Falhas em aplicativos expõem a vulnerabilidade em sistemas de pagamentos criados pelos bancos públicos. Com isso, bandidos conseguem ter acesso ao auxílio emergencial de R$ 600 e ao benefício emergencial de preservação do emprego e da renda (BEm) de trabalhadores em contas digitais. Eles hackeiam as carteiras on-line e furtam o dinheiro, deixando essas pessoas sem o valor que é pago pelo governo para ajudar quem ficou sem renda ou teve o salário reduzido, por conta da crise do coronavírus.
Em meio a essa situação e com as contas chegando, trabalhadores estão preocupados e relatam que não sabem o que fazer, nem a quem recorrer. Além disso, quem não passou pelo problema conta que está com medo de ser a próxima vítima.
Muitos beneficiários estão encontrando problemas para utilizar o aplicativo Caixa Tem, onde são depositados o auxílio, as parcelas do BEm e também o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Já a Carteira bB é uma conta virtual criada pelo Banco do Brasil para o pagamento do BEm. Alguns usuários relataram que o dinheiro está sumindo de suas contas. Outros ainda explicam que quando vão tentar recuperar a senha aparece um número de celular ou e-mail diferente do seu. E que, com isso, não conseguem acessar a conta.
O BEm é um benefício criado pelo governo federal que se destina aos trabalhadores que, em função da crise, tiveram redução de jornada e salário ou contrato suspenso. Nele, o governo paga um percentual do salário do funcionário, com base no seguro-desemprego. Para isso, os bancos abriram uma conta poupança digital, mesmo para aqueles que indicaram que queriam receber em uma conta corrente já existente.
Um beneficiário do auxílio emergencial relatou para A Gazeta que receberia o benefício no dia 13 de junho na agência de Campo Grande, no município de Cariacica. Segundo ele, quando chegou lá o dinheiro havia sido usado para o pagamento de uma conta no valor de R$ 599,98.
"Fui no dia 15 de junho na agência de Itacibá, em Cariacica, e me disseram que o meu pedido seria analisado em 10 dias. Depois desse prazo, fui novamente lá e disseram que não houve fraude eletrônica", conta.
Outra leitora aponta que, no dia 3 de junho, descobriu que alguém criou uma conta no Caixa Tem e já recebeu uma parcela do auxílio e vai receber outra.
O Banco do Brasil criou uma poupança com variação 73, que é exclusiva para o pagamento do benefício emergencial. A instituição é responsável pelo processamento dos pagamentos dos beneficiários cujos empregadores indicaram para crédito contas no próprio Banco do Brasil ou em outras instituições financeiras, exceto a Caixa.
Para conseguir ter acesso ao valor, o trabalhador precisa baixar o aplicativo da Carteira bB. Depois, realizar o cadastro informando dados pessoais, como CPF e número de celular. Caso esqueça a senha, é possível recuperá-la a partir do número de celular cadastrado.
O passo a passo é simples, mas vem dando muita dor de cabeça a Wanderleia Teixeira Bernardo Salles, 45 anos, que trabalha há nove anos como cobradora da Viação Praia Sol. Devido à pandemia, o sistema GV Bus, para o qual a empresa presta serviço, passou a rodar com os ônibus sem cobradores. Com isso, Wanderleia foi afastada do serviço.
No acordo assinado com a empresa, por um período de dois meses, ela receberia 70% do salário pago pelo governo federal por meio do BEm e o restante pela empresa. O benefício foi depositado no dia 17 de junho, segundo a carteira de trabalho digital da cobradora, porém, quando foi sacar o valor ele tinha desaparecido de sua conta.
Wanderleia conta que a atendente olhou no sistema do banco para ver a movimentação da conta e descobriu que o valor foi transferido para um homem chamado Júlio. "Uma pessoa já tinha pegado o meu dinheiro, transferido e sacado. Ele transferiu no dia 21 de junho e eu fui ao banco no dia seguinte (22/6). Sem dinheiro é complicado, eu estou zerada. É complicado porque é um dinheiro que é meu e tenho que ficar aguardando para receber", conta.
Wanderleia contou ainda que no banco fez uma carta de próprio punho sobre o ocorrido e assinou um termo de contestação de débitos, informando que o dinheiro foi transferido de sua conta sem sua autorização. Segundo o documento que a reportagem teve acesso, o banco dá um prazo de até 15 dias para analisar o pedido.
Um cobrador de 29 anos, que pediu para não ser identificado na reportagem, trabalha há um ano e oito meses na mesma empresa que Wanderleia e está com o mesmo problema que a colega. Ele alega que a carteira de trabalho digital mostrava as duas parcelas do BEm a que tem direito, uma paga em 16 de junho e outra que será depositada em 16 de julho.
"O governo tentou depositar o dinheiro na minha conta de outro banco, mas não conseguiu. Então depositaram na poupança do Banco do Brasil. No dia 23 de junho, quando fui na agência, o sistema saiu do ar e tive que ir no outro dia. Tinha mais dois cobradores comigo e o rapaz disse que era a mesma coisa havia acontecido com ele", explica.
Assim como no caso de Wanderleia, uma pessoa chamada "Júlio" criou uma Carteira bB com o CPF dele e transferiu o dinheiro para outra conta. "Desde o dia 16 de junho até hoje estou sem receber os 70% do valor do meu salário. Uma funcionária da agência em que fui, na pracinha de Vila Velha, me deu uns papéis para assinar e disse que o dinheiro estava na conta desse tal de 'Júlio'", comenta.
O documento que teve que assinar é o termo de contestação de débitos. Ele disse que ainda não fez o BU porque está esperando os 15 dias pedidos pelo banco. "No dia 9 de julho, quando o prazo termina, tenho que ir lá no banco novamente. Se não resolverem até lá vou fazer um BU e entrar na Justiça", aponta.
Um terceiro caso de fraude a que a reportagem teve acesso é o de outra cobradora. Carminda Rocha, 38 anos, trabalha na empresa há sete anos. Ela tem três filhos pequenos e um maior de idade. Assim como os outros colegas, teve redução do salário por dois meses e recebeu do governo federal, por meio do BEm, o referente a 70% do seu salário.
O problema é que o valor foi transferido de sua conta antes mesmo que ela tivesse acesso. "Eu olhei na carteira de trabalho digital e dizia que o dinheiro estava no banco. Então, fui lá fui e o banco me informou que alguém tinha usado o meu número do CPF para ter acesso ao meu salário. Eles me deram o prazo de 15 dias para eu conseguir a devolução do dinheiro. Eu fiz um BU e estou aguardando", explica.
Outra funcionária da empresa, que não quis se identificada, relatou à reportagem que está com medo de ser vítima da fraude no próximo mês. "Quem garante que eles não vão conseguir fazer o mesmo comigo?", questiona.
A reportagem de A Gazeta entrou em contato com os envolvidos no caso para ter um posicionamento e saber como essas pessoas podem reaver o dinheiro furtado. Até o fechamento desta matéria, às 19 horas desta quinta-feira (2), a Viação Praia Sol e o Ministério da Economia, que é o responsável pelo BEm, não responderam.
Já o Banco do Brasil apenas informou, por nota, que o usuário que não conseguir acessar sua conta na Carteira bB deve entrar em contato pelo próprio App. "Na tela inicial, basta clicar no ponto de interrogação (?), escolher Chat, inserir o número do CPF e relatar o problema. O cliente ainda tem disponível o link https://www.carteirabb.com.br/ para demais dúvidas relacionadas ao uso da Carteira bB," disse.
Por nota, a Caixa informou que atua de forma conjunta com os órgãos de segurança pública para mitigar riscos de fraudes e garantir um nível adequado de segurança no pagamento do auxílio emergencial. Disse ainda que sempre que detectada suspeita de crime, a Polícia Federal é acionada e recebe todas as informações para as investigações e intervenções necessárias.
"Contestações de saques podem ser formalizadas em qualquer agência da Caixa. Após análise, nos casos em que for comprovado eventual saque fraudulento, o beneficiário será ressarcido diretamente na agência onde foi registrada a contestação", informou a Caixa, em nota.
A Polícia Civil orienta que, diante da suspeita de fraude com relação ao uso das contas digitais, as vítimas devem registrar a ocorrência, o que pode ser feito pela internet na delegacia on-line (delegaciaonline.sesp.es.gov.br).
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta