com o dinheiro da família.
A reportagem de A Gazeta também já demonstrou que o benefício foi pago a uma delegada aposentada que recebe R$ 20 mil por mês. Também usufruiu do auxílio emergencial a esposa do prefeito de São Domingos do Norte. Ela mora com o marido, que recebe quase R$ 13 mil por mês.
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