O sonho da duplicação total da BR 262 no Espírito Santo ficou mais distante. O leilão de concessão da rodovia, que aconteceria no próximo dia 25, foi suspenso por decisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na tarde desta quinta-feira (17). Segundo o órgão, o edital precisa ser “aprimorado”.
A disputa já havia sido adiada três vezes. Inicialmente, deveria ocorrer no fim de novembro do ano passado, mas o prazo foi sendo estendido pela ANTT. Nesta quinta, a agência afirmou que não há nova data para acontecer.
Como A Gazeta chegou a mostrar, quatro grupos empresariais vinham estudando o edital. Porém, segundo apurou o jornal Valor Econômico, o Ministério da Infraestrutura (MInfra) detectou que nenhum deles apresentaria proposta, o que significaria um leilão vazio.
"As soluções de engenharia são muito desafiadoras e envolviam risco elevado. A conta não estava fechando para os investidores - ou estava fechando muito no limite. Agora vamos voltar para a prancheta e explorar algumas alternativas para viabilizar o projeto, preservando um olhar social pelo lado da tarifa e um olhar do investidor pelo lado do Capex (investimento)", disse ao Valor a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do MInfra, Natália Marcassa.
O edital aprovado prevê a concessão da BR 262 em conjunto com a BR 381, em Minas Gerais, conhecida como “rodovia da morte”. O projeto abrange mais de 670 quilômetros de pistas, com a previsão de duplicação de 402 quilômetros e outros 360 quilômetros de faixas adicionais e vias marginais, 40 passarelas e o contorno de Manhuaçu (MG).
O objetivo é mitigar os gargalos na principal ligação entre Minas – inclusive a região do Vale do Aço – e o Espírito Santo.
O edital atual, que será reformulado, prevê investimentos da ordem de R$ 7,37 bilhões ao longo dos 30 anos de contrato, prorrogáveis por mais cinco.
Em 2013, o governo Dilma Rousseff (PT) também tentou conceder a BR 262 no Estado, mas ninguém apresentou propostas no leilão.
Embora fontes do setor tenham afirmado que, desta vez, as chances do Estado eram maiores, sempre houve a desconfiança de que os altos custos das obras previstas no projeto pudessem afastar os investidores.
Um dos principais desafios seria justamente a duplicação total do trecho da rodovia que corta do Espírito Santo, por conta do relevo montanhoso. Ainda que haja soluções modernas de engenharia disponíveis para ampliar a via, elas são muito caras.
No fim das contas, o que interessa à empresa que pretende participar do leilão é se o retorno financeiro, obtido por meio da cobrança de pedágio, será suficiente para cobrir não só os custos de operação e manutenção, mas também esses investimentos.
Em meio à tramitação do processo no Tribunal de Contas da União (TCU), houve mudanças no projeto para reduzir os gastos com duplicação e tentar, justamente, torná-lo mais atrativo aos empresários.
Em outubro de 2020, o primeiro plano de outorga trazia a previsão de duplicação total da BR 262, no trecho mineiro e capixaba. Contudo, em julho de 2021, o TCU decidiu por aprovar um projeto novo, sem a obrigatoriedade da duplicação do trecho de Minas Gerais. Ele manteve a previsão do investimento para o Espírito Santo.
Fontes avaliam também que o edital e o contrato de concessão não ofereceram uma alternativa às empresas para a duplicação, por exemplo, de mudar o traçado da pista fazendo um “contorno”. Isso porque construir uma rodovia nova pode ficar mais barato do que expandir uma já existente em um terreno tão complicado.
Outro ponto a ser considerado diante do desinteresse de empresas para o leilão é a alta da taxa básica de juros. Na ocasião do lançamento do projeto, a Selic estava em um momento de baixa histórica (2%), o que incentivava investidores, nacionais e internacionais, a emprestar dinheiro para esse tipo de projeto de infraestrutura de longa duração.
Porém, esse não é mais o caso. O Comitê de Políticas Monetárias do Banco Central, vem aumentando sucessivamente a taxa, que atualmente está em 10,75%. A expectativa é de que ela suba ainda mais nos próximos meses.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o leilão de concessão da BR 381 e BR 262 será remodelado e reconheceu os altos custos das obras exigidas no edital. Segundo a pasta, o objetivo da reformulação é "garantir investimentos robustos, com tarifas justas e com mecanismos modernos que contemplem todas as obras do trecho."
"Do ponto de vista técnico, o projeto de concessão da rodovia exige investimentos robustos que solucionem lacunas consideráveis no passivo de infraestrutura. Os técnicos do Ministério da Infraestrutura seguem debruçados no estudo para garantir um leilão bem-sucedido e compatível com o ativo. O Governo Federal trabalha também para que as tarifas praticadas pela futura concessionária sejam justas para todos os setores, em especial os usuários das rodovias", diz a nota.
O órgão afirmou que um novo projeto deve ser apresentado nos próximos meses, sem apontar datas precisas.
A concessão da BR 262 é um pleito antigo não só dos cidadãos capixabas, mas também do setor produtivo, já que a via é um importante eixo de ligação com Minas Gerais. Segundo a presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Cris Samorini, a suspensão do leilão frustra as expectativas de melhorias na infraestrutura do país.
"Mais uma vez está sendo postergada a oportunidade de melhorar as condições dessas rodovias, tão importantes para escoar a produção. Estradas sucateadas atingem em cheio a eficiência do transporte, minando a competitividade dos negócios. Não é de hoje que esperamos uma solução para a duplicação do 262, mas ainda esbarramos em pontos que afastam os investidores, como insegurança jurídica, incertezas econômicas e questões técnicas complexas", disse em nota.
A presidente da Findes afirmou que espera que o governo federal possa identificar e sanar os problemas que inviabilizaram o leilão. "Não dá para o país continuar sabendo da existência de problemas e gargalos e não atacá-los de forma definitiva, sob o risco de deixarmos o desenvolvimento sempre para ser resolvido amanhã."
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